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Fala eleitoreira, machismo: colunistas avaliam o 7 de setembro bolsonarista

Do UOL, em São Paulo

07/09/2022 20h01

Os atos bolsonaristas no 7 de Setembro —que deveria ser marcado pelo Bicentenário da Independência— foram tomados por um tom eleitoreiro.

Colunistas do UOL avaliam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) usou a data de olho na eleição de 2 de outubro, em que busca a reeleição.

Atualmente, ele aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com os discursos em Brasília e no Rio de Janeiro, ele fez ataques ao petista. Um dos pontos que mais chamou a atenção foi a fala machista sobre ser "imbrochável".

Para a colunista Madeleine Lacsko, o presidente acabou transformando o 7 de Setembro em BolsonaroDay.

"Imbrochável!"

"Imbrochável!"

"Imbrochável!"

Abraçado à primeira-dama, Michelle, e ao lado do "papagaio de pirata" Luciano Hang, referindo-se a ele mesmo, Bolsonaro parecia feliz da vida, com um sorriso sarcástico, ao ouvir a multidão reunida neste 7 de Setembro em Brasília repetir seu grito de guerra. É a versão 2022 do "Grito do Ipiranga" de D. Pedro ao proclamar "Independência ou Morte!". Montado num carro de som, e não num cavalo, depois do desfile militar, o presidente não empunhou a espada como o imperador.

Pouco antes, num café da manhã com autoridades no Alvorada, Bolsonaro já tinha dado o tom do que seria este dia do Bicentenário, ao lembrar de momentos históricos vividos pelo país, como o Golpe de 1964, e ameaçar que "a história pode se repetir".

O palanque oficial era o retrato do seu isolamento interno e externo: os chefes dos outros Poderes simplesmente ignoraram a festa bolsonarista, e do exterior só vieram os presidentes de Portugal, da Guiné Bissau e de Cabo Verde.

Depois de tantas evidências históricas que se contrapõem às narrativas oficiais sobre a importância do 7 de Setembro para o processo de consolidação da Independência do Brasil, faz todo sentido deixar a data para Bolsonaro se aparecer, com suas atitudes golpistas, alheias às aspirações populares e contrárias ao estado democrático de direito.

Para completar, sua farsa de virilidade, que precisa ser reforçada por um coro de apoiadores, tentando fazê-lo acreditar que é 'imbrochável', combina bem com a postura de Dom Pedro I, cujo coração insepulto foi tratado com honras pelo atual presidente do Brasil.

O príncipe, montado em uma mula e com desarranjo intestinal, também se considerava 'imbrochável', acreditando que seria fácil manter o poder no país após a ruptura de araque da coroa portuguesa. Não conseguiu sustentar a constituição com ares absolutistas que promulgou no país, assim como não resistiu em disfarçar sua impotência diante de mulheres, como Leopoldina e Domitila, que exerciam o poder em sua vida e nas decisões sobre a nação.

As camadas populares brasileiras, que de fato protagonizaram, há 200 anos, as lutas pela independência e construção da democracia no Brasil, não aceitarão as patifarias eleitoreiras vergonhosamente encenadas hoje por Bolsonaro.

A diferença é que, diferente de Dom Pedro, Bolsonaro não terá um trono em Portugal para se apegar. Graças às herdeiras de Maria Felipa e Maria Quitéria seu destino, a partir de outubro, poderá ser bem mais dramático.

O Brasil que realmente somos e que nos orgulha não fez falta a uma claque que crê viver uma guerra contra o comunismo, o aborto e a identidade de gênero.

Quando eu vi o presidente puxar um coro de "imbrochável" para si mesmo, a multidão aderir e ainda aplaudir, vi que ali o pessoal está disposto a tudo mesmo. Eu achei excessiva a idolatria ao coração de Dom Pedro, mas de tédio a gente não morre.

Se nós tivéssemos sido educados para o patriotismo, aquela multidão jamais permitiria que a data virasse uma ode ao órgão sexual do presidente e um cat fight de primeiras-damas. Ocorre que não somos patriotas.

O repúdio à excrescência não veio acompanhado de uma demanda pelo que é devido ao Brasil e aos brasileiros na comemoração. O pessoal prefere tirar sarro de paraquedistas. Depois vai lá xingar o presidente, a primeira-dama de louca e os próprios compatriotas.

Isso não combate a esculhambação de transformar o Sete de Setembro em Bolsonaro Day, reforça. Combater seria exigir o correto e defender o civismo. Reagir aumentando o esgarçamento do tecido social é campanha para Bolsonaro.

Estranho patriotismo esse, de Bolsonaro. E também daqueles generais, brigadeiros e almirantes que o apoiam mesmo vendo uma celebração nacional ficar em segundo plano em relação aos planos eleitorais do inquilino do Planalto.

Caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decida cumprir sua obrigação e aplique punição severa a Bolsonaro por transformar um evento de Estado em campanha eleitoreira, esses fardados certamente se manifestarão.

Que sejam ignorados.

E que o país volte a seguir a Constituição, sem que para isso precise pedir permissão aos oficiais bolsonaristas.

Neste 7 de Setembro, Bolsonaro conseguiu dar um "nó tático" nos canais de notícias 24 horas. Os 200 anos da Independência foram transformados num ato eleitoral escancarado pelo presidente sem que isso alterasse a forma como os canais cobriram os fatos. Essa situação era previsível desde que ele começou a convocar seus correligionários para os atos e ficou explicita já nas primeiras horas de hoje.

Manifestações com milhares de pessoas, comandadas pelo presidente da República ou outras autoridades, são notícias. A questão é a forma de apresentá-las. Não dá para tratar o que está acontecendo como um festejo do bicentenário da Independência. Em diferentes momentos, GloboNews, CNN Brasil, BandNews, Record News e Jovem Pan fizeram propaganda eleitoral gratuita para Bolsonaro.

Bolsonaro usou o aparato público para fazer campanha eleitoral e mobilizou o país em torno de sua agenda. No final do dia, porém, sobraram apenas as falas machistas e homofóbicas e a repetição daquilo que todo mundo já sabia: ele continua mobilizando seus apoiadores, mas parece não conseguir ampliar seus horizontes eleitorais. É o cercadinho do Planalto ampliado.

Se a apropriação do 7 de Setembro por uma campanha eleitoral é inédita, numa sequência de eventos multiplamente criminosos, não se tem notícia de um presidente que tenha usado um evento dessa natureza para exaltar a própria masculinidade diante de sua "princesa". A parcela das mulheres, e hoje é maioria, que o rejeita terá se sentido lisonjeada com esse tratamento?

No discurso Bolsonaro afirmou que atualmente "todos sabem" o que é o governo federal, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Neste momento fez uma pausa para seus apoiadores se manifestarem. A plateia bolsonarista, que conhece bem o pensamento do chefe, respondeu vaiando quando ele falou do STF.

Os seguidores radicais do bolsonarismo acreditam que, legitimado por uma eventual reeleição, o chefe poderá cumprir os pedidos expressos em algumas faixas e cartazes empunhados por alguns dos manifestantes deste Sete de Setembro, pedindo de "golpe militar com Bolsonaro no poder", volta do AI-5, fechamento do STF.

Além de um ato de campanha eleitoral, o discurso de Bolsonaro foi uma ameaça explícita à oposição e aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Conforme amplamente anunciado, Bolsonaro sequestrou as comemorações do 7 de Setembro, transformando-as em megacomícios eleitorais. Ou seja, grana e estrutura públicas para financiar a sua campanha. Em qualquer República menos bananeira, em que instituições funcionem normalmente, ele teria a candidatura impugnada.

Mas o presidente atacou sistematicamente o TSE e o STF, nos últimos anos, exatamente para que, chegando a este momento, ele pudesse alegar que uma cassação de chapa seria perseguição política. Ao mesmo tempo, Bolsonaro foi para o tudo ou nada, não se importa mais com a lei. Sabe que se perder, há grande chance de ir preso

A demonstração de força das micaretas golpistas deste 7 de Setembro deve servir para reforçar suas posições entre seus fãs e seguidores, entre empresários que o financiam e os políticos que o apoiam. Mas ele vai precisar de muito mais para conseguir o voto de uma parte da população que viu a vida piorar sob o seu governo. O povão não vai votar nele por conta desses comícios, mas se o preço dos alimentos cair.