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Bolsonaro sequestra bicentenário, pede votos e ataca Lula e pesquisas

Do UOL, em São Paulo*

07/09/2022 17h41Atualizada em 08/09/2022 11h57

A menos de um mês do primeiro turno das eleições, o presidente Jair Bolsonaro (PL) transformou o 7 de Setembro em comício nas três principais cidades do país: São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Candidato à reeleição, ele se encontrou com apoiadores vestidos de verde e amarelo e fez discursos pedindo votos —também repetiu mentiras, criticou pesquisas eleitorais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu principal concorrente, e puxou um coro de "imbrochável".

Na data em que se comemora o bicentenário da Independência do Brasil, ele apareceu isolado no primeiro compromisso —o desfile cívico-militar na capital federal. Não estiveram presentes os presidentes do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux; do Senado, Rodrigo Pacheco; e da Câmara, Arthur Lira.

Logo depois, na frente de apoiadores, fez um pronunciamento em tom eleitoreiro e citou diretamente o primeiro turno das eleições presidenciais, em 2 de outubro. À colunista Carolina Brígido, do UOL, um ministro e um ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) disseram que houve abuso de poder. No Rio, mais tarde, após uma motociata, atacou a esquerda.

O que você precisa saber:

  • Bolsonaro usou o 7 de Setembro como comício, fez discursos pedindo votos e criticando adversários.
  • Em Brasília, logo após o desfile cívico-militar, tentou adotar tom mais moderado --evitou combater o STF, mas atacou as pesquisas eleitorais que mostram que ele está atrás de Lula e fez comentários machistas ao lado da mulher, Michelle Bolsonaro.
  • No Rio, participou de uma motociata e encontrou apoiadores na avenida Atlântica, em Copacabana. Repetiu falas conservadoras, destacou que é cristão e chamou o candidato petista de "quadrilheiro de nove dedos".
  • Diferentemente do esperado, Bolsonaro não apareceu em videochamada para o grupo que se reuniu na avenida Paulista, em São Paulo. O ato foi marcado pela tietagem a personalidades bolsonaristas. Os organizadores chegaram a proibir que os candidatos pedissem votos, mas houve distribuição de santinhos e adesivos.
  • Na avaliação de juristas, o presidente pode ser acusado de abuso de poder e crime eleitoral por causa dos atos.

O que Bolsonaro disse:

A vontade do povo se fará presente no próximo dia 2 de outubro [dia do primeiro turno]. Vamos todos votar, vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós, vamos convencê-los do que é melhor para o nosso Brasil. Podemos fazer várias comparações, até entre as primeiras-damas."

Eu tenho falado para os homens solteiros, para os solteiros que estão cansados de serem infelizes, procurem uma mulher, uma princesa, se case com ela para serem mais felizes ainda."

Queria dizer que o Brasil já passou por momentos difíceis, mas por momentos bons, 22 [revolta tenentista], 35 [intentona comunista], 64 [golpe militar], 16 [impeachment de Dilma Rousseff (PT)], 18 [eleição presidencial] e agora, 22. A história pode repetir, o bem sempre venceu o mal."

Compare o Brasil com os países da América do Sul, compare com a Venezuela, compare com o que está acontecendo na Argentina, e compare com a Nicarágua. Em comum esses países têm nomes que são amigos entre si. Todos são amigos do quadrilheiro de nove dedos que disputa a eleição no Brasil. Esse tipo de gente tem que ser extirpado da vida pública."

Nós somos um governo que sabemos que o nosso estado é laico, mas seu presidente é cristão! Nós defendemos a vida desde a sua concepção. Não existe no nosso governo a ideia de legalizar o aborto."

Tenho certeza, seremos um governo muito melhor com a nossa reeleição, com a graça de Deus. A todos vocês, do Rio de Janeiro, do meu Brasil, muito obrigado por esse momento. (...) Tenho certeza que atingiremos, não eu, mas o nosso objetivo para o bem da nossa Pátria."

O que mais aconteceu:

Mentiras sobre economia. Em Brasília, Bolsonaro voltou a repetir que foi contra as medidas de isolamento —adotadas desde 2020 para frear o avanço do coronavírus— e mentiu ao falar sobre a economia do país. O Brasil está no topo das maiores taxas de inflação entre as principais economias mundiais e em 36º no ranking mundial do preço da gasolina.

Quando parecia que tudo estaria perdido para o mundo, eis que o Brasil ressurge. Uma economia pujante, com uma gasolina das mais baratas do mundo, com um dos programas sociais mais abrangentes do mundo, que é o Auxílio Brasil, com recorde na criação de empregos, com inflação despencando e com o povo maravilhoso e entendendo aonde o seu país poderá chegar.
Bolsonaro em Brasília

O Auxílio Brasil, citado pelo presidente, é a aposta dele na corrida eleitoral. Mas mesmo após conseguir aprovar no Congresso um pacote de benefícios, ele ainda não consegue avançar entre o público que recebem a ajuda financeira. Última pesquisa Datafolha mostrou que Lula tem 56% das intenções de voto entre beneficiários do programa, já Bolsonaro, 28%.

Livre da corrupção? Antes de escândalos de corrupção como o caso MEC (Ministério da Educação) e o envolvimento de dois pastores na liberação de dinheiro, Bolsonaro usava em seus discursos que o Brasil estava livre da corrupção. Depois, adaptou suas declarações para dizer que "se procurar, vai achar alguma coisa".

Hoje, em Brasília, disse que o Brasil é um país que "combate a corrupção para valer". "Isso não é virtude, é obrigação de qualquer chefe do Executivo."

Por três anos consecutivos, o Brasil perdeu posições no Índice de Capacidade de Combate à Corrupção. Em 2021, o país estava em 6º lugar entre 15 países da América Latina. Em 2022, caiu para 10º.

Levantamento feito pelo UOL mostrou também que a PGR (Procuradoria Geral da República) já arquivou 104 pedidos de investigações contra Bolsonaro recebidos do STF. Um dos casos, inclusive, se refere às declarações golpistas dadas pelo presidente durante o 7 de Setembro do ano passado.

Sabemos que temos pela frente uma luta do bem contra o mal, um mal que perdurou por 14 anos em nosso país, que quase quebrou a nossa pátria e que agora deseja voltar à cena do crime. Não voltarão! O povo está do nosso lado!"
Bolsonaro em Brasília

Machismo. Ainda no tom eleitoreiro, Bolsonaro pediu para que seus apoiadores convençam "quem pensa diferente" a votar e que é possível fazer várias comparações "até entre as primeiras-damas".

Não há o que discutir, uma mulher de Deus, família e ativa na minha vida. Não é o meu lado não, muitas vezes ela está na minha frente e eu tenho falado para os homens solteiros, para os solteiros que estão cansados de serem infelizes: procurem uma mulher, uma princesa, se case com ela para serem mais felizes ainda."
Bolsonaro em Brasília

A declaração machista aconteceu pouco antes de o presidente puxar um coro de "imbrochável". Bolsonaro tem maior rejeição entre o eleitorado feminino, segundo as pesquisas de intenção de voto.

A ideia machista cria distinções nas funções sociais entre homens e mulheres. "O machismo considera que, por suas diferenças, homens e mulheres desempenham papéis diferentes na sociedade. Às mulheres cabem os cuidados com a casa e às pessoas dependentes; aos homens, a gestão da vida pública, como a política, ciência e o trabalho remunerado", explicou à Ecoa Bruna Cristina Jaquetto Pereira, especialista em gênero e raça e doutora em sociologia pela UnB (Universidade de Brasília).

Pautas conservadoras. Antes de levantar o coro, Bolsonaro defendeu pautas conversadoras e criticou temas como a legalização do aborto e do que chama de "ideologia de gênero" —termo pejorativo usado pelo campo conservador, muitas vezes ligado ao fundamentalismo religioso, contra os avanços nos direitos sexuais e reprodutivos e na igualdade de gênero, em especial da população LGBTQIA+. O tom conservador foi repetido no palanque do Rio de Janeiro.

Somos uma pátria majoritariamente cristã, que não quer a liberação das drogas, que não quer legalização do aborto, que não admite a ideologia de gênero."
Bolsonaro em Brasília

Essas declarações de Bolsonaro agradam também o eleitorado evangélico, alvo do candidato à reeleição —o trio elétrico escolhido por ele para discursar no Rio foi o do pastor Silas Malafaia.

Amigos, amigos... Sem contar com a presença dos três poderes no desfile em Brasília, Bolsonaro dividiu espaço com comandantes das Forças Armadas e com o empresário Luciano Hang, dono da Havan e grande aliado, investigado pelo STF por causa de manifestações golpistas em um grupo de Whatsapp.

Como sempre, o candidato à reeleição agradou o agro, setor onde tem apoio:

Apesar de o país ter 33 milhões de pessoas com fome, Bolsonaro repetiu que o Brasil garante "a segurança alimentar de 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo".

Críticas a Lula. Depois de tentar amenizar os ataques em Brasília, sem citar instituições ou nomes de adversários, no Rio, Bolsonaro citou Lula diretamente. Ele criticou países como a Venezuela, Nicarágua e Argentina e disse que, em comum, todos são "amigos do quadrilheiro de nove dedos". Em seguida, subiu o tom e foi agressivo ao dizer que "esse tipo de gente" deve ser eliminado.

Esse tipo de gente tem que ser extirpado da vida pública. Eu peço a vocês que não tentem convencer um esquerdista, façam o contrário, fale para ele convencer você a ser esquerdista."
Bolsonaro no Rio

Nas últimas pesquisas, Bolsonaro se mantém em segundo lugar nas intenções de voto —levantamento do Datafolha divulgado na quinta-feira (1º) passada mostra o petista com 45% e o presidente com 32%.

Números. Essas pesquisas foram alvo durante a fala na capital federal. Bolsonaro chamou o Datafolha de "mentiroso". Levantamentos de outros seis institutos também mostram Lula à frente do atual presidente.

Nunca vi um mar tão grande aqui com essas cores verde e amarela, aqui não tem a mentirosa Datafolha, aqui é o nosso data povo aqui a verdade, aqui a vontade de um povo honesto, livre e trabalhador."
Bolsonaro em Brasília

'Cartinha'. O presidente ainda repetiu suas críticas sobre os manifestos organizados no mês passado em defesa do Estado Democrático de Direito.

Em evento organizado pela Faculdade de Direito da USP, conhecida como São Francisco, na região central de São Paulo, foram lidos textos em defesa da democracia. Até 11 de agosto, o documento reunia mais de 950 mil assinaturas.

O nosso governo respeita a carta da democracia, que é a nossa Constituição. O outro lado assina cartinha que não é a nossa Constituição."
Bolsonaro no Rio

No fim de julho, ele já havia se referido ao manifesto como "cartinha".

Nas quatro linhas da Constituição? Diferentemente do ano passado, Bolsonaro não fez ataques diretos ao STF e a seus ministros — em 2021, ele chamou o ministro Alexandre de Moraes de "canalha".

Entretanto hoje, no Rio, ele pediu para que seus eleitores esperassem a reeleição e disse que todos "sabem como funciona a Câmara dos Deputados, sabem como funciona o Senado Federal e sabem também como funciona o Supremo Tribunal Federal". Nesse momento, houve vaias do público.

Esperem uma reeleição para vocês verem se todos não vão jogar dentro das quatro linhas da Constituição."
Bolsonaro no Rio

Ao longo do dia, apoiadores de Bolsonaro apareceram nas manifestações com cartazes contra o STF —um deles, inclusive, mostrava um caixão com a foto de ministros do Supremo.

*Com reportagem da equipe UOL:

Em Brasília: Camila Turtelli, Eduardo Militão, Gabriela Vinhal, Hanrrikson de Andrade, Leonardo Martins e Letícia Casado.

No Rio de Janeiro: Felipe Pereira, Herculano Barreto Filho, Igor Mello, Lola Ferreira, Lucas Borges Teixeira e Ruben Berta.

Em São Paulo: Caê Vasconcelos, Isabela Aleixo, José Dacau, Juliana Arreguy, Letícia Mutchnik, Rafael Neves, Saulo Pereira Guimarães, Stella Borges e Wanderley Preite Sobrinho.