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Candidata do PL orienta fiscal a intimidar mesário e a não entregar celular

A candidata do PL a deputada federal Cleonice de Oliveira - Reprodução/Facebook
A candidata do PL a deputada federal Cleonice de Oliveira Imagem: Reprodução/Facebook

André Derviche e Thaís Magalhães-Manhães

Da revista Babel - Jornalismo USP

30/09/2022 04h00

No ruidoso 7 de Setembro bolsonarista na avenida Paulista, uma mulher de longos cabelos negros berrava no alto de um carro de som decorado com bandeiras do Brasil e uma faixa de apoio à reeleição. Microfone na mão, ela tinha um convite a fazer:

Precisamos de toda a ajuda de vocês. Temos crachás para sermos fiscais do dia de votação. Corre que está acabando"

Apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do candidato ao governo paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), Cleonice de Oliveira —"dra. Cléo", conforme o registro no TSE, uma alusão à atuação como dentista— é candidata a deputada federal pelo PL. No 7 de Setembro, ela buscava interessados em se voluntariar no esforço de fiscalização eleitoral que o partido deve fazer na eleição de 2 de outubro.

A credencial distribuída na Paulista tinha o símbolo do PL e podia ser preenchida com informações como nome, local de votação e assinatura. O formato está em desacordo com a lei que estabelece as normas das eleições: o artigo 39-A determina que, nos crachás usados nos trabalhos de votação, só poderá constar o nome do fiscal e a sigla do partido. A credencial do PL trazia, ainda, um número de WhatsApp da própria Cléo.

Procurado para se manifestar sobre a fiscalização das eleições, o PL não quis comentar o caso.

Sem identificação, a reportagem entrou em contato com a candidata simulando interesse no credenciamento. O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros admite a prática em "casos de incontestável interesse público".

Em conversa telefônica gravada, Cléo afirma que o plano é "intimidar mesários para [não] fazer besteira". As orientações giram em torno do celular no local de votação:

Ninguém pode pôr a mão no nosso celular, só a polícia. Nenhum mesário tem o poder de polícia para colocar a mão nos nossos celulares. É isso que você [fiscal] irá orientar para todo mundo. Se alguém [mesário] ousar a querer tirar o celular da mão das pessoas, você vai dizer que 'ele não tem poder para isso'."

Em outro trecho, a candidata se apresenta como a responsável pelo cadastramento de fiscais no estado de São Paulo e menciona a existência de uma "central de denúncias" organizada pelo PL. Segunda ela, trata-se de um número de telefone que cada fiscal poderia acionar no dia da eleição em caso de "alguma coisa estranha".

"Nós vamos fiscalizar e mandar gente para mandar socorro para vocês lá no colégio em que vocês estiverem", disse. Afirmando que a meta era colocar "dez fiscais em cada escola em todo Brasil", a militante do PL estimulou novas adesões: "Se você tiver mais gente aí, você pega, você já manda, porque eu te mando o crachá em pdf. A gente pode multiplicar esse crachá".

O que diz a lei

O uso do celular no momento da votação é proibido desde 2009. No caso das eleições de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ampliou a regra: agora, os aparelhos terão que ser entregues ao mesário antes de o eleitor entrar na cabine de votação, segundo a Resolução 23.708.

De acordo com a ex-procuradora do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) Silvana Batini, o mesário não terá o poder de retirar o celular do eleitor, mas ele poderá privá-lo de votar, caso haja recusa em entregar o aparelho. "Aí, se ele [usuário do celular] resolver partir para o confronto, o mesário vai chamar a polícia e levar essa pessoa por crime de desobediência", diz.

Para a advogada Carla Maria Nicolini, especialista em direito eleitoral, há ainda a hipótese de o presidente da mesa de cada seção eleitoral dar voz de prisão ao fiscal em caso de tumulto. "No período eleitoral, não pode haver prisão se não houver flagrante delito. Existem crimes eleitorais específicos, entre eles o embaraço de direito ao voto. O presidente de mesa pode atuar nesse sentido", afirma Carla.

A reportagem voltou a contatar Cléo na terça-feira (27) —desta vez, informando que se tratava de uma entrevista. Ao ser perguntada sobre a orientação de não entregar aparelhos aos mesários, a candidata apresentou uma nova versão. "Eu não oriento nada. O mesário não tem que pegar nada e ninguém tem que entregar nada. O meu [celular] ninguém vai pegar. [O que] eles [eleitores] não podem é expor os celulares na hora da votação."

A informação está em desacordo com o que estabelece o TSE. Na entrevista, Cléo argumentou que estava "mandando as pessoas desligarem os seus celulares e não fazer uso deles na hora da votação".

Sobre a existência da central de denúncias, Cléo afirmou na entrevista que "quem colocou foi o partido". Quanto à composição do grupo, disse que "nós temos policiais, advogados, nós temos muita gente".

Na entrevista, a candidata negou ser a única responsável pelos fiscais em São Paulo. "Eu sou responsável por aqueles que me procuram, mas têm outros candidatos que também têm os seus fiscais." Em entrevista, ela não revelou quantos crachás já foram distribuídos até o momento.

Os partidos políticos e as eleições

Aos partidos políticos permite-se por lei a fiscalização do processo eleitoral. "Partidos políticos, junto ao Ministério Público e a outros candidatos individualmente, podem acompanhar todo o processo de montagem das eleições", explica Silvana. Ainda consta na Resolução 23.673/21 do TSE, que outras 14 entidades podem participar deste processo, como por exemplo a OAB e a Polícia Federal.

A participação dos partidos políticos no processo eleitoral nunca ocupou protagonismo nas eleições. "Muitas vezes, houve uma baixa adesão desses partidos políticos, tamanha era a confiança no sistema [eleitoral], que sempre esteve aberto a essa participação."

O PL contratou a equipe do engenheiro Carlos Rocha, do Instituto Voto Legal, para auditar o sistema eleitoral de votação por R$ 225 mil. A quatro dias das eleições, o partido apresentou um relatório ao TSE questionando a segurança das urnas eletrônicas. Em resposta, o tribunal presidido pelo ministro Alexandre de Moraes contestou a auditoria e indicou que o documento cita "diversos elementos fraudulentos".

"Se este ano o PL está intensificando a participação nas eleições, me parece que é uma forma de responder ao movimento que o candidato majoritário do partido vem fazendo com relação a isso. Talvez seja um movimento para dar credibilidade ao discurso que contesta a confiança nas urnas", diz Silvana sobre os ataques que o presidente da República fez ao sistema eleitoral nos últimos meses.

A advogada Carla Nicolini complementa: "Estamos pressentindo que haverá problemas. Há um estímulo do próprio presidente da República, um ânimo de 'vamos tentar melar a eleição'. Mas eu acho que a Justiça Eleitoral tem um aparato bem preparado para conseguir deter esse tipo de coisa".

Na entrevista, Cléo defendeu a atuação do partido. "Do mesmo jeito que eles [TSE] não querem tumulto, a gente também não quer. A gente quer uma votação em paz. Eu não quero ser fraudada. A gente quer votar no 22 e sair a carinha do Bolsonaro lá bonitinho", afirma.