Disputa entre Damares e Flávia coloca bolsonarismo raiz à prova no DF
Na reta final da campanha eleitoral, um vídeo passou a circular em grupos de WhatsApp de Brasília contestando qualquer falsa impressão de que a disputa para o Senado pelo Distrito Federal corre em paz entre duas ex-ministras de Jair Bolsonaro (PL): Damares Alves (Republicanos) e Flávia Arruda (PL). Nos bastidores, circulam ataques pesados entre apoiadores das bolsonaristas, embora nenhuma das campanhas admita a autoria das bravatas.
A peça de cinco minutos, narrada por voz computadorizada, trata de descredibilizar a trajetória da deputada federal Flávia Arruda (PL) —que esteve por um ano no comando da Secretaria de Governo, entre 2021 e 2022— e exaltar o histórico da ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. "Bonitinha, mas ordinária" é como Flávia é apresentada de forma sexista no vídeo enquanto Damares figura como "mulher sofrida que superou as adversidades da vida".
A parlamentar vinha até então liderando as pesquisas de intenção para a única vaga no Senado do Distrito Federal. Nesta semana, no entanto, empatou com Damares.
A pesquisa Ipec divulgada na terça-feira (27) pela TV Globo revela que Flávia Arruda e Damares têm 28% das intenções de voto para o Senado cada uma. Na semana anterior, Flávia tinha 28% e Damares, 21%.
O vídeo —inclusive com ataques machistas à honra da mulher do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda— escancara os bastidores de rivalidade e intrigas entre as duas apoiadoras do governo Bolsonaro, e tenta colocar as candidatas em lugares opostos da ideologia conservadora.
A campanha de Damares chegou a divulgar uma nota negando qualquer responsabilidade sobre o vídeo e repudiando a peça. "A campanha ressalta que o marketing eleitoral de Damares Alves é conduzido com muita ética, responsabilidade e a candidata Damares Alves é uma pessoa honrada e digna que não promove ataque a honra das pessoas", diz a nota. A equipe de Flávia optou por não se pronunciar sobre as imagens.
Divergência. O episódio do vídeo é só mais um capítulo no conflito que se desenrola desde a pré-campanha, quando a indecisão sobre o futuro político de Damares já tirava o sono de muita gente, inclusive o de Flávia.
No começo do ano, a então ministra da Mulher chegou a ser cogitada como vice na chapa de Bolsonaro e também como candidata para o Senado ou Câmara em "seis estados" do país, disse Damares em fevereiro.
O Amapá era uma possibilidade, estado onde ela iria entrar em rota de colisão com o candidato à reeleição David Alcolumbre (União Brasil-AP), com quem o governo Bolsonaro contou com o apoio durante sua atuação na presidência do Senado e na da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa.
Damares mudou seu domicílio eleitoral para o Distrito Federal em abril deste ano e deixou em alerta os apoiadores de Flávia Arruda — inclusive, o presidente do partido desta, Valdermar da Costa Neto.
Palanque distrital. Um acordo teria sido costurado em uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto para decidir o palanque bolsonarista do Distrito Federal: Damares concorreria a deputada federal e deixaria o caminho livre para Flávia.
No entanto, Damares se filiou ao Republicanos e chegou a admitir a possibilidade de concorrer à Câmara, mas mudou de ideia dias depois. O encontro foi registrado em uma foto, que mostra Bolsonaro ao lado de Damares, Flávia Arruda, José Roberto Arruda e o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), candidato à reeleição.
"Eu quis concorrer ao Senado pelo Distrito Federal porque sempre morei aqui. Eu vou ganhar dessa vez, a Flávia ganha depois", disse Damares ao UOL nesta semana, otimista pelo seu crescimento mais recente nas pesquisas. "Eu sou a verdadeira representante dos conservadores."
Relação abalada. Apesar de terem trabalhado juntas na gestão Bolsonaro, Damares e Flávia nunca foram muito próximas. Segundo interlocutores, elas não conversaram ainda sobre a quebra de acordo a respeito da candidatura, mas, quando se encontram, em agendas concomitantes, mantêm uma relação cordial.
Ao UOL, Flávia disse que está "confiante com o trabalho que tem feito", principalmente por ter sido eleita deputada federal e pelo trabalho que faz pelo Distrito Federal. "Por toda a minha trajetória na política, por ter nascido aqui, morar aqui e viver aqui. Eu conheço as pessoas para quem eu falo nas ruas", pontuou.
A decisão de Damares não deixou apenas a deputada em uma saia justa. Fontes ouvidas pela reportagem afirmaram que Bolsonaro também teria ficado "desconfortável" e até "constrangido" com a quebra de acordo, apesar de ter ampliado seu palanque eleitoral na capital federal. Entre as candidaturas de duas aliadas, Bolsonaro evita escolher um só nome ao Distrito Federal, mesmo com o apoio formal à chapa de Ibaneis.
Bênção de Michelle. O presidente e Damares têm um elo em comum: a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, principal apoiadora da candidatura da ex-ministra. Presente nas propagandas de campanha de Damares, Michelle tem participado das agendas da ex-ministra da Mulher.
Na última sexta-feira (23), em um desses compromissos, a primeira-dama reforçou que sua candidata é Damares e que os seus candidatos são os mesmos de Bolsonaro.
"O meu voto e da minha família é de Damares Alves. E os meus candidatos são os candidatos do meu marido, Jair Messias Bolsonaro", afirmou Michelle. "Não mexam com ela. Se mexer com ela, você vai mexer comigo", completou. O vídeo do discurso de Michelle foi publicado nas redes sociais da Damares.
Nem lá nem cá. Enquanto as ex-ministras candidatas seguem na rivalidade velada, bolsonaristas ficam em cima do muro à espera do resultado das urnas. "Tanto faz. As duas são Bolsonaro", afirma um bolsonarista do Distrito Federal.
Nos palanques, Damares conseguiu arregimentar nomes importantes da região como a deputada Celina Leão (PP), candidata a vice na chapa de Ibaneis e um dos braços direitos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O "jogo duplo" de Celina também tem o aval de Ibaneis. Ao UOL, o governador do Distrito Federal afirmou que "não há problema algum, até toda a família Arruda sabe que a Damares tem nos apoiado".
"Eu me coloquei em uma posição muito tranquila de só estar nos eventos da Flávia, mas a Celina está liberada, ela tem lá a sua ligação com o pessoal", disse. O candidato à reeleição reforçou que ele fez um acordo político com a Flávia e afirmou que ambos têm cumprido o combinado.
Questionado sobre o crescimento da candidatura de Damares e a ameaça à Arruda, o candidato à reeleição ao governo do Distrito Federal disse que é "natural" que os números cresçam "até pelo apoio de Michelle Bolsonaro, mas eu acredito que as eleições ocorrerão da forma mais tranquila possível, as duas estão em uma disputa saudável, ainda não vi nenhum ataque".
Raio-X
Flávia Arruda
- ex-ministra da Secretaria de Governo (março de 2021 a março 2022)
- Deputada federal eleita com o maior número de votos (121.340) no Distrito Federal em 2018
- casada com o ex-governador do Distrito Federal José Arruda
Damares Alves
- ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos (2019 a março 2022)
- Pastora evangélica
- Ex-assessora parlamentar do ex-senador Magno Malta
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