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Mulher do Márcio, vice faz de conta de Haddad: Lúcia busca fugir de rótulos

Lu Alckmin, Geraldo Alckmin, Lúcia França e Fernando Haddad em Sumaré (SP) - 8.set.2022 - Diogo Zacarias/Divulgação
Lu Alckmin, Geraldo Alckmin, Lúcia França e Fernando Haddad em Sumaré (SP) Imagem: 8.set.2022 - Diogo Zacarias/Divulgação

Do UOL, em São Paulo

17/10/2022 04h00Atualizada em 18/10/2022 18h15

Docente, descendente de libaneses e na corrida pelo Palácio dos Bandeirantes. Não é Fernando Haddad (PT), mas, sim, Lúcia França (PSB), que, aos 60 anos —40 deles de militância—, disputa, pela primeira vez, um cargo político: o de vice-governadora de São Paulo.

De ex-primeira-dama, ela passou a ser candidata no dia 5 de agosto, quando o próprio Haddad divulgou no Twitter que Lúcia seria sua vice na chapa. A escolha decretou o ponto final em uma série de negociações entre PT e PSB, que incluíram a desistência do marido de Lúcia —o ex-governador Márcio França (PSB)— de se candidatar ao governo.

França ficou com a candidatura ao Senado, e o PSB pôde indicar o nome de uma vice para a chapa. Era consenso que uma mulher deveria ocupar o posto. E, diante da negativa de Marina Silva (Rede), para ser a vice, os partidos discutiam quem poderia se candidatar.

"Era hora de sair da zona de conforto. E uma chapa de dois professores? Não vou negar que é o sonho, para quem ama a educação, uma chapa de professores", relatou ela ao UOL Notícias na manhã de sexta (14), em seu comitê de campanha no bairro Jardim Paulista, zona oeste de São Paulo.

Professora, Lúcia trabalha com alfabetização e é dona de uma escola em Praia Grande. Acostumada a prender a atenção dos alunos, a "tia Lúcia", como é chamada pelos mais novos, gesticula, esfrega as mãos, fala com eloquência e faz várias pausas.

"Estou acostumada a falar por 45 minutos, que é o tempo de uma aula", alertou antes de conceder entrevista à reportagem.

A professora Lúcia França (PSB) não abre mão dos hábitos de educadora: caderno e caneta à mão - Juliana Arreguy/UOL - Juliana Arreguy/UOL
A professora Lúcia França (PSB) não abre mão dos hábitos de educadora: caderno e caneta à mão
Imagem: Juliana Arreguy/UOL

A desenvoltura para discursar surpreendeu alguns petistas da campanha de Haddad, que, no primeiro turno, viram um papel mais tímido da pessebista. Já no segundo turno, Lúcia tem se pronunciado de forma mais enérgica —e constante— em agendas do PT. A ideia é que ela siga uma agenda própria, sem a companhia de Haddad, para atrair novos votos, sobretudo de mulheres.

Eles vão ter que nos engolir, vão ter que disputar contra a voz da mulher. Aqui é a chapa da Janja, da dona Lu Alckmin, da Ana Estela e da Lúcia França
Lúcia França em 6/10 no Fórum da Democracia

Militante "desde criança", conta ter começado a atuação social na pastoral da paróquia que frequentava em São Vicente. Em 1982, fez campanha para o petista Renato Caruso (eleito vereador da cidade no mesmo ano). Esteve envolvida com comícios, panfletagem, Diretas Já e até em contabilidade de campanhas.

As maçãs não foram presente de alunos, mas estão na mesa da professora Lúcia porque são as frutas preferidas da pessebista - Juliana Arreguy/UOL - Juliana Arreguy/UOL
As maçãs não foram presente de alunos, mas estão na mesa da professora Lúcia porque são as frutas preferidas da pessebista
Imagem: Juliana Arreguy/UOL

Dois anos mais velha que Márcio França, não conheceu o marido na militância, mas, sim, no trabalho. Ela concorria a uma vaga de professora na escola da irmã de França, e foi o próprio quem viu o currículo e o mostrou à irmã ("E eu brinco que ele nem viu fotografia, hein?"). Meses depois de contratada, conheceu o pessebista pessoalmente. Namoro, casamento, dois filhos, dois netos e uma vida pública depois, é ela quem está em campanha.

Eu comecei a fazer política antes dele [Márcio França]. Até porque eu sou mais velha

Vice de Haddad e mulher de França, Lúcia não esconde que se incomoda em ser conhecida e reduzida ao papel da mulher de um político.

"Claro! [que incomoda]", responde. "Nenhum papel que desempenhei na vida foi para ser um papel de faz de conta", acrescenta, alfinetando questionamentos sobre o fato de ter sido indicada ao cargo de vice apenas pelo fato de ser a esposa de França.

Até quando uma mulher vai chegar aos 60 anos sendo empresária, concursada, aposentada, mãe de dois filhos, tendo um histórico que eu tive de vida e vai ser apresentada como a esposa de fulano?

Independência feminina é uma de suas bandeiras enquanto candidata a vice. Para ela, que sofreu com o alcoolismo do pai, é importante que a mulher possa ser provedora de si mesma.

"Eu não tenho esse discurso de que, se eu consegui, todo mundo consegue. A minha luta é para que nenhuma garota passe pelo que eu passei para precisar ter um curso superior e para poder ter voz nas coisas."

Por que agora? À reportagem, disse já ter declinado de outros convites para se candidatar pelo PSB. Não citou quais cargos, se para vereadora ou deputada, mas alegou nunca ter se visto afastada da escola que dirige. Agora, sentiu que era necessário fazer a sua parte para derrotar Jair Bolsonaro (PL) e o bolsonarismo em São Paulo, representado na figura do candidato apoiado pelo presidente, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Interessa menos a ela o fato de Tarcísio, nascido no Rio de Janeiro, não ser paulista. "São Paulo foi construído por um monte de gente que não era daqui, então não é isso o que me incomoda, mas, sim, o fato de ser uma pessoa que não tem vínculo nenhum com o estado, não tem projetos para o estado", observa.

"É uma vergonha não saber onde se vota", disse, em referência a uma gafe do candidato do Republicanos antes do primeiro turno.

O receio da professora é de que uma eventual eleição de Tarcísio, que terminou o primeiro turno à frente de Haddad, com 42,59% contra 35,46% dos votos válidos, represente um retrocesso para o estado.

"Tenho medo de não ter vacina, de ter um desmonte do pouco que sobrou da nossa educação, de não ter remédio na farmácia popular?", enumera.

Derrotado no Senado pelo ex-ministro Marcos Pontes (PL), o marido de Lúcia não tem feito muitas aparições públicas após o primeiro turno. Nos primeiros dias, conta, ele ficou mais recluso em casa: "É um processo de luto normal para qualquer ser humano".

Mas nesta última semana, acrescenta, ele passou a se dedicar ao que "ele faz de melhor, que é a estratégia" e tem ligado para prefeitos e costurado acordos para Haddad e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em São Paulo.

No dia da eleição, em 2 de outubro, Lúcia assistiu à apuração junto de Haddad em um hotel na região central da capital paulista. Ela esteve ao lado do petista após a divulgação dos resultados, mas foi ausência sentida no palanque de Lula, para onde Haddad se dirigiu logo depois.

"Nem lembro direito? Mas acho que fui fazer um pouco o papel de mulher, e dar um colo para o Márcio", diz.

Sou feminista, sempre fui. Mas acho que o feminismo não te tira de sonhar com uma relação saudável para você. Como é a minha com o Márcio