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Venezuelana visitada por Bolsonaro diz não querer ser usada politicamente

Camila Turtelli e Kleyton Amorim

Do UOL em Brasília

20/10/2022 04h00Atualizada em 20/10/2022 09h37

No Brasil há sete anos e bastante incomodada com a repercussão da ida do presidente Jair Bolsonaro (PL) a uma casa de venezuelanas em São Sebastião (região administrativa do Distrito Federal), uma das refugiadas que participou da visita, em 2021, diz não querer ser usada como "carne de canhão" nas brigas políticas.

A expressão, semelhante ao nosso "boi de piranha", indica algo sem valor a ser sacrificado para que outros não sofram danos.

O UOL conversou com ela um dia após a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) visitarem a dona da casa onde o evento ocorreu, amiga da entrevistada.

A reportagem falou com ela sobre as consequências da fala do presidente a um podcast sobre ter encontrado meninas vindas da Venezuela "arrumadas para ganhar a vida", insinuando exploração sexual de crianças e adolescentes. O que era uma mentira.

Na verdade, elas estavam fazendo uma tarde de beleza em uma ação social.

A entrevistada pediu para ter sua identidade preservada, com medo de retaliações, e, por esse motivo, será chamada aqui pelo nome fictício de Maria.

Estamos cansadas de ser 'carne de canhão' para coisas de campanha política. Por favor, parem"
Maria, venezuelana que está no Brasil há sete anos

Conversa com Bolsonaro. A venezuelana recebeu a equipe do UOL na casa de um amigo e relatou, em vídeo, detalhes desse dia (assista acima).

Maria contou que os venezuelanos presentes conversaram com Bolsonaro sobre economia, situação da Venezuela, comida e ainda pediram ajuda.

"Falamos também se havia algum plano para nós, que nós precisávamos de ajuda. Nós ali não falamos de prostituição e não foi nada disso", disse.

Nesse dia, uma cabeleireira e oito pessoas de sua equipe cortavam cabelo, faziam escova, prancha e babyliss em um grupo de mulheres venezuelanas.

Ela reforçou que não havia e não há nada relacionado à exploração infantil no local.

Aqui tem muita gente trabalhando. Trabalhando e buscando como se sustentar, mas nada de prostituição"
Maria

"Pintou um clima". Políticos da oposição aproveitaram a declaração de Bolsonaro para criticar o declaração do presidente de que "pintou um clima" e associá-lo à pedofilia. As falas de Bolsonaro também foram parar no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e o candidato à reeleição reviu algumas de suas estratégias de campanha nesta reta final da eleição.

A reportagem mostrou a Maria o vídeo que Bolsonaro gravou ao lado da primeira-dama Michelle Bolsonaro para as venezuelanas. "Se as minhas palavras, que, por má-fé, foram tiradas de contexto, de alguma forma foram mal entendidas ou provocaram algum constrangimento às nossas irmãs venezuelanas, peço desculpas", diz o candidato à reeleição.

Maria não demonstrou ressentimentos com o presidente. Para ela, ele não fez uma relação direta entre as venezuelanas e a exploração sexual infantil.

A reportagem mostrou, então, a ela a conversa de Bolsonaro, no mês passado, no Podcast Collab, com influenciadores evangélicos, em que mais uma vez ele relata a visita de São Sebastião. Neste vídeo, ele é mais explícito em relação ao que supôs ser a ocupação de mulheres e meninas de "14, 15 anos" que encontrou na residência.

Bolsonaro disse que chegou a essa conclusão porque estavam "todas muito bem arrumadas, estavam fazendo o cabelo". Questionou: "Estavam se arrumando para quê? Alguém tem ideia? Quer que eu fale? Não vou falar". Quando um dos entrevistadores disse "para fazer programa", Bolsonaro confirmou. "Pra fazer programa. Vocês acham que elas queriam fazer isso? Qual era a fonte de sobrevivência delas?"

Ao ver as imagens, Maria primeiro deu um suspiro. Depois, respondeu: "Tá bom, eu não tenho problema. Cada um vê como quer. O que eu disse é que estão nos usando como bucha de canhão para as publicidades deles [em referência ao PT], e eu não quero falar mais nada. Para quê? O que eu vou falar?"

Críticas a Maduro. À reportagem, a entrevistada fez críticas ao governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

"Vim da Venezuela fugindo de um regime ditatorial, da revolução, da pobreza e da miséria. Lá eu tinha tudo do melhor, até que, em uma manhã, me vi pegando latinhas no Brasil para poder sobreviver e sustentar minha família. E não é fácil, né?", disse.

Comunidade incomodada. Em São Sebastião, há opiniões diferentes entre os integrantes da comunidade do país vizinho sobre a atitude do candidato à reeleição.

Apesar das divergências, boa parte dos refugiados está incomodada e assustada com a repercussão criada após falas do presidente.

Para alguns venezuelanos com os quais a reportagem conversou, Bolsonaro teria se "queimado" com os refugiados. Venezuelanas ouvidas disseram ter tido problemas durante a semana para prestar serviços, por terem sido acusadas de prostituição.

Na segunda-feira (17), a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a ex-ministra Damares Alves se encontraram com duas venezuelanas ligadas à família visitada por Bolsonaro.

O encontro ocorreu no Lago Sul, área nobre de Brasília, e foi viabilizado por integrantes da Presidência da República e de representante no Brasil do líder oposicionista Juan Guaidó.

A equipe da primeira-dama foi quem ofereceu o encontro, segundo relatos de pessoas envolvidas. O plano inicial era que a conversa tivesse ocorrido na noite de domingo (16), em São Sebastião (DF).