Jantar marca virada de jogo de Bolsonaro no lugar em que foi alvo de Doria
Sede do governo de São Paulo, o Palácio dos Bandeirantes abrigou mais de 250 entrevistas coletivas sobre o enfrentamento à pandemia. Na noite de ontem (20), o mesmo espaço recebeu o presidente Jair Bolsonaro (PL), que chamou a covid-19 de "gripezinha" e as pessoas que queriam se vacinar de "maricas".
Bolsonaro entrou pelo hall nobre pisando em tapete vermelho e ciceroneado pelo governador do estado, Rodrigo Garcia (PSDB). O tucano fez questão de parar e exibir aos fotógrafos a camisa da seleção brasileira que ganhou do presidente. Ela tinha o número 22, o mesmo de Bolsonaro na urna.
Na sequência, ambos entraram para a ala residencial e comeram macarrão feito a mão pelos cozinheiros do palácio. O jantar é carregado de simbolismo. Ao mergulhar nas entranhas da sede do governo paulista, o presidente tomava posse do prédio que serviu de quartel-general contra a forma como o governo federal gerenciou a crise sanitária.
Até a criação da CPI da Covid, as maiores críticas a Bolsonaro partiram das entrevistas organizadas pelo então governador João Doria (sem partido). Rodrigo Garcia, que ontem subiu no palanque do presidente para reafirmar "apoio incondicional" ao presidente, era o vice-governador.
O alinhamento é tamanho que o atual governador surgiu no hall nobre acompanhado de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deputado federal e filho do presidente. Ao redor deles, assessores que na pandemia corriam para montar gráficos com curvas de mortes e infectados pela covid-19, agora conferiam os preparativos para a chegada do presidente.
Choque dos especialistas que enfrentaram a pandemia. No começo da pandemia, Doria convidou médicos, pesquisadores e cientistas que estão entre as maiores autoridades em infectologia e saúde pública do país a integrarem o Centro de Contingência do Coronavírus. Trabalhando de graça, eles se juntaram a secretários de Estado para criar protocolos de tratamento contra a covid-19 e de combate à transmissão do vírus.
Três destes profissionais conversaram com o UOL em caráter de anonimato e se disseram chocados e decepcionados com Bolsonaro sendo recebido no Palácio dos Bandeirantes, onde eram feitas as reuniões para combater a pandemia. O desgosto aumentava porque o presidente reprovava o trabalho deles durante a crise sanitária e continua a fazer críticas nos seus comícios de campanha.
O primeiro integrante a se manifestar falou que o atual governador "jogou no lixo" o trabalho de quase três anos ao se aliar a negacionistas responsáveis por milhares de mortes evitáveis.
Outro especialista que trabalhou no Centro de Contingência declarou que Rodrigo abrir as portas ao presidente era um desrespeito com familiares que perderam parentes e com pessoas que ficaram com sequelas. Ele acrescentou que ontem foi um dia triste porque o negacionismo venceu.
Uma integrante do esforço de enfrentamento à pandemia contou ter dificuldades em organizar os pensamentos —porque receber Bolsonaro era como se as vidas perdidas e as pessoas famintas nas ruas não tivessem significado. Ela acrescentou que a política se apequena a cada dia e deixa de ser um serviço. Sobre os políticos, afirmou que eles vendem suas almas.
Guinada ao bolsonarismo. O hall nobre, que ontem tinha tapete vermelho para Bolsonaro, viu Doria encolerizado em 15 de janeiro do ano passado. Nesta data, brasileiros morriam sufocados por causa da falta de oxigênio nos hospitais de Manaus: "Inacreditável. Inacreditável", gritou o ex-governador ao microfone na ocasião.
Doria deixou o cargo para tentar ser candidato a presidente. Rodrigo Garcia assumiu em 1º de abril e mudou drasticamente o rumo do governo em cinco meses e 20 dias. Ele tentou se reeleger e não passou para o segundo turno.
Passadas 48 horas da apuração dos votos, Rodrigo se reuniu com Bolsonaro no Aeroporto de Congonhas, zona sul da capital paulista, e anunciou "apoio incondicional" à reeleição do presidente. A aliança também incluiu Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato do governo federal a governador de São Paulo —que foi para o segundo turno contra o petista Fernando Haddad.
Evitando perguntas incômodas. A atitude irritou muitos tucanos. Um exemplo deste distanciamento de Rodrigo com o partido e com as práticas empregadas na pandemia é que Doria se desfiliou no dia seguinte a ser veiculado na imprensa que o presidente jantaria no Palácio dos Bandeirantes ontem.
Nada que mudasse o ímpeto do atual governador. Ontem à tarde, ele subiu no palanque com Bolsonaro e reafirmou seu apoio incondicional. Justificou que sempre foi contra o PT. À noite, depois de jantar com o presidente, Rodrigo não falou com a imprensa ao levar o convidado até o carro.
Na volta, cruzou o salão com as mãos ocupadas. Não segurava mais a camisa do Brasil com o número de Bolsonaro, mas o celular como se estivesse ao telefone. Diferente do que acontecia nas coletivas que participava com Doria, Rodrigo não falou com jornalistas para explicar à população suas decisões.
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