Ex-presidente Sarney declara voto em Lula e critica orçamento secreto
O ex-presidente José Sarney (MDB) declarou voto no candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem compara a líderes totalitários ou de extrema-direita, como Donald Trump (EUA), Viktor Orbán (Hungria) e Vladimir Putin (Rússia).
Em carta aberta, o emedebista criticou ainda o chamado orçamento secreto, um dos principais mecanismos para o governo aprovar pautas no Congresso Nacional. A medida foi amplamente explorada pela campanha do petista ao abordar supostos casos de corrupção no atual governo.
"O atual contrato 'secreto' entre o Executivo e o Legislativo, fixado em valores agigantados diante dos parcos recursos do Orçamento da República, é campo privilegiado para os interesses escusos. A minoria, esmagada de uma forma que não se via desde o princípio do Império —lembro que nos períodos de exceção não há maioria ou minoria—, tem como única defesa apelar para que o Judiciário faça o que não é sua função e interfira no funcionamento do Congresso Nacional", escreveu Sarney.
A manifestação ocorre num momento em que as campanhas de Lula e Bolsonaro correm contra o tempo para se aproximar de governadores, economistas e artistas para tentar conquistar o voto de eleitores indecisos.
Entre os ex-presidentes vivos, só Michel Temer (MDB) decidiu adotar neutralidade na disputa. Após circularem relatos de que ele poderia apoiar a reeleição do candidato do PL, o emedebista disse que aplaudirá a "candidatura que defender a democracia, cumprir rigorosamente a Constituição, promover a pacificação, mantiver as reformas já realizadas no meu governo e propuser ao Congresso Nacional as reformas que já estão na agenda do país".
Dilma Rousseff (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) declararam apoio ao petista, e Fernando Collor de Mello (PTB) apoia publicamente o atual mandatário.
O que diz José Sarney sobre Lula e Bolsonaro
"Quando, em janeiro de 1985, Tancredo Neves e eu fomos eleitos por um grande acordo da sociedade, tínhamos muito claro um compromisso: a transição para a democracia. A partir da eleição é que, no espaço cedido pela Fundação Getúlio Vargas, começou-se a detalhar números e tarefas. Antes de janeiro a tarefa não apenas era impossível por não dispormos dos dados reais sobre o funcionamento do governo, mas sobretudo porque a dimensão do que se decidiria na eleição era política e institucional, num nível superior de decisão: estava em jogo o Estado Democrático de Direito, o futuro da Nação.
Estamos, neste momento, numa situação que tem desafios semelhantes. Disfunções dos Poderes aconteceram de tempos em tempos, mas raras vezes se viu o ataque sistemático do Executivo contra o Judiciário. Ora, guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal se transformou, ao longo das gerações, no ponto de equilíbrio do nosso sistema político. O desacato de Floriano Peixoto, nos primeiros dias da República; a intervenção de Getúlio Vargas, acompanhando os Estados concentracionários europeus; o regime militar, manipulando sua composição para controlá-lo, foram momentos breves, registros inglórios de tempos sombrios. A partir da transição democrática, a Corte Suprema consolidou-se como o mais importante símbolo do Estado brasileiro, por caber-lhe sobretudo a defesa daquilo que nossa Constituição tem de melhor: a garantia dos direitos — individuais, coletivos, difusos, sociais.
O atual contrato "secreto" entre o Executivo e o Legislativo, fixado em valores agigantados diante dos parcos recursos do Orçamento da República, é campo privilegiado para os interesses escusos. A minoria, esmagada de uma forma que não se via desde o princípio do Império — lembro que nos períodos de exceção não há maioria ou minoria —, tem como única defesa apelar para que o Judiciário faça o que não é sua função e interfira no funcionamento do Congresso Nacional.
Um aspecto tenebroso dos movimentos políticos é sua globalização. Desde a Antiguidade as estruturas das nações assumem formas paralelas. Um exemplo é a proximidade das figuras de Trump, Orbán, Putin, Bolsonaro. Uma de suas marcas é a proliferação das fake news. Outras a xenofobia, o racismo, a divisão da sociedade. Assim se hostiliza, agora, os nordestinos, os pobres, como se fossem brasileiros inferiores. Isso atenta contra todos os princípios democráticos e até éticos. É a guerra contra a democracia, o demos, o povo.
No próximo domingo, o eleitor decidirá se vota pelo fim da democracia ou por sua restauração. Esse voto não é para quatro anos de governo: é um voto para o destino do Brasil. O voto em Bolsonaro é voto contra as instituições, que terá como consequência anos de autocracia, um regime de força, construído na mentira sistemática e no abuso do poder. O voto em Lula — que já tem seu lugar na História do Brasil como quem levou o povo ao poder e como responsável por dois excelentes governos — é voto pela democracia, pela volta ao regime de alternância de poder, pela busca do Estado de Bem-Estar Social. A diferença é clara.
No mesmo espírito dos que construíram em torno de Tancredo Neves a Aliança Democrática, reunindo um amplo espectro de homens públicos, agora congregamos em torno do Presidente Lula os homens de maior responsabilidade do País para formar uma nova união pela democracia. É a esperança que nos convoca."
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