Com Lula dono do norte em MG, Bolsonaro busca 854 mil votos de Zema
Desde a eleição presidencial de 1989, a primeira desde a redemocratização, Minas Gerais tem sido um espelho do Brasil. Em todos os pleitos, o presidenciável mais votado pelos mineiros foi o vencedor da disputa nacional. E é pensando nisso que as campanhas do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm focado suas agendas no estado neste segundo turno —principalmente Bolsonaro.
O candidato do PL tenta conquistar 854 mil eleitores que, no primeiro turno, votaram no governador Romeu Zema (Novo), reeleito em primeiro turno, mas não nele. Zema anunciou apoio a Bolsonaro no segundo turno —e inclusive deu dicas para o presidente buscar votos no território mineiro.
Para buscar o voto "Luzema", contudo, Bolsonaro enfrenta a resistência da ação de Lula, que tem visitado as regiões onde venceu o rival com mais folga no início de outubro.
Segundo maior colégio eleitoral do país, o estado tem recebido agendas das campanhas petista e bolsonarista na capital e no interior do estado em busca de apoio.
Por que Minas Gerais é espelho do Brasil? A explicação de especialistas para o fenômeno é o fato de Minas retratar, em boa parte, a diversidade regional do país.
Há no estado áreas que, devido à proximidade geográfica, sofrem influência dos vizinhos: enquanto o norte do estado, que faz divisa com a Bahia, deu vantagem a Lula no primeiro turno, Bolsonaro foi mais votado no sul, que é vizinho do interior de São Paulo.
Minas Gerais é um enclave territorial, sem saída para o mar, e é fronteiriço com todas as grandes regiões do Brasil. Portanto, acaba sendo afetado por todos os fluxos geoeconômicos e geopolíticos do país. E isso influencia no voto
Cientista político Dawisson Belém Lopes, professor da UFMG
Como Minas votou no primeiro turno? Segundo maior colégio eleitoral do país, o estado foi o único estado do Sudeste em que Lula ficou à frente de Bolsonaro no primeiro turno. O petista teve 48,29% dos votos válidos, contra 43,60% do candidato do PL.
Para confirmar que Minas é um espelho do Brasil, a votação em primeiro turno é um exemplo. Lula venceu por 48,43% contra 43,20% considerando os votos em todo o país.
Lula totalizou 5.802.571 votos em Minas, uma vantagem de cerca de 563 mil sobre Bolsonaro, que somou 5.239.264. Como efeito de comparação, Zema somou 6.094.136 votos na eleição para o governo estadual, que venceu em primeiro turno.
Ou seja, para "virar" Zema, Bolsonaro precisa dos votos de quem escolheu o governador e Lula, outro candidato a presidente que não Bolsonaro ou ficou sem escolher alguém para o Planalto no primeiro turno. Essa diferença é de 854 mil votos.
Como foi a votação em MG?
O UOL Notícias analisou a disputa presidencial nas 13 regiões do estado, conforme a classificação mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), adotada em 2017. No primeiro turno, Lula venceu em sete regiões enquanto Bolsonaro ficou à frente em seis.
As maiores vitórias do petista foram no norte do estado, nas regiões de Montes Claros e Teófilo Otoni, e na região de Juiz de Fora, conhecida como Zona da Mata. Em todas, a vantagem de Lula foi superior a 200 mil votos. Juntas, estas áreas congregam 318 municípios, e Lula foi mais votado que Bolsonaro em 306 deles.
O atual presidente, por sua vez, levou a melhor especialmente no sul e no oeste de Minas. As maiores vantagens de Bolsonaro foram nas regiões de Pouso Alegre (103 mil votos a mais que Lula), Divinópolis (81 mil) e Varginha (39 mil).
Em outros locais, a disputa no primeiro turno foi mais acirrada. É o caso do Triângulo Mineiro: Lula teve 10 mil votos a mais que Bolsonaro na região de Uberlândia, enquanto o candidato do PL superou o petista em 2,8 mil votos na região de Uberaba.
Outra votação parelha foi na região de Belo Horizonte, que abrange a capital e mais 73 municípios. A eleição nessa região, que tem mais de 3 milhões de eleitores, terminou com Lula e Bolsonaro separados por 32 mil votos.
Como está a disputa entre Lula e Bolsonaro? Um dos maiores redutos do eleitor 'Luzema' —de Lula e Zema— é na região de Juiz de Fora, no sudoeste do estado, onde Lula teve 246 mil votos a mais que Bolsonaro. Próxima do Rio de Janeiro, a área abrange 146 municípios e o petista venceu em 136 deles.
A cidade de Juiz de Fora, onde Bolsonaro foi esfaqueado em 2018, foi visitada pelos dois presidenciáveis na semana passada. O atual presidente foi ao município na última terça (18), acompanhado de Zema e de políticos da região. Lula esteve lá quatro dias depois, no sábado (22), ao lado da senadora Simone Tebet (MDB-MS) e da prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão (PT-MG).
"A Zona da Mata, a região de Juiz de Fora, é com certeza uma área de disputa. Em tese, é uma área onde o Bolsonaro pode buscar votos, mas é difícil dizer se ele tem muita margem porque o Lula também tem dado atenção para essa região. O Bolsonaro não está jogando solto lá", avalia o cientista político Dawisson Belém Lopes, da UFMG.
Para os analistas, Bolsonaro também tem potencial de crescimento no sul de Minas e no Triângulo Mineiro, que deram resultados apertados ou mostraram o candidato do PL à frente já no primeiro turno. Essas regiões, segundo os especialistas, sofrem influência do interior de São Paulo e da região Centro-Oeste do país, mais bolsonaristas.
"No Triângulo a dinâmica é parecida com a de Mato Grosso ou de Goiás. Quando você olha mais pro sul do estado, já é algo semelhante ao interior de São Paulo, ao Paraná", explica Cristiano Rodrigues, professor de Ciência Política da UFMG.
Até que ponto Zema ajuda Bolsonaro? Para os cientistas políticos, o peso de Zema sobre a disputa presidencial é considerável, mas tem efeitos limitados. Com o eleitorado espalhado por 853 municípios, o governador tem acesso facilitado a centenas de prefeitos e vereadores. A figura dele, no entanto, pode não ser suficiente para convencer o eleitor.
"Creio que uma parcela do eleitor continuará votando no Lula a despeito de estar votando no Zema. Porque o Zema, por mais bem votado que tenha sido, não é necessariamente um bom cabo eleitoral. A transferência de votos não é automática", avalia Rodrigues.
Lopes também vê obstáculos para Bolsonaro. "Não me parece que o Zema seja um tipo carismático, puxador de votos. Ele foi eleito muito por força da engenharia institucional, onde a política municipalista resolveu o jogo. Mas o Bolsonaro é uma figura política muito maior. Se alguém tiver de convencer o eleitor de Minas, é ele", diz.
Para o cientista político, o voto "Luzema" é explicado por um comportamento típico do eleitor mineiro: o voto para governador nem sempre é ideologicamente coerente com o nacional. Durante os governos federais do PT, o estado elegeu para governador os então oposicionistas Aécio Neves (PSDB), em 2002 e 2006, e Antonio Anastasia (PSDB) em 2010.
"O eleitor mineiro vota, com certa frequência, de forma descasada ideologicamente. Ele não costuma comprar o pacote completo, e hierarquiza suas opções em raias diferentes, que não se confundem", diz.
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