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Petistas fazem carreata em cidade de venezuelanas ofendidas por Bolsonaro

Wouvérbio, eleitor de Bolsonaro, e Guimarães, eleitor de Lula, mantêm a amizade de dez anos em São Sebastião - Eduardo Militão/UOL
Wouvérbio, eleitor de Bolsonaro, e Guimarães, eleitor de Lula, mantêm a amizade de dez anos em São Sebastião Imagem: Eduardo Militão/UOL

Do UOL, em Brasília

29/10/2022 17h48Atualizada em 29/10/2022 17h53

Na véspera do segundo turno, petistas fizeram uma carreata nas ruas de São Sebastião, cidade-satélite do Distrito Federal que ficou conhecida nas últimas semanas por abrigar as venezuelanas ofendidas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

A reportagem do UOL esteve na região administrativa na manhã deste sábado (29) e encontrou um clima amistoso entre simpatizantes de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente e candidato à reeleição.

A carreata do PT passou ao lado de um conjunto de botequins mais perto do centro. Enquanto os petistas passavam fazendo o "L" e gritando o nome de Lula, um motorista de um Fusca azul gritava "É Bolsonaro!", exibindo o adesivo do candidato do PL no para-brisa traseiro.

Dentro de um dos botequins havia gente gritando "Bolsonaro" e "Lula" para a carreata. Todos estavam rindo. O UOL não ouviu nenhum palavrão ou hostilidade entre eles.

Amigos e adversários se cumprimentam. Os comerciantes Marcelo Guimarães, 51 anos, e Wouvérbio Costa Santos, 46 anos, se encontraram hoje. "E aí meu amigo? Você tá nessa carreata aí do PT", saudou Wouvérbio.

De posições ideológicas opostas, eles posaram para uma foto apertando as mãos diante da reportagem. São amigos há mais de dez anos.

Dono de um restaurante e corretor de imóveis, Guimarães votará em Lula: "Ele tem uma luta contra a pobreza". Dono de um depósito de gás, Wouvérbio apoia Bolsonaro: "Sou a favor da liberdade".

Guimarães já foi candidato a distrital pelo PROS na região, mas perdeu. Com uma bandeira do PT na caminhonete, ele provoca um morador com uma faixa de Bolsonaro buzinando: "É o Francimar (risos). Eu conheço todo mundo aqui. Moro desde 1989."

Wouvérbio disse que hoje era o dia de os petistas se manifestarem. No entanto, ele não concorda com a defesa que eles fazem da democracia. "Eles não respeitam a liberdade dos outros. Nessa questão, ele não é tão democrático", explicou o comerciante do depósito de gás.

Wouvérbio é contra a atitude de alguns militantes de Bolsonaro que gritam o nome do político na cara dos adversários. "Hoje é o dia da passeata deles. Eu não nada que me preocupar aqui querendo agredir eles, não é isso?", afirma o dono do depósito.

Guimarães prefere Lula por causa do trabalho com "as classes de base".

Ele matou a fome de muita gente"
Marcelo Guimarães, eleitor de Lula

No entanto, ele vê a corrupção generalizada no Brasil, inclusive em escolas e bancos. "Não tem como mudar. Para ir para frente, temos que esperar muitas décadas para acabar com essa corrupção", afirmou o dono do restaurante enquanto dirigia seu carro até o carro de som do PT.

29.out.2022 - Os amigos Wouvérbio, bolsonarista, e Guimarães, lulista - Eduardo Militão/UOL - Eduardo Militão/UOL
Amizade de bolsonarista e lulista permanece em São Sebastião
Imagem: Eduardo Militão/UOL

Comentário sobre venezuelanas. No Morro da Cruz, o bairro que Bolsonaro visitou em 2021 e encontrou mulheres venezuelanas, o movimento partidário era menor.

A reportagem presenciou um homem guiando um pequeno trator com uma bandeira de Lula e um carro com adesivo de Bolsonaro sobre o asfalto sujo com muita poeira. Ao redor ali, há muitas ruas sem pavimentação.

Em 2022, Bolsonaro deu duas entrevistas analisando o que viu no Morro da Cruz. Numa delas, disse que as venezuelanas trabalhavam de "fazer programa" e "ganhar a vida". Na verdade, não havia prostituição alguma: era um projeto social. Bolsonaro teve que pedir desculpas em 18 de outubro.

29.out.2022 - Os bolsonaristas Abidias e Nazareno em São Sebastião  - Eduardo Militão/UOL - Eduardo Militão/UOL
Abdias e Nazareno são bolsonaristas, mas só Abdias crê em vitória
Imagem: Eduardo Militão/UOL

Uma vendedora de açaí que trabalha por lá disse ao UOL que as falas de Bolsonaro foram o assunto mais comentados nos grupos de aplicativos de mensagens das amigas nos últimos dias. "É uma coisa aqui de São Sebastião", justificou ela. "Ele perdeu alguns votos com isso", disse a mulher.

Um trio de amigos bolsonaristas logo ao lado divergiu dela. Para eles, o episódio mostrou a "coragem" de Bolsonaro de visitar o Morro da Cruz, uma região pobre de São Sebastião. "Fui o único que teve coragem de visitar o Morro da Cruz", afirmou o técnico em segurança Adalto Francisco Carvalho", 60 anos.

Se perguntar ao Lula onde é São Sebastião, ele não sabe onde é"
Adalto Carvalho, eleitor de Bolsonaro

"É, tomou café dentro da casa dos venezuelanos", completou Johnson Rodrigues Alves, serralheiro de 34 anos.

De acordo com o Governo do Distrito Federal (GDF), São Sebastião tem 119 mil habitantes e faz parte do grupo de regiões administrativas de renda baixa. A renda domiciliar média é de R$ 2.649 por mês, pouco mais de dois salários mínimos, de acordo com pesquisa da Codeplan (Companhia de Planejamento do Distrito Federal).

São Sebastião possui cerca de 500 imigrantes refugiados da Venezuela, segundo o pastor Márcio Oliveira, da Assembleia de Deus, disse ao UOL.

Junto com a Cáritas, uma ONG da igreja católica que abriga indígenas venezuelanos, o pastor e outros voluntários da cidade e do Plano Piloto de Brasília integram uma rede de apoio para quem precisa reconstruir a vida ao chegar ao Brasil.

Márcio Oliveira disse à reportagem que não existe prostituição ou prostituição infantil praticada por venezuelanos em São Sebastião.

Trator com bandeira de Lula no Morro da Cruz

29.out.2022 - Trator exibe bandeira de Lula no Morro da Cruz - Eduardo Militão/UOL - Eduardo Militão/UOL
Trator com bandeira de Lula no Morro da Cruz
Imagem: Eduardo Militão/UOL

Renda caiu, reclamam vendedores. Na frente da Cáritas, dois comerciantes dividem o espaço vendendo melancias, laranjas, bandeiras, ao lado de uma kombi branca. Eles divergem sobre o resultado da final da Copa Libertadores da América, entre Flamengo e Athlético Paranaense. E também discordam dos rumos que as eleições devem tomar.

O vendedor de frutas Ricardo Rogério Arruda, 43 anos, vê o Brasil em uma situação ruim. "O Brasil está uma porcaria. Ninguém tem dinheiro, nem nada", reclamou. Ele vê Lula e Bolsonaro envolvidos em corrupção, mas prefere Lula porque, "ladrão por ladrão, ele merece". "Foi um bom presidente", disse. Botafoguense, ele acredita que o Atlético vencerá o Flamengo.

Seu filho, o flamenguista Wallison Faria Arruda, 18 anos, acredita que o Flamengo será campeão hoje. E faz as contas. Em 2019, o pai e o filho vendiam 25 melancias por dia, lucrando até R$ 13 com cada uma. Hoje, vendem, "num dia ótimo", 20 delas. E o lucro é de apenas R$ 5 por unidade.

Ele discorda do pai na raiz do problema da crise financeira. "A gente teve uma pandemia, né?", lembrou Wallison. Os dois vendem laranjas numa pequena kombi branca.

"Acho que o Bolsonaro deveria ganhar", continuou. Mas ele pretende votar em branco. "Não sei se vou fazer a decisão certa", justificou.

Artesão dividido. Ao lado dos vendedores de frutas, trabalha o artesão vascaíno Nazareno Vicente da Silva, 65 anos. Ele vende dominós, jogos de dama e bandeiras. Eleitor de Jair Bolsonaro, ele não comercializa bandeiras de Lula ou do PT. No sábado, vendeu cerca de dez do Brasil, dez do Flamengo e dez de Bolsonaro. Cada uma saiu por R$ 5.

Seu Nazareno vendeu três bandeiras, uma de cada tipo, para o piscineiro bolsonarista Abdias Mendonça, 30 anos. O cliente crê na reeleição do presidente. "A maioria das pessoas que já votou no Lula... Boa parte das pessoas, que mudaram para Bolsonaro, cansou de corrupção", avaliou Mendonça.

"Na pandemia, eles conseguiram segurar. Não teve corrupção, isso..."
Adbias Mendonça, eleitor de Bolsonaro

Nazareno concorda. Mas entende que é Lula que vai ganhar, para sua tristeza. "Infelizmente, eu acho que dá Lula. O melhor é Bolsonaro."

"Quem for melhor vai vencer", diz petista. Enquanto a carreata passava por um semáforo, o motorista Elói Pereira Neto, 64 anos, ajudava um amigo a vender frutas numa praça. De boné do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ele usava adesivos de Lula pelo corpo.

Acho que a maioria aqui em São Sebastião é do Lula. Vamos ver amanhã. O Lula está forte"
Elói Pereira, eleitor de Lula

"Os eleitores vão decidir. Quem for melhor, vai vencer", concluiu.

Bolsonaro venceu na região no 1° turno. No primeiro turno, a zona eleitoral que compreende São Sebastião, Lago Sul e Jardim Botânico deu vitória a Bolsonaro. O candidato do PL teve 49% dos votos. O petista, 39%.