Fechadas com Bolsonaro, cidades de SC não têm candidatos de esquerda
A Bíblia no balcão dos comércios revela os valores de Timbé do Sul (SC). Os tratores nas ruas demonstram que a economia de Turvo (SC) depende do agro. São características tão bolsonaristas que a direita vai ganhar de WO na eleição deste ano: já que a esquerda não lançou nenhum candidato nestas cidades.
O que aconteceu
Estes dois municípios em que os partidos que vestem vermelho estão fora das urnas ficam próximos da divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul. Vizinhos, são ligados por uma estrada espremida entre lavouras de arroz irrigado.
Caminhões com a mensagem "carga viva" escrita na lataria e adesivos exaltando Jesus levam pintinhos para as granjas. Trocam recém-nascidos por frangos adultos que terminaram o ciclo de morte. Farão sua viagem derradeira até a unidade da JBS da região. A fábrica entrega duas coisas aos municípios do extremo sul catarinense: desenvolvimento econômico e um ar que fede a gordura queimada.
O agronegócio proporciona sossego à população. Os carros são estacionados com vidros abertos e as pessoas moram em casas de muro baixo. É este estilo de vida que Cibeli Borges, 41, teme perder se a esquerda administrar Timbé do Sul.
Ela conta que se arrepia de medo porque pessoas carregando 40 gramas de maconha não são criminosas para o PT. Ela afirma isso sobre o partido, mas foi o STF (Supremo Tribunal Federal) que determinou essa quantidade de droga para definir se uma pessoa é usuária ou traficante. Dona de uma padaria no centro de Timbé do Sul, tem medo de o tráfico e as facções chegarem à cidade levando consigo seus efeitos colaterais: violência e uma "cracolândia".
Determinada a "fazer a sua parte" contra a "ameaça comunista", não permite que candidatos com "o 13 no peito" entrem em sua casa ou na padaria para pedir voto. A comerciante está aliviada porque neste ano a esquerda desistiu de tentar.
Toniel Boita, 36, até aceita perder negócios para enfrentar o PT. O vendedor de frutas trabalha com uma camiseta verde-amarela com um trator estampado e vive de comércio nas cidades catarinenses.
Na eleição presidencial, colou um adesivo com o número 22 no carrinho e se recusava a vender em caso de o cliente reclamar de Jair Bolsonaro (PL). Nunca houve queixa em Timbé do Sul ou Turvo, mas a situação era diferente quando montava barraca em Florianópolis, cidade maior e mais diversa.
Toniel bateu muita boca com gente que se aproximou para perguntar o preço da caixa de morangos. Ele não se arrepende de ter perdido dinheiro. Diz que pior é ter "ladrão de estimação" ou "defender o aborto".
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Quero receberTimbé do Sul e Turvo não são casos isolados. Há 76 cidades em Santa Catarina que não têm nenhum candidato da esquerda concorrendo a prefeito, vice-prefeito e vereador. O número representa 26% dos municípios. Ou seja, a esquerda desistiu da disputa em uma a cada quatro cidades do estado.
No Brasil, existem 846 municípios sem candidaturas da esquerda. Isto significa que o vermelho está fora da urna em 15% das cidades do país. As pesquisas apontam chance de vitória em apenas quatro capitais.
Petistas migraram para o MDB
Timbé do Sul não tem diretório do PT desde o segundo governo Lula (2006-2010). O PDT fechou na década de 1990, muito antes da morte de Leonel Brizola, ocorrida em 2004. Os demais partidos de esquerda nem sequer tentaram a sorte.
Alcides Stecanella, 61, fundou o PT em Blumenau (SC) na época de faculdade. Voltou para Timbé do Sul após a formatura e recorreu ao MDB para se candidatar a vereador na última eleição. Ele conta que fez o caminho da maioria dos petistas da cidade porque sair por um partido de esquerda é anular as chances de sucesso.
Bruxo, como é conhecido, acrescenta que não migrou sozinho. O presidente do finado diretório municipal do PT, Éverton Pessetti, fez o mesmo caminho e chegou a comandar o MDB de Timbé do Sul. O movimento da dupla não deu certo. Ele fez 97 votos.
A ligação entre os dois partidos é explorada por Robson Tainha, que concorre a prefeito pelo PL. Ele ressalta que o MDB se incomoda tanto com o assunto que converteu seu Instagram em verde-amarelo numa tentativa de esconder o vínculo.
Marlon Panatta disputa a prefeitura pelo MDB e sai do sério quando surge a associação com o PT. A segunda pergunta feita a ele durante entrevista ao UOL foi sobre esta ligação. O candidato ficou contrariado e fugiu do tema na resposta. Diante da insistência, levantou irritado e atirando um plano de governo na mesa.
Na sequência, dois caciques do MDB local vociferaram. Ambos alertaram que haveria "consequências graves" se a relação com petistas fossem mencionada em reportagem.
Por fim, o homem mais exaltado levantou da cadeira e avisou que iria registrar um BO se soubesse que a reportagem estava fazendo perguntas sobre a migração de petistas para o MDB na cidade. O outro homem fez o papel de "tira bom" e conduziu a conversa para o fim.
PL está roubando integrantes de PP e MDB
Funcionários da prefeitura e da Câmara de Vereadores disseram que PP e MDB estão perdendo filiados e militantes para o bolsonarismo. Sem se identificar, eles explicaram que a política de Timbé do Sul se comporta como um prolongamento da polarização da ditadura.
O PP herdou os eleitores da Arena. O MDB tem a fidelidade de quem era contra os militares. Mas esta situação que remete à década de 1980 foi abalada pelo surgimento de Jair Bolsonaro. O slogan "Deus, pátria, família e liberdade" conquistou corações e votos.
Os donos do principal posto da cidade financiaram outdoors de Bolsonaro. Deputada federal, pró-armas, contra aborto e amiga de Eduardo Bolsonaro, Júlia Zanatta (PL-SC) é chamada de "madrinha" no estabelecimento.
Esta reacomodação política ocorre num ecossistema eleitoral caraterístico dos grotões do Brasil. Não há comícios e passeatas e carreatas são ocasionais. Os candidatos pedem voto batendo de porta em porta nas casas e comércios de 3.700 eleitores.
A persuasão é crucial para conseguir votos e o bolsonarismo está se provando um bom argumento. Luizinho, vice de Robson Tainha na chapa pura do PL à prefeitura, era MDB. Agricultor, mudou de partido por identificação com o bolsonarismo e acreditando que a população fará o mesmo.
Quem era PT está tudo no MDB. Em Timbé, o 13 não tem vez.
Alcides Stecanella, o Bruxo
Sem vez para o PT
Neste ambiente em que até os partidos tradicionais sofrem, o PT não conseguiu se criar. As duas tentativas de estruturação do partido na cidade ruíram. Nem a vitória de Lula na última corrida presidencial animou os militantes a uma terceira empreitada.
Vando participou do lançamento da pedra fundamental do PT na cidade em 1990. Ele fala da iniciativa como uma aventura de juventude. Concorreu a vereador sem medo de ser feliz. Recebeu 27 votos.
É menos gente que os frequentadores de seu bar/mercearia nos finais de tarde. Vando tem clientela numerosa por seu jeito conversador e a capacidade de empilhar mercadorias. Num espaço do tamanho de um quarto e sala, oferece de ralo de banheiro a talheres, de aromatizante de carros a melancias.
Ele lembra que não demorou para o diretório municipal do PT cambalear. A reeleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em primeiro turno em 1998 extinguiu o PT. Cada um foi cuidar da sua vida. A Vando restou guardar uma relíquia daqueles tempos: o santinho de sua campanha a vereador pela Frente Popular em 1992.
Bruxo voltou a Timbé do Sul em 2003, ano da primeira posse de Lula. O PT de Blumenau, que ajudou a criar, havia se estabelecido como força municipal e ele queria repetir o sucesso na cidade natal.
Um deputado petista encabeçou o pleito da esquerda do extremo sul catarinense e convenceu a Universidade Federal de Santa Catarina a abrir um campus em Araranguá, polo regional. O argumento para mostrar que a região iria melhorar com Lula estava pronto.
Ninguém na cidade se comoveu. Outra esperança de Bruxo era de os universitários voltarem ao município formados e com uma cabeça diferente das gerações anteriores. Eles nunca retornaram.
Bruxo conta que a Lava Jato levou o diretório do PT da cidade para a UTI. A crise econômica deixada por Dilma Rousseff terminou de destruir o partido. Para continuar ativo, ele foi para o MDB, mas o passado vermelho ceifou as chances de eleição.
Em Timbé do Sul, a esperança nunca venceu o medo. Bruxo se afastou da política. A campanha eleitoral deste ano entra na reta final e ele está passeando no Uruguai.
Sua atuação partidária se resume a bater boca com bolsonaristas pelo Facebook. Timbé ainda usa essa rede social. As discussões quase sempre descambam para xingamentos. Toda vez que é chamado de FDP, Bruxo responde com uma de suas frases favoritas: "O argumento do burro é o coice".
Quase mil votos para Lula
Mesmo com a aversão ao vermelho, Timbé do Sul entregou 998 votos para Lula no segundo turno em 2022. Os petistas sabem que não significa apoio ao partido.
Bruxo explica que estes votos são de Lula. Ele diz que parte deles saiu das 53 famílias que recebem Bolsa Família na cidade. O restante é de aposentados e professores satisfeitos pela política de aumento real do salário mínimo.
Ainda que Lula seja maior que o PT em Timbé, haveria votos para eleger um vereador petista. Até adversários, como o bolsonarista Robson Tainha, admitem esta realidade. Ele acredita que ninguém se dispôs a empunhar a bandeira vermelha pelo desgaste pessoal que a postura acarretaria numa cidade tão pequena e em que todos se conhecem.
Moisés de Oliveira Neves sabe das consequências porque não esconde votar na esquerda desde guri. Ele confirma que é criticado pela escolha e acrescenta que esta situação faz a maioria dos eleitores petistas entregarem um voto envergonhado. Ninguém cola adesivo no carro ou faz campanha na praça.
A lógica serve para todo o extremo sul catarinense. Moisés é motorista e vê um outdoor bolsonarista na chegada a Turvo. Ele diz que a cidade vizinha é maior, o que significa replicar as características de Timbé em maior proporção.
A praça matriz de Turvo abriga a catedral e a estátua de um desbravador da época da colonização italiana segurando serra de derrubar árvores. O monumento explica o passado e o presente da área da divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Na ditadura, 70% votavam na Arena. Hoje, 70% são Bolsonaro.
Bruxo
* Colaborou Flávia Menani
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