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Casa Branca quer atiradores em lajes da Cidade de Deus, no Rio; moradora organiza protesto

Hanrrikson de Andrade<br>Especial para o UOL Notícias<br>No Rio de Janeiro

18/03/2011 20h04

As diretivas de segurança da comitiva do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para a visita à Cidade de Deus, neste domingo (20), na zona oeste do Rio de Janeiro, causam opiniões divergentes entre os moradores e líderes da comunidade. O esquema montado pela equipe da Casa Branca inclui o uso de agentes do serviço secreto dos EUA e atiradores de elite do Destacamento Anti-Terror do Exército brasileiro posicionados em lajes de casas localizadas em pontos estratégicos. Mas há moradores que prometem não permitir a entrada de oficiais em suas residências.

É o caso da professora Regina Antunes, 59, dona de uma creche que funciona em frente à praça do Lazer, na avenida José de Arimatéia, que deve servir de passagem para a limousine presidencial. Ela conta que, durante esta semana, três pessoas (dois policiais, um civil e outro militar, e uma mulher representando a Casa Branca) tentaram convencê-la a cooperar com o esquema de segurança articulado pela comitiva americana. Como a moradora antecipou que não permitiria em hipótese alguma o uso de sua laje como ponto estratégico de observação, os oficiais teriam ameaçado obrigá-la a ceder por meio de uma ordem judicial.

"Eles desrespeitaram o meu direito, a minha propriedade. Eu poderia até liberar, dependendo da conversa deles, mas resolveram me ameaçar e agora é que eu não quero mais conversa. Eu estou revoltada com essa situação", disse.

Regina, que é favorável à visita de Obama, já pensa até em organizar um protesto simbólico para domingo. Ela pretende comprar narizes de palhaço e distribui-los entre os moradores que vivem a mesma situação. "Se der certo, vai ser um protesto pacífico, pois é assim que estamos nos sentido: como palhaços. Eu gosto do Obama, quero muito que ele venha aqui, mas desde que haja respeito com os moradores da Cidade de Deus", reclama.

A aposentada Ivonete Ferreira, 62, também diz que não aceitará ceder sua laje. Ela mora em um dos pontos mais estratégicos: uma casa praticamente em frente ao Odylo Costa Neto, o centro de atividades cuja quadra poliesportiva será usada como palco principal do evento. Ela afirma que alguns oficiais a procuraram na última quarta-feira (16), mas a conversa não evoluiu. Um coordenador da unidade educacional adiantou ao UOL Notícias que a comitiva americana quer colocar um atirador de elite na laje de Ivonete, pois de lá se tem uma visão privilegiada de todo o centro Odylo Costa Neto. "Pode ser o Obama, o Lula, não importa. Na minha casa, ninguém entra", afirma.

Cufa reclama de arrogância

A Cufa (Central Única das Favelas), entidade mais representativa em toda a Cidade de Deus (e outras comunidades, em geral), não participará da organização do evento de recepção a Obama. Pelo Twitter, um dos criadores da Cufa, Celso Athayde, disparou contra os "mensageiros da Casa Branca", segundo palavras do próprio. "Obama, continuo te amando. Mas não dá pra aceitar o comportamento arrogante dos mensageiros da Casa Branca. (...) Respeite a CDD", publicou ele nesta sexta-feira (18). Apenas o grupo de grafiteiros da Cufa participará do evento.

O rapper MV Bill, que também é um dos criadores da Cufa, tinha desistido de participar da recepção a Obama antes mesmo da decisão da entidade, pois participará do projeto social Aglomerado. Segundo Athayde, no dia da visita do presidente americano, a Central Única das Favelas só abrirá às 17h. "Chegaram ao absurdo de pedir pra ter somente quatro pessoas dentro do espaço da Cufa", reclamou ele. "São abusos e exageros na favela. Estão querendo fazer um zoológico", respondeu ele a um usuário que perguntara o motivo do rompimento.

Algumas mensagens depois, Athayde complementou: "A gota d'água foi quando a Casa Branca se recusou receber as lideranças comunitárias, esse foi um dos motivos da nossa saída" (sic). Assustada com o volume e o conteúdo das mensagens, a própria Embaixada americana ligou para o produtor de hip hop: "A embaixada acaba de ligar reclamando de mim. Lamento amigos e amo vocês, mas meu compromisso é com a favela. Não expulsem os moradores domingo", disse.

De acordo com o conteúdo das críticas de Athayde, a Casa Branca estaria disposta a esvaziar as ruas da comunidade no domingo e revistar qualquer pessoa que venha a sair de sua residência, até mesmo crianças. A embaixada americana não se pronunciou a respeito.