Americanos ignoram escândalo de espionagem ao Brasil, diz pesquisador
A revelação de que os Estados Unidos espionaram o governo e empresas brasileiras por meio da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) levou a presidente Dilma Rousseff a cancelar uma visita que faria na próxima semana a Washington. Especialistas em relações internacionais apontam para um “alto custo político” na relação entre os dois países, mas para o pesquisador americano Nikolas Kozloff, o atrito vai se limitar a uma esfera diplomática, pois a maioria dos americanos ignora o escândalo e “não poderia se preocupar menos com os planos maquiavélicos de Washington”.
“Não acho que os Estados Unidos se preocupem demais com os riscos à relação com o Brasil”, disse Kozloff em entrevista ao UOL. Segundo ele, o impacto reduzido se dá porque os EUA são um país “muito mais poderoso em todos os aspectos”. De fato, explicou, nos corredores oficiais do poder, o interesse que há é em relação ao que é conhecido como o “quintal” de Washington. “Obama pode até mesmo nem pedir desculpas ao Brasil pelo escândalo da NSA.”
Apesar do tom quase “nacionalista” refletido pelas declarações, Kozloff é um pensador crítico à postura do governo norte-americano, apontado muitas vezes como um pesquisador com tendências de esquerda. “A reação brasileira certamente é compreensível, e minha opinião é de que a espionagem da NSA representa uma afronta pessoal à [Dilma] Rousseff. A mídia americana, entretanto, mal cobriu o caso”, disse.
Doutor em história da América Latina pela Universidade de Oxford, Kozloff é autor dos livros “Revolution” (sobre a recente onda de governos de esquerda na América Latina), "Hugo Chávez" (sobre o líder venezuelano) e "No Rain in the Amazon" (sobre mudança climática e conservação da Amazônia). Ele escreveu mais de 80 artigos sobre o vazamento de informações do WikiLeaks, e vem estudando os interesses norte-americanos no continente. Segundo ele, não é a primeira vez que a mídia ignora a vigilância americana à América do Sul. “De acordo com os comunicados do Departamento de Estado dos EUA divulgados pelo WikiLeaks, o governo dos EUA também espionou Cristina Kirchner”, disse.
Apesar das revelações e da reação do Brasil, Kozloff diz que os americanos estão mais preocupados com a vigilância doméstica aos cidadãos do país de que com a espionagem de líderes de outros países. “Infelizmente, há uma percepção cínica de que Washington e os diplomatas americanos tentam tirar vantagem e espionar líderes estrangeiros, e que isso é parte do trabalho deles”, disse.
Internamente, entretanto, a espionagem começa a trazer problemas para o governo. “Desde o 11 de Setembro, os americanos tendem a dar ao governo o benefício da dúvida quando se trata de vigilância”, explicou. Mesmo assim, Obama foi atingido pelos escândalos de espionagem revelados pelo ex-prestador de serviços de segurança dos EUA Edward Snowden, e vem sendo criticado tanto pela esquerda quanto pela direita. “O público americano também acordou para a amplitude de ação da NSA, e as pesquisas mostram que a popularidade do presidente começou a cair, especialmente entre os mais jovens.”
Oportunidade política
Para o pesquisador americano, entretanto, mais de que um embate entre Estados Unidos e Brasil, o escândalo de espionagem pode se consolidar como uma grande oportunidade política para o Brasil, tanto em sua política interna quanto em sua postura global. Em vez de simplesmente contra-atacar com ciberdefesas próprias, o Brasil pode usar o escândalo da NSA para se destacar como um país defensor da transparência política, defendeu.
Grampos nos EUA
O programa | O Prism é um programa de inteligência secreta americana que daria ao governo acesso aos dados de usuários de serviços de grandes empresas de tecnologia | |
Quais dados? | Não se sabe exatamente, mas qualquer informação poderia ser consultada. O jornal 'Washington Post' cita e-mail, chat, fotos, vídeos e detalhes das redes sociais | |
Quem sabia? | Segundo Obama, o programa foi aprovado pelo Congresso e é fiscalizado pelo Poder Judiciário no país. Todas as empresas negaram participação | |
Funcionamento | De acordo com fontes do jornal britânico 'The Guardian', o governo poderia ter acesso aos dados sem o consentimento das empresas, mas, como eles são criptografados, precisaria de chaves que só as companhias possuem | |
Empresas possivelmente envolvidas | Microsoft, Google, Facebook, Yahoo, Apple, Paltalk, Skype, Youtube, AOL |
“Como os recentes protestos mostraram, os brasileiros estão buscando uma maior transparência do sistema político. Nós já temos a plataforma tecnológica para promover esta abertura, então [Dilma] Rousseff pode concorrer à reeleição com uma plataforma de transparência. Ela poderia dizer: ‘Não vamos jogar este jogo cínico com Washington. Eles estão livres para usar recursos para este tipo de ação, mas nós vamos promover a democracia e a abertura política’”, sugeriu.
Segundo ele, é preciso ter uma noção clara do quanto o Brasil está disposto a pressionar os EUA. “O país está disposto a sacrificar sua ambição de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ao ofender Washington? Como o Brasil pode se afastar da colaboração crescente em Defesa e projeto aeroespacial? Quais as implicações na América do Sul? Acho que vai haver pedidos da esquerda nacionalista para levar a disputa mais longe. Tais ações são compreensíveis, mas no final podem não trazer um avanço real na relação entre os países”, disse.
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