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Americanos ignoram escândalo de espionagem ao Brasil, diz pesquisador

Daniel Buarque

Do UOL, em São Paulo

21/09/2013 06h00

A revelação de que os Estados Unidos espionaram o governo e empresas brasileiras por meio da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) levou a presidente Dilma Rousseff a cancelar uma visita que faria na próxima semana a Washington. Especialistas em relações internacionais apontam para um “alto custo político” na relação entre os dois países, mas para o pesquisador americano Nikolas Kozloff, o atrito vai se limitar a uma esfera diplomática, pois a maioria dos americanos ignora o escândalo e “não poderia se preocupar menos com os planos maquiavélicos de Washington”.

“Não acho que os Estados Unidos se preocupem demais com os riscos à relação com o Brasil”, disse Kozloff em entrevista ao UOL. Segundo ele, o impacto reduzido se dá porque os EUA são um país “muito mais poderoso em todos os aspectos”. De fato, explicou, nos corredores oficiais do poder, o interesse que há é em relação ao que é conhecido como o “quintal” de Washington. “Obama pode até mesmo nem pedir desculpas ao Brasil pelo escândalo da NSA.”

Apesar do tom quase “nacionalista” refletido pelas declarações, Kozloff é um pensador crítico à postura do governo norte-americano, apontado muitas vezes como um pesquisador com tendências de esquerda. “A reação brasileira certamente é compreensível, e minha opinião é de que a espionagem da NSA representa uma afronta pessoal à [Dilma] Rousseff. A mídia americana, entretanto, mal cobriu o caso”, disse.

Doutor em história da América Latina pela Universidade de Oxford, Kozloff é autor dos livros “Revolution” (sobre a recente onda de governos de esquerda na América Latina), "Hugo Chávez" (sobre o líder venezuelano) e "No Rain in the Amazon" (sobre mudança climática e conservação da Amazônia). Ele escreveu mais de 80 artigos sobre o vazamento de informações do WikiLeaks, e vem estudando os interesses norte-americanos no continente. Segundo ele, não é a primeira vez que a mídia ignora a vigilância americana à América do Sul. “De acordo com os comunicados do Departamento de Estado dos EUA divulgados pelo WikiLeaks, o governo dos EUA também espionou Cristina Kirchner”, disse.

Apesar das revelações e da reação do Brasil, Kozloff diz que os americanos estão mais preocupados com a vigilância doméstica aos cidadãos do país de que com a espionagem de líderes de outros países. “Infelizmente, há uma percepção cínica de que Washington e os diplomatas americanos tentam tirar vantagem e espionar líderes estrangeiros, e que isso é parte do trabalho deles”, disse.

Internamente, entretanto, a espionagem começa a trazer problemas para o governo. “Desde o 11 de Setembro, os americanos tendem a dar ao governo o benefício da dúvida quando se trata de vigilância”, explicou. Mesmo assim, Obama foi atingido pelos escândalos de espionagem revelados pelo ex-prestador de serviços de segurança dos EUA Edward Snowden, e vem sendo criticado tanto pela esquerda quanto pela direita. “O público americano também acordou para a amplitude de ação da NSA, e as pesquisas mostram que a popularidade do presidente começou a cair, especialmente entre os mais jovens.”

Oportunidade política

Para o pesquisador americano, entretanto, mais de que um embate entre Estados Unidos e Brasil, o escândalo de espionagem pode se consolidar como uma grande oportunidade política para o Brasil, tanto em sua política interna quanto em sua postura global. Em vez de simplesmente contra-atacar com ciberdefesas próprias, o Brasil pode usar o escândalo da NSA para se destacar como um país defensor da transparência política, defendeu.

Grampos nos EUA

O programaO Prism é um programa de inteligência secreta americana que daria ao governo acesso aos dados de usuários de serviços de grandes empresas de tecnologia
Quais dados?Não se sabe exatamente, mas qualquer informação poderia ser consultada. O jornal 'Washington Post' cita e-mail, chat, fotos, vídeos e detalhes das redes sociais
Quem sabia?Segundo Obama, o programa foi aprovado pelo Congresso e é fiscalizado pelo Poder Judiciário no país. Todas as empresas negaram participação
FuncionamentoDe acordo com fontes do jornal britânico 'The Guardian', o governo poderia ter acesso aos dados sem o consentimento das empresas, mas, como eles são criptografados, precisaria de chaves que só as companhias possuem
Empresas possivelmente envolvidasMicrosoft, Google, Facebook, Yahoo, Apple, Paltalk, Skype, Youtube, AOL

“Como os recentes protestos mostraram, os brasileiros estão buscando uma maior transparência do sistema político. Nós já temos a plataforma tecnológica para promover esta abertura, então [Dilma] Rousseff pode concorrer à reeleição com uma plataforma de transparência. Ela poderia dizer: ‘Não vamos jogar este jogo cínico com Washington. Eles estão livres para usar recursos para este tipo de ação, mas nós vamos promover a democracia e a abertura política’”, sugeriu.

Segundo ele, é preciso ter uma noção clara do quanto o Brasil está disposto a pressionar os EUA. “O país está disposto a sacrificar sua ambição de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ao ofender Washington? Como o Brasil pode se afastar da colaboração crescente em Defesa e projeto aeroespacial? Quais as implicações na América do Sul? Acho que vai haver pedidos da esquerda nacionalista para levar a disputa mais longe. Tais ações são compreensíveis, mas no final podem não trazer um avanço real na relação entre os países”, disse.