'É um tsunami emocional, aqui é a Paris popular', diz vizinho da 'Charlie'
Enquanto jornais franceses mostram em suas páginas detalhes do arsenal usado pelos irmãos Kouachi e por Amedy Coulibaly nos atentados da semana passada, autoridades francesas dedicam-se a homenagear as 17 vítimas, entre elas três policiais. Já parisienses e turistas manifestam suas condolências na sede da revista "Charlie Hebdo", primeiro alvo dos terroristas.
O prédio da publicação fica no meio de uma rua bem pequena do 11º distrito da capital francesa, quase do tamanho de um quarteirão do centro de São Paulo. O acesso a ele está totalmente interditado, inclusive para a imprensa, e há carros de polícia e agentes uniformizados o tempo todo em frente ao local.
É na esquina que são colocadas as flores, velas, páginas de papel desenhadas, canetas e frases de apoio às vítimas e à liberdade de expressão. No fim da tarde desta segunda-feira (12), cerca de 30 pessoas fotografavam e observavam as homenagens, ao lado de correspondentes internacionais de TV que transmitiam dali as últimas informações sobre as investigações e as ações do governo francês para a segurança nacional.
É na esquina também que fica a loja de materiais gráficos do espanhol Félix (que preferiu não informar seu sobrenome). Ele, que mora na França desde criança, viu sua rotina ser completamente modificada pelo episódio e conta que ainda tenta lidar com a reação provocada por tudo o que aconteceu.
Ao ser abordado pela reportagem do UOL, reclamou do assédio dos jornalistas, afirmou que entende a importância da cobertura da imprensa e disse que não gostaria mais falar sobre o assunto, mas concordou em ter sua opinião publicada: "Fui totalmente jogado em um tsunami emocional, neguei muitos pedidos de entrevistas depois de quarta-feira [7 de janeiro, dia do atentado ao jornal]", contou.
Para Félix, o fato de a "Charlie Hebdo" ficar próxima da Bastilha, da praça da República e da praça da Nação, importantes marcos da história francesa pós-revolução, acrescenta uma carga a mais de simbolismo ao episódio. "Emocionalmente, é muito forte. A Bastilha é um símbolo de liberdade. Não é a Champs-Élysées. Aqui é a Paris popular, do povo, não dos turistas", afirmou. "A vítima é a liberdade, nós não somos as vítimas. Foi um choque, mas nós somos testemunhas. É preciso respeitar a emoção."
Bairro calmo
O endereço tranquilo, normalmente de pouco movimento, mudou drasticamente desde o episódio, como conta Patrick Serayed, aposentado que mora a 200 metros da sede da "Charlie Hebdo" e estava por ali passeando com seu cachorro Jack, de 11 anos, em um dia de muito frio.
"Todo dia eu passeio com meu cachorro nesta área, geralmente é muito calma, sem muitos carros nem pessoas. Agora ele está um pouco assustado, não é acostumado a ver tanta gente. Acho que ele sente algo estranho", disse.
Serayed voltou ao local ontem pela primeira vez desde a última quarta-feira, dia do ataque, porque quis "esperar um tempo". Quinze minutos antes do ataque, ele estava em um correio no bairro e ficou sabendo pelo rádio do que acontecia na rua de sua casa.
"Eu não podia imaginar, primeiramente, que os escritórios da 'Charlie Hebdo' ficavam ali. E, em segundo lugar, esse ataque, essa atividade [dos terroristas], essa reação do povo francês [a marcha que reuniu milhões de pessoas em protesto]."
O aposentado acredita que a rua ainda receberá muitas manifestações de pesar. "As pessoas querem expressar seus sentimentos, não sei por quanto tempo isso vai durar, mas acho que por um longo tempo."
Foi o que fez o holandês Arend Smit, consultor de tecnologia de informação, que chegou a Paris na última sexta-feira (9) para um fim de semana de folga. "Eu estava planejando sair para dançar e visitar uma série de exposições, mas mudei o programa quando tudo isso começou a acontecer aqui", contou ele, na rua da "Charlie".
"Eu senti muito pelo país que plantou a semente de suas ideias sobre liberdade e igualdade. Por eles terem sido atacados desse jeito, nesse símbolo [a revista] que defendia exatamente esses conceitos", afirmou. "Eu estava na marcha [no último domingo], e obviamente eu queria ver o local onde o crime aconteceu e que motivou a manifestação."
A educadora Margarida Teixeira, 45, também visitava o local do atentado e fotografava um dos repórteres da rede norte-americana CNN. Portuguesa, ela mora na França desde criança, mas estava ali pela primeira vez.
Com a voz emocionada, disse que chorou quando assistiu à entrevista de um dos médicos que atenderam algumas das vítimas do jornal. Ela levou alguns segundos para conseguir explicar o que estava sentindo ali, tão perto de onde as mortes ocorreram: "Uma grande, grande tristeza, grande pena. É inacreditável..."
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