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Análise: Brasil caiu em armadilha econômica, e seu exemplo pode servir ao mundo

Temer, Dilma e Lula em 2011, quando a petista assumiu a presidência - Flávio Florido/UOL
Temer, Dilma e Lula em 2011, quando a petista assumiu a presidência Imagem: Flávio Florido/UOL

George Magnus*

Da Prospect

24/07/2016 06h00

Quando a presidente Dilma Rousseff acendeu a tocha olímpica, em maio, no palácio presidencial em Brasília, sob os aplausos de escolares e o ronco de jatos da Força Aérea que sobrevoavam, a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio parecia ameaçadoramente próxima.

Mas dali a menos de duas semanas, após 20 horas de debate, o Senado brasileiro aprovou o início do procedimento de impeachment contra Rousseff. Ela foi imediatamente suspensa do cargo por um período de seis meses. A votação majoritária no Senado (55 votos a favor e 22 contra o procedimento) sugere que quando a votação do impeachment for finalmente convocada a maioria necessária de dois terços forçará Rousseff a deixar o cargo em caráter permanente.

Seu antigo parceiro de coalizão, Michel Temer, do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), agora presidente interino, permanecerá no posto até as próximas eleições, marcadas para 2018. Caberá a ele conduzir o país não apenas por uma crise constitucional, mas também uma terrível crise econômica: o Brasil passa por sua mais profunda recessão desde que começaram os registros, no início do século passado.

Como chegou a isto? Há apenas sete anos, os Jogos Olímpicos foram concedidos ao Brasil como uma espécie de prêmio pelo sucesso econômico e a autoconfiança do país. Mas agora sua economia está quebrada, já 9% menor que em seu pico no início de 2014, apesar de não estar em guerra e não haver uma crise financeira, inflação disparada ou qualquer outro fator externo importante.

O Brasil teve 15 anos de pujança econômica conduzidos pelos altos preços das matérias-primas e a abundância de crédito. Essa pujança terminou, e fraquezas econômicas enraizadas se tornaram visíveis. A quantia de dinheiro que os brasileiros poupam, 14% do Produto Interno Bruto, não é suficiente.

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Os pares do país no mercado emergente, como China e Índia, têm poupanças e índices de investimento duas ou três vezes maiores. Embora os bancos brasileiros estejam em boa forma, o país tenha empresas comerciais de sucesso e o conglomerado aeroespacial Embraer dispute o título de terceiro maior fabricante mundial de aeronaves, grande parte do universo corporativo do Brasil está atolado em arranjos fiscais e regulatórios opressivos.

O país sofre com uma infraestrutura insuficiente, a baixa integração no sistema de comércio global, a falta de trabalhadores qualificados e o baixo crescimento da produtividade.

Costuma-se dizer que "o Brasil é o país do futuro e sempre será" --uma avaliação cortante por trás da qual espreita uma dura realidade econômica. O Brasil tornou-se um caso de estudo econômico do que significa ser apanhado na armadilha da renda média: aquela etapa do desenvolvimento econômico em que o crescimento da renda per capita fica estagnado.

É preocupante pensar que o Brasil é um dos muitos países presos nessa armadilha. Durante alguns anos na década de 2000 e até 2012 ele pareceu prestes a escapar. Mas na realidade pouco progresso havia sido feito para modificar a estrutura política e econômica do país.

Segundo um relatório do Banco Mundial de 2013, 101 países se classificavam como de renda média em 1960. Destes, apenas 13 tinham alta renda em 2008, incluindo Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong, além de Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal e Israel. A pergunta intrigante é por que o Brasil não foi capaz de dar o mesmo salto para o sucesso.

O Brasil não é estranho à volatilidade política e econômica. Em 1964, um golpe militar derrubou o governo do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) do presidente João Goulart e colocou generais no comando durante mais de 20 anos. Uma Constituição federal que estabelece o regime democrático foi adotada em 1988. A transição para a democracia, porém, foi complicada por um modelo democrático imperfeito e por interesses particulares que abafaram o progresso social e econômico.

O PT (Partido dos Trabalhadores), que chegou ao poder em 2003, tentou destrinchar esse legado confuso. Criou o Bolsa Família, que o Banco Mundial chamou de um dos mais bem sucedidos programas antipobreza já implementados. Por esse esquema, as famílias pobres receberam pagamentos para cada filho que fosse totalmente vacinado e frequentasse a escola.

O dinheiro era pago predominantemente às mães de família, e em 2008 havia começado a reduzir a pobreza e a violência relacionadas às drogas, que se tornara notória nas favelas urbanas. No início deste ano, visitei a Rocinha, a maior favela do Brasil, com uma população de cerca de 200 mil pessoas, situada nas encostas verdejantes da zona sul do Rio de Janeiro.

Nosso guia nos manteve distantes das gangues de drogas, mas mesmo assim não havia como esconder as condições de vida como excesso de população, habitação de baixa qualidade e a massa de fios elétricos e cabos expostos.

Mas também havia sorrisos de boas-vindas, uma vida comercial normal, a população usando o transporte público para ir trabalhar no centro da cidade, bancos modernos sem segurança evidente, novas instalações públicas de lazer e assistência social, assim como cartazes prometendo apoio a Rousseff.

Apesar das melhoras sociais pelas quais o PT pode levar crédito, ele falhou em se distinguir de seus adversários como um partido político limpo --erro que lhe custou muito. Isto se deve bastante ao próprio sistema político. Muitos países, incluindo Índia e Itália, têm uma proliferação de partidos. No Brasil, porém, há 32 partidos registrados, 28 dos quais estão representados no Congresso.

Em consequência, os presidentes brasileiros raramente dominam. O PT, por exemplo, tem apenas 11 dos 81 assentos do Senado. A intensa concorrência por votos levou a uma política de benefícios, em que o governo faz generosas concessões a projetos escolhidos pelos legisladores em troca de seus votos.

A política fragmentada deixou muitos eleitores ansiosos sobre a corrupção e a má representatividade. As maiores manifestações de rua no Rio e em São Paulo ocorreram em junho de 2013, e rapidamente se espalharam para Brasília e outras cidades. Os protestos foram ostensivamente sobre o aumento dos preços do transporte público, mas os 2 milhões de manifestantes logo mudaram seu foco para as deficiências dos serviços públicos, a inflação, o custo exorbitante da construção dos estádios, a corrupção política e o distanciamento dos partidos políticos.

É compreensível que os brasileiros se sintam alienados de seu sistema político. As empresas brasileiras tornaram-se a principal fonte de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, enquanto os gastos políticos aumentam sem cessar. Segundo um recente relatório da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos), as doações corporativas financiam 75% das campanhas eleitorais estaduais e nacionais no Brasil.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal proibiu as doações corporativas a candidatos e partidos políticos. Mas o dano está sendo difícil de desfazer. Em 2005, o chamado escândalo do mensalão trouxe à luz o uso ilegal das finanças de campanha. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobreviveu politicamente, mas alguns de seus colegas não.

A atual investigação anticorrupção, que envolveu Rousseff, começou em 2013 como um inquérito sobre lavagem de dinheiro em postos de gasolina e lavanderias no Estado do Paraná --daí o nome da investigação policial, "Lava Jato". O inquérito se concentra em denúncias de má gestão na Petrobras, a companhia de petróleo estatal, e envolveu políticos graduados e outras figuras públicas. Foi o escândalo que alimentou a atual crise, em que os gastos e investimentos das empresas congelaram, intensificando a pior crise econômica que alguém possa lembrar.

O Brasil teve várias crises econômicas no passado. Nos anos 1970, o preço das matérias-primas aumentou e produziu uma década de alto crescimento para o país. O Brasil fez grandes empréstimos no exterior nos anos 1980 para financiar a industrialização e para pagar pelo petróleo necessário para movimentar sua expansão.

No início dos anos 1990, a inflação persistente se transformou em hiperinflação, de 2.000 a 3.000%. Nos últimos 30 anos, o Brasil experimentou crises provocadas pelos gastos do governo e outros fatores, que o obrigaram a buscar a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) por três vezes: durante a crise da dívida latino-americana dos anos 1980; depois da crise em 1997; e novamente em 2002. Alguns analistas afirmam que deve fazê-lo novamente agora.

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O crescimento econômico sustentado tem sido raro, mas aconteceu nos anos 2000, depois das reformas políticas e econômicas adotadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 2002. Sob Lula, o crescimento econômico foi de aproximadamente 4% ao ano, mas sob Rousseff, que ele escolheu para sucedê-lo, permaneceu em cerca de 3% ao ano entre 2011 e 2014.

Rousseff ganhou um segundo mandato em outubro de 2014, embora nessa época as investigações de corrupção já se espalhassem rapidamente, interferindo nos processos políticos e prejudicando a economia. Em uma imagem invertida dos anos 2000, a economia brasileira estava sendo sufocada pelo colapso dos preços das matérias-primas e o fim do boom do crédito.

O Brasil recebeu um empurrão do sucesso econômico na China, que decolou em 2000-2001. O surto de investimento da China em indústria pesada e imóveis absorveu importações de matérias-primas industriais como minério de ferro, que figura com proeminência entre as exportações brasileiras.

O comércio do Brasil com a China cresceu de US$ 1 bilhão em 2001 para US$ 85 bilhões em 2014, com a China suplantando os EUA como maior parceiro comercial do Brasil. Outras exportações de matérias-primas importantes incluem soja, da qual a China se tornou um importador líquido, assim como açúcar, carne, tabaco e suco de laranja.

Com o aumento dos preços, a proporção das matérias-primas nas exportações brasileiras cresceu de menos de um terço em 2001 para cerca da metade em 2014. Em contraste, a porcentagem de bens manufaturados caiu de 55% para menos de 40%.

Mas agora o sucesso econômico da China terminou. Como o país está construindo muito menos, a demanda por matérias-primas diminuiu. Se o crescimento chinês cair ainda mais --o que é provável--, os efeitos no Brasil e em outros países emergentes será significativo.

Além do problema da dependência das matérias-primas, a economia brasileira não é tão aberta quanto outros mercados emergentes. A abertura ao comércio e a integração ao sistema de comércio global são fatores chaves para o desenvolvimento da manufatura e para a alta produtividade e o crescimento econômico.

As exportações de bens e serviços pelo Brasil são de apenas 11% do PIB, mais ou menos iguais às da Argentina, segundo a ONU. Em comparação, o México e o Chile têm uma porcentagem de exportações de cerca de 33%, enquanto a China e a Índia têm aproximadamente 23%.

Durante a última década, o Brasil também desenvolveu um vício em crédito, como muitas economias ocidentais nos anos 2000 e a China mais recentemente. Segundo a agência de classificação de crédito Fitch, o crédito detido pelo setor privado aumentou de uma quantia equivalente a 25% do PIB para cerca de 70% em 2015.

Esse nível é o dobro do [nível] do México, e suas consequências foram exacerbadas pelas altas taxas de juros que tornam doloroso o serviço da dívida --em julho de 2015, o Banco Central do Brasil aumentou sua taxa de referência Selic (de curto prazo) para 14,25%, onde permanece desde então. A recessão está cortando os lucros e os salários, tornando a dívida ainda menos acessível para as empresas e os indivíduos. No setor da habitação, o custo do serviço da dívida incluindo hipotecas consome cerca de um quinto da renda disponível.

O setor público do Brasil também ficou mais endividado. A dívida pública cresceu de 55% do PIB em 2011 para cerca de 70%. O deficit orçamentário, que foi mantido em aproximadamente 2-3% do PIB até 2013, alcançou mais de 10% em 2015. Cortar o deficit em uma recessão é sempre politicamente doloroso, apesar de Rousseff ter reduzido o seguro-desemprego e outros benefícios e aumentado alguns impostos e taxas, incluindo sobre o combustível, a água e a eletricidade.

O novo governo de Temer enfrenta um grande desafio na mudança da política fiscal: grandes áreas de gastos são protegidas pela Constituição ou por leis. Só o sistema de aposentadorias representa mais de 11,5% do PIB, significativamente mais alto que o do Japão (10%) ou da área de rápido envelhecimento da OCDE (8%).

Em meio a todos esses problemas, o sucesso do programa antipobreza Bolsa Família se destaca. Segundo o Banco Mundial, ele custou cerca de 0,5% do PIB e aumentou os índices de sobrevivência infantil, as matrículas nas escolas, a alfabetização e os níveis de frequência escolar, a participação em vacinações, os padrões nutricionais e o consumo.

Na década que terminou em 2011, 40 milhões de pessoas foram tiradas da pobreza, as medições de desigualdade de renda caíram acentuadamente e a renda familiar per capita da população aumentou mais de 25%. Vários países, especialmente na América Latina, já adotaram o Bolsa Família ou estão experimentando variantes dele.

Desde a crise financeira de 2008, a recuperação econômica nos países ocidentais foi fraca, e desde 2011 os mercados emergentes, que muitos insistiam que ajudariam a conduzir o crescimento global, falharam. Entre os chamados BRICS --Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul--, só a Índia está crescendo em um índice relativamente alto e sustentável.

Os motivos dos infortúnios econômicos das economias avançadas e emergentes são complexos. Enquanto alguns superam os limites nacionais, muitos não são uniformes no país inteiro. A crise do Brasil, porém, sugere algumas coisas que o resto do mundo deve anotar.

Primeiro, um sistema comercial aberto e diversificado, enfocado nos produtos manufaturados, é não apenas como os países de baixa renda se recuperam, mas como os países de renda média continuam avançando. A geografia é importante: ajuda estar fisicamente perto dos grandes mercados e das cadeias de suprimento.

O Brasil fabrica produtos de alto valor, mas seu enfoque nas matérias-primas ficou grande demais e sua intensidade comercial é muito menor que a da China, Índia, México e até do Peru. Hoje, com o comércio mundial estagnado, e a maioria dos países emergentes e em desenvolvimento experimentando exportações mais fracas, Bangladesh, Camboja e Vietnã se destacam como exemplos de países que estão invertendo a tendência.

Estão desenvolvendo a manufatura de baixo valor que é necessária para formar os superavits comerciais que pagam pelas importações de bens de capital. Alguns países do leste da África, por exemplo, Quênia, Tanzânia e Ruanda, também estão conseguindo isso.

Segundo, é muito difícil os países se expandirem em um ritmo sustentável e gerar a produtividade que promove a elevação dos padrões de vida se a poupança e os índices de investimento forem tão baixos quanto os do Brasil.

Os países de alta renda tendem a ter índices de poupança e investimento mais baixos, mas nos países emergentes os altos índices de investimento são essenciais para o desenvolvimento econômico e o aumento da produtividade e da prosperidade. A China levou isto ao extremo e superinvestiu, de modo não comercial, em imóveis e indústria pesada, mas o Brasil está na outra ponta do espectro.

Terceiro, uma dependência excessiva das exportações de matérias-primas não leva a um sucesso econômico duradouro. Nos últimos 60 anos só tivemos dois booms de preços de matérias-primas: nos anos 1970 e nos 2000. Ambos foram seguidos de um estouro. Quando isso acontece, as distorções criadas por essa dependência são expostas, como podemos ver em países de toda a América do Sul e da África, e até em países produtores de petróleo e de baixa população como a Arábia Saudita.

Quarto, e talvez o mais importante, as economias emergentes deixaram de desenvolver as instituições fortes que são chaves para se alcançar o crescimento da produtividade sustentável. O Brasil é um caso típico, mas isso se aplica à China e à Índia, assim como à Grécia, à Itália e até aos EUA e ao Reino Unido.

Se o Brasil quiser se livrar da armadilha da renda média, precisa dessas instituições. A qualidade das instituições do país é monitorada por órgãos que incluem o Índice de Percepções de Corrupção da Transparência Internacional, o Índice de Negócios do Banco Mundial e o Índice Liberdade Econômica do Mundo do Instituto Fraser.

Estes classificam os países segundo a independência do Judiciário, o grau de aplicação de contratos, a justiça da política eleitoral e a regulamentação do trabalho, das empresas e das finanças. Eles também avaliam instituições sociais, de educação e saúde. Em 2015, o Índice Fazendo Negócios do Banco Mundial classificou o Brasil em 116º lugar entre 189 países, atrás da China (90º), da Arábia Saudita (49º) e da Rússia (51º).

O exemplo do Brasil mostra que o verniz do crescimento econômico e da prosperidade pode se desintegrar facilmente. No mundo ocidental, descobrimos isso com consequências dramáticas alguns anos atrás.

O Brasil nos lembra que a chave dos ganhos sustentáveis em bem-estar econômico e social está na tarefa interminável de ter uma visão mundial, mais que isolacionista, implementar políticas sensíveis e alimentar as instituições civis sem as quais nenhum país de sucesso moderno pode funcionar. A implicação para o resto do mundo é que condições econômicas fracas ou fraturadas não se explicam só pela má sorte.

*George Magnus é assessor econômico sênior do UBS e autor de "Uprising: Will Emerging Markets Shape or Shake the World Economy?"

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