Barato, uso de carros em ataques terroristas é difícil de ser controlado e mira multidões
Carros foram usados como armas contra multidões de pedestres pelo menos seis vezes desde o ataque terrorista de Nice, na França, até o mais recente em Barcelona, na Espanha. O motorista que dirigiu uma van nas Ramblas, na Catalunha, atropelou centenas de pessoas e deixou 13 mortos na quinta-feira (17) --um ataque posterior, na madrugada de sexta-feira (18), em Cambrils, também na Catalunha, matou outra pessoa. Segundo dois especialistas em terrorismo e segurança internacional ouvidos pelo UOL, a tática de jogar carros em alta velocidade contra a população civil em zonas urbanas não é nova, mas se torna cada vez mais comum por ser barata e difícil de se controlar.
Para o doutor em segurança internacional Bruno Cardoso Reis, professor no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (Portugal), esse tipo de estratégia é cada vez mais visto como uma resposta dos grupos terroristas a um reforço nos controles e restrições impostos pelos governos. “Mesmo com mais vigilância, mais agentes contratados para controlar, é muito difícil prever quando uma pessoa passa de uma predisposição radical para uma ação violenta, ainda mais com veículos, que são coisas do dia a dia”, afirma. “É um jogo de gato e rato.”
Ele explica que, no passado, tanto países em guerra quanto outros grupos terroristas já usaram automóveis como armas. Mas, por definição, o terrorismo tende a atacar alvos civis. “E se não houvesse o fator surpresa, os ataques seriam impedidos”, acrescenta. Além disso, após o “sucesso” de uma operação desse tipo, que deixa grande número de mortos sem a necessidade de explosivos, há um efeito de contágio entre grupos jihadistas. Eles tendem a repetir a estratégia em outros lugares. “É uma tática especialmente eficaz, pois todos nós temos acesso a veículos”, comenta o professor Reis.
É uma tática especialmente eficaz, pois todos nós temos acesso a veículos
Bruno Cardoso Reis, professor no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa
Segundo a economista italiana Loretta Napoleoni, especialista em terrorismo internacional e autora de livros sobre o Estado Islâmico, usar carros como arma “custa pouco e é fácil” para os terroristas. “Aqui a questão é quanta gente conseguem matar. Temos aí um discurso de massacre”, diz. “É o discurso que fazia o fascismo, a direita fascista na Itália nos anos 1970, por exemplo, que colocava bombas nos trens.” Para ela, organizações violentas como o ETA [Euskadi Ta Askatasuna, instituição política hoje desarmada, do País Basco, na Espanha] ou o IRA [Exército Republicano Irlandês] atacavam alvos mais específicos e com caráter simbólico. “O terrorismo europeu não atacava os turistas. Agora, buscam o modo mais econômico de matar o número máximo de pessoas.”
Para o professor português, há um paradoxo em questão de segurança pública: a eficácia de estratégias contra armas de fogo e explosivos leva grupos terroristas a adotarem práticas mais elementares, como o uso de carros como instrumento de morte. “No caso de Barcelona, houve um ataque reportado, de um grupo maior, e parte dos elementos desse grupo decidiram recorrer a esse outro ataque justamente porque é mais fácil. Com receio de um reforço da força policial, decidem antecipar ataques e esse tipo de método serve para improvisar rapidamente.”
Fechar ou não fechar?
Para o professor Bruno Cardoso Reis, há uma série de medidas que podem ser tomadas de forma preventiva, mas nunca será possível evitar completamente que carros sejam usados contra pedestres. “A forma mais eficaz é colocar barreiras antiveículo, temporárias ou definitivas”, explica. Em zonas de grande circulação, barreiras de concreto ou até mesmo metálicas, que são menos eficazes, impedem que veículos se aproximem dos pedestres. Para isso, pode-se alargar “o perímetro de exclusão”, isto é, a área livre de circulação de automóveis.
“Eu estava em Londres quando houve os ataques em 2005, e eles colocaram logo esses blocos de concreto armado temporários”, lembra o especialista. “Penso que essa será a tendência para já, colocar algo temporário e, depois, o bloqueio pode fazer parte do mobiliário urbano. Grandes blocos, grandes bolas que podem ter um design até interessante, e as pessoas podem não perceber para que servem, mas podem ser bastante eficazes.”
Porém, afirma, “isso tem custos e não pode ser feito em todo lado". "Eu diria que, sim, nas zonas de maior afluência de pessoas e de turistas. No caso da Europa, essa seria uma precaução mais evidente”, diz. Por outro lado, apenas medidas de curto prazo não bastam. Ele diz que é preciso ter uma melhor troca de informações entre as diferentes polícias de cada país, entre os governos, e, no caso da Europa, melhorar as relações com países árabes do norte da África e do Oriente Médio. “É necessário apostar nas relações com as comunidades muçulmanas locais, no sentido de que elas tenham confiança na polícia e possam reportar suspeitos”, opina.
Já Loretta Napoleoni acredita que a única forma verdadeiramente eficaz para impedir ataques são medidas de longo prazo. “Fechar as ruas não funciona. O que fazemos, fechamos todas as ruas? Não é possível”, critica. “Não existe um modo para evitar que nos matem enquanto caminhamos na rua. É preciso ir até a raiz e fazer uma política diferente daquela que estamos fazendo.”
É um problema da globalização, porque não existem mais fronteiras, porque existe a internet. É um problema do mundo, muito mais difícil do que o terrorismo localizado
Loretta Napoleoni, especialista em terrorismo internacional e autora de livros sobre o Estado Islâmico
Ela concorda que seja importante “trabalhar com a comunidade muçulmana europeia” e fazer com que eles ajudem os governos a reportar pessoas que tendem ao radicalismo religioso. “Mas esse tipo de parceria gera ainda mais tensão social. É necessária uma coordenação de nível internacional. Não existe só o antiterrorismo espanhol. Não basta um protocolo para regulamentar o antiterrorismo francês. Na verdade, seria preciso um antiterrorismo europeu”, defende a escritora. “É um problema da globalização, porque não existem mais fronteiras, porque existe a internet. É um problema do mundo, muito mais difícil do que o terrorismo localizado.”
Bruno Cardoso Reis pondera que, mesmo que se aumente a vigilância nas grandes cidades, a tendência é que se reduzam as liberdades da população. E é preciso que os serviços de emergência funcionem bem para que, no caso de um ataque se concretizar, o número de mortes possa ser reduzido ao mínimo. “A grande realidade desses ataques é que eles são muito fáceis de se desencadearem.”
Para a economista italiana, toda estratégia de segurança deve ser pensada conforme as características do Estado Islâmico. Trata-se de um grupo de poder decentralizado e formado por iniciativas independentes em diferentes partes do mundo. “O Estado Islâmico reivindica a autoria de todos esses ataques. Está claro. No caso de Barcelona, diz-se que eram 12 pessoas envolvidas” na preparação do ataque. Mas ela argumenta que o que une esses membros é, na verdade, uma ideologia. “A ideologia é um conceito abstrato, não é uma rede de comando, como era no caso da Al Qaeda. O Estado Islâmico é uma ideologia e o atentado é realizado por um grupo in loco, sem financiamento que venha de fora, sem estratégias que venham de fora. É tudo feito em casa.”
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