Dor pela Notre-Dame une cristãos e muçulmanos: "toca no coração de todos"
Entre as milhares de pessoas que assistiram de perto ao incêndio na Catedral de Notre-Dame na noite de segunda-feira (15), e a multidão de curiosos que se aglomerou nos arredores da igreja ontem, tristeza e choque eram sentimentos em comum a todos, independentemente da religião. Cristãos e muçulmanos se uniram na dor pela destruição parcial do monumento religioso e cultural.
Usando um hijab, lenço para cobrir o cabelo, e acompanhada do marido Farid, Fatian Maksoud, nascida na Argélia e que vive em Paris há mais de 30 anos, tirava fotos da fachada de trás na Notre-Dame, justamente a parte mais atingida pelo fogo. Ao lado do casal de muçulmanos, estava uma senhora parisiense, Anne Marie Leclerc, católica que frequentava semanalmente a igreja.
"Não importa qual seja a religião, o amor está sendo compartilhado por todos aqui. É assim que tem que ser. A Notre-Dame é um lugar sagrado para nós cristãos, mas eu já vi hoje aqui muçulmanos, judeus, budistas e ateus demonstrando seu apoio e amor. O que aconteceu toca no coração de todos", disse Anne Marie.
"A Notre-Dame é uma igreja cristã, mas é também um monumento histórico e mundialmente conhecido, importante. Nós somos muçulmanos, mas também ficamos tristes com essa destruição que aconteceu. Compreendemos a dor, somos solidários, por isso viemos aqui. Fazendo uma comparação, é tão triste como se tivesse pegado fogo na Mesquita de Meca [o templo mais sagrado para o islamismo, na Arábia Saudita]", por exemplo", afirmou Fatian.
Caminhando nas ruas próximas à Notre-Dame, a reportagem do UOL conversou com pessoas de diversas religiões, e a grande maioria mostrou opiniões nesta mesma linha.
Muçulmanos fazem campanha de arrecadação
Ontem, a Grande Mesquita de Paris, a maior da França e terceira maior da Europa, lançou uma campanha pedindo para os muçulmanos contribuírem financeiramente com a reconstrução da Notre-Dame. Através das redes sociais, o reitor Dalil Boubakeur deixou uma mensagem de solidariedade aos cristãos.
"Diante do espetáculo terrivelmente angustiante do incêndio na Notre-Dame, catedral de Paris consubstancial da França, nós oramos a Deus para salvaguardar este monumento tão precioso para os nossos corações", disse o reitor muçulmano.
Na França, a maioria da população é cristã, cerca de 60%, enquanto o islamismo é a segunda religião do país, representado atualmente por 8%. Com aumento da imigração, principalmente de países do norte da África, as projeções são de crescimento entre os muçulmanos nos próximos anos.
Hoje, os números ainda indicam que aproximadamente 30% das pessoas se declaram sem crenças. A França é um estado laico, e nas escolas não é permitido o ensino de qualquer tipo de religião e nem mesmo a representação de objetos ou símbolos religiosos.
"Lugar importante para a história"
Também passeando pela região da Notre-Dame nesta terça e observando a destruição parcial da catedral, os amigos argelinos Walid Dahmano e Dadi Dama, estudantes muçulmanos que moram em Paris há apenas um ano, explicaram mais um pouco do que sentiam ao presenciar um momento histórico e chocante.
"A Notre-Dame é um símbolo da França, o fogo nela é tão trágico como se fosse na Torre Eiffel, ou no Arco do Triunfo, no Louvre. Para mim, não me afeta por ser um templo católico, porque eu sou muçulmano, mas me toca por ser um lugar importante para o mundo, para a história, construído há quase mil anos. Sabemos que nem todos pensam igual, mas é preciso ter respeito sempre", disse Walid.
Em meio à tristeza da maioria, houve espaço para um pouco de felicidade e esperança no meio dos escombros. O artista venezuelano Ismael Mundaray, católico e morador da capital francesa há 30 anos, contou que recebeu a notícia que teve uma obra de arte dele salva que estava no interior da catedral consumida pelo fogo.
"Me avisaram há pouco que conseguiram retirar uma pintura minha intacta lá de dentro da Notre-Dame. Era um quadro que ficava ali do lado esquerdo da catedral, na capela da Nossa Senhora de Guadalupe. Estou esperando mais informações, mas parece que conseguiram salvar muita coisa, e as obras estão sendo guardadas em um lugar seguro. Pelo menos algumas boas notícias nesse momento", contou Ismael.
Muitos brasileiros também marcaram presença no meio da multidão de curiosos que estava perto deste ponto turístico de Paris no dia seguinte ao incêndio, e a turista Rafaela Almeida deixou uma mensagem de esperança.
"É legal ver essa união de várias crenças neste momento. Sabemos que existem algumas divergências e brigas religiosas e políticas pelo mundo, inclusive aqui na França. Mas apesar das diferenças, espero que sempre prevaleça esse respeito e solidariedade como agora."
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