Brasil não deve moldar sua política para satisfazer EUA, diz ex-embaixador
O Brasil acompanha a apuração dos votos das eleições nos Estados Unidos enquanto se pergunta quais serão as consequências para as relações entre os dois países. Para o ex-embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, entretanto, o país não deveria moldar a sua política externa pelas vontades do parceiro ao norte, mas sim definir seus próprios interesses.
Acho sim que nós precisamos ter uma política externa mais clara, porque nós não temos. Temos opções de pessoas ou de programas, mas o que eu não consigo enxergar é uma visão dos nossos interesses e da nossa diplomacia
Nesse sentido, ele defende que o Brasil não tenha que escolher entre uma política externa com os Estados Unidos ou com a China —que o governo americano vê como ameaça. É possível, segundo o embaixador, construir uma política externa de interesse do Brasil com os dois países.
Nós precisamos superar uma visão pendular da relação com os Estados Unidos em que uma hora estamos muito perto, outra hora estamos mais longe. Porque nós não podemos tomar as decisões não em função de opções preconcebidas, mas sim com base no mérito do assunto da agenda
Amaral foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos durante o governo de Michel Temer, entre 2016 e 2019. À frente da embaixada, trabalhou com o final da gestão de Barack Obama e Joe Biden e o início da gestão de Donald Trump e Mike Pence. Hoje ele é conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri)
Pressão democrata
Durante seu período em Washington, conheceu Biden pessoalmente e, pelo que já viu do democrata, não acredita que haverá ações deliberadas contra o Brasil caso ele seja eleito. Porém, acredita que outros setores do Partido Democrata podem exercer pressão no governo brasileiro na questão ambiental.
Ele é uma pessoa muito afável, gosta de relações internacionais, conhece bem a América Latina e gosta do Brasil. Eu não acredito que seja do temperamento dele tomar uma medida deliberadamente contrária ao Brasil
O diplomata ressalta que não seria apenas o governo democrata que faria pressão sobre o Brasil em temas climáticos e de direitos humanos. Países europeus já sinalizaram retaliações ao Brasil se este continuar com uma postura negacionista sobre as mudanças climáticas e desmatando a Amazônia. Sendo assim, quem isolaria o Brasil seriam as próprias ações brasileiras e não o novo presidente em si.
"As pessoas têm que entender que hoje o meio ambiente é a nova utopia no século 21. A utopia da minha geração era de fundo social. A utopia do século 21 é ambiental e contra a mudança climática. Este movimento por si só já tem força suficiente para influenciar os consumidores, os distribuidores, as lojas de varejo e supermercados para que não coloquem à venda nos seus produtos de venda aqueles que tiverem sido produzidos com o não-cumprimento do meio ambiente".
Aproximação ideológica
Sobre os seus anos à frente da embaixada durante o governo Trump, Amaral vê uma aproximação positiva entre os dois países, com o estabelecimento de prioridades de interesse para ambos. Um dos que ele cita é o acordo para o lançamento de satélites a partir do território brasileiro. "Esse comércio movimenta alguns milhões de dólares por ano. Cada lançamento custa quase de 40 a 60 milhões de dólares", conta.
Porém, com a chegada do governo Bolsonaro ao poder, houve uma aproximação de agenda ideológica entre os dois líderes, que não necessariamente trouxe ao Brasil tantos benefícios práticos.
Eu acho muito bom para o Brasil tem boas relações com os Estados Unidos. Eu acho muito bom ter uma boa química entre os presidentes. Mas é importante também que haja resultados concretos e que haja um engajamento de diferentes setores nessa cooperação, com vistas a resultados concretos
Risco por apoio
Ao longo do processo de apuração nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou expectativas sobre a vitória de Trump, em apoio quase aberto. Uma atitude semelhante ao que fez com o aliado argentino Maurício Macri, que perdeu a eleição em 2019 e hoje afeta as relações Brasil-Argentina. Nessa ação, o embaixador vê um risco de as relações com Biden já começarem ruins.
"Não é de praxe o governo fazer isso, não conheço governos que se manifestam em política interna dos outros países. Isso é um risco, porque, evidentemente, se o Trump for eleito, o presidente reforçará a sua relação com ele, que gosta desse tipo de relacionamento. Mas se ele não for eleito, a relação do Brasil com o novo presidente já começará com uma sombra. Porque evidentemente que nenhum governo ou país gosta que outro governo estrangeiro interfira nos seus assuntos internos."
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