Taleban fala em 'orgulho' após tomada e diz que mulheres poderão trabalhar
O grupo fundamentalista Taleban deu hoje sua primeira entrevista coletiva desde que assumiu o controle do Afeganistão, no último domingo. O porta-voz Zabihullah Mujahid disse se tratar de um "momento de orgulho para a nação" e afirmou que as mulheres poderão trabalhar e estudar "dentro de nossas estruturas", conforme a sharia, a lei islâmica, sem dar detalhes sobre o que isso significaria na prática.
O Taleban impõe uma interpretação radical e estrita da lei islâmica que restringe severamente os direitos das mulheres.
Quando questionado sobre o risco de o país abrigar terroristas da Al-Qaeda, Mujahid afirmou que "o solo do Afeganistão não será usado contra ninguém".
O porta-voz, que aparece pela primeira vez diante das câmeras, disse que "após 20 anos de luta emancipamos [o país] e expulsamos os estrangeiros".
Segundo ele, o plano inicial do grupo era parar nos portões de Cabul para que o processo de transição pudesse ser feito sem problemas. "Não queremos ver o caos em Cabul (...) Mas infelizmente, o governo anterior era tão incompetente ... suas forças de segurança não podiam fazer nada para garantir a segurança. Tivemos que entrar em Cabul para garantir a segurança dos moradores".
Imagens de multidões nas pistas do aeroporto em Cabul ontem chocaram o mundo. Centenas de pessoas corriam tentando alcançar aviões que estavam prestes a decolar para fugir do país — algumas até tentaram se segurar a uma aeronave em movimento. Houve relatos de tiros e mortes.
Papel das mulheres
Em resposta a uma pergunta sobre os direitos das mulheres, ele disse "vamos permitir que as mulheres trabalhem e estudem dentro de nossas estruturas".
Segundo a rede britânica BBC, Mujahid foi evasivo sobre o assunto, sem explicar o que isso significaria na prática.
Com o retorno do grupo ao poder, as afegãs temem perder os direitos sociais e econômicos que conquistaram nas últimas duas décadas.
"As mulheres serão muito ativas em nossa sociedade, dentro de nossa estrutura", afirmou Mujahid.
No entanto, algumas das mudanças já foram observadas na capital Cabul em relação às mulheres nos primeiros dias após a volta do Taleban ao poder.
Fotos nas redes sociais, por exemplo, mostram que vitrines com imagens de mulheres sem véu, maquiadas e com vestidos de festa estavam sendo arrancadas ou cobertas de tinta.
Suhail Shaheen, também porta-voz do grupo, disse que as mulheres não precisarão usar burca na rua, mas ainda terão de utilizar o hijab, véu islâmico que deixa o rosto à mostra, ao sair de casa.
"É pela segurança delas", justificou o representante em entrevista à rede britânica Sky News.
Além disso, Shaheen também ressaltou que as mulheres terão acesso a trabalhos e educação, mas "à luz da lei islâmica".
"Temos o direito de agir de acordo com nossos princípios religiosos. Outros países têm abordagens, regras e regulamentos diferentes ... os afegãos têm o direito de ter suas próprias regras e regulamentos de acordo com nossos valores.[Nós] estamos comprometidos com os direitos das mulheres sob o sistema da Sharia", disse Mujahid.
"Elas trabalharão ombro a ombro conosco. Gostaríamos de garantir à comunidade internacional que não haverá discriminação."
'Guerra afegã acabou'
O porta-voz disse ainda que o grupo não quer nenhum inimigo e que perdoa "todos aqueles que lutaram contra nós". Segundo o grupo, "a guerra afegã acabou"
"Queremos assegurar que o Afeganistão não seja mais um campo de batalha. Perdoamos todos aqueles que lutaram contra nós, as animosidades acabaram. Não queremos inimigos externos nem internos", disse.
Ontem, o presidente americano, Joe Biden, advertiu os talebans a não interromperem, nem ameaçarem a evacuação dos milhares de diplomatas americanos e tradutores afegãos no aeroporto de Cabul. A resposta a qualquer ataque seria "rápida e contundente", disse Biden em discurso televisionado da Casa Branca.
"Defenderemos nossa gente com uma força devastadora, se necessário", disse o presidente dos EUA.
Vice-líder volta ao Afeganistão
O vice-líder e cofundador do Taleban, Abdul Ghani Baradar, retornou para o Afeganistão hoje, dois dias depois da tomada de Cabul.
Baradar chefiava o escritório político do Talibã em Doha, no Catar, e desembarcou com uma delegação de alto escalão em Kandahar, capital do regime fundamentalista até a invasão americana de 2001. Segundo o grupo, o cofundador chegou em seu "amado país" durante a tarde (horário local).
Cotado como próximo presidente do Afeganistão, Baradar fundou o Taleban com o mulá Mohammed Omar em 1994 e virou um dos principais expoentes do movimento extremista.
Após ter retomado o comando do país, o Taleban agora trabalha na formação de um governo e vem tentando vender uma imagem de "moderado" para facilitar seu reconhecimento pela comunidade internacional.
Em seu primeiro regime, entre 1996 e 2001, o Taleban proibia a existência de escolas mistas, o que, na prática, impedia que meninas estudassem, e obrigava mulheres a usarem burcas ao sair de casa.
Apesar disso, essa imagem de moderação ainda é vista com ceticismo tanto pela comunidade internacional como internamente.
"Ninguém pode me ajudar, estou aqui sentada com minha família e meu marido. E eles virão atrás de pessoas como eu e me matar", disse ao jornal britânico "i" a prefeita mais jovem do Afeganistão, Zarifa Ghafari, de 27 anos.
Ativista pelos direitos das mulheres, ela é prefeita de Maidan Shahr desde 2019, mas agora teme retaliações do Taleban. "Estou destruída, mas não vou parar, mesmo que venham me buscar. Não tenho medo de morrer", acrescentou.
* Com informações da Ansa
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