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'Não sei se vou sobreviver', diz afegã feminista escondida em casa em Cabul

Afegã feminista está trancada na própria casa em Cabul e teme ser morta pelo Taleban - Arquivo pessoal
Afegã feminista está trancada na própria casa em Cabul e teme ser morta pelo Taleban Imagem: Arquivo pessoal

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

18/08/2021 04h00

Zeba (nome fictício) é feminista, frequentou a universidade e teve contato com estrangeiros ocidentais nos últimos anos. Um perfil capaz de colocá-la na mira do grupo extremista Talibã, que assumiu o poder no Afeganistão após ofensiva contra a capital Cabul no último domingo (15). É que o grupo tem uma interpretação radical da lei às mulheres da chamada "sharia", seguida pelos muçulmanos.

Minha única opção é fugir para um país vizinho. Sou feminista e trabalhei com estrangeiros. Tenho razões para acreditar que vou virar alvo do Talibã. Estou tentando me agarrar a qualquer oportunidade para cruzar a fronteira com outros países. Não sei se vou conseguir sobreviver. Há muitos riscos."

As lembranças da história recente do país atormentam a jovem de 25 anos, que concedeu entrevista ontem ao UOL em inglês. Ela diz ter se tornado uma prisioneira dentro da própria casa em Cabul, capital afegã. Com o grupo extremista no poder, vê uma possível fuga do país como a sua última esperança de sobrevivência.

Quando os talibãs governaram o país, entre 1996 e 2001, as mulheres só saíam de casa na companhia de um homem e eram obrigadas a trajar burca, veste que cobre todo o corpo. Proibidas de trabalhar e com restrições para estudar, eram punidas com apedrejamentos e até execuções públicas caso descumprissem as determinações dos fundamentalistas.

No ano 2000, mulheres esperavam para pegar 5 fatias de pão em frente a uma padaria da ONU, em Cabul, no Afeganistão - AFP - AFP
No ano 2000, mulheres formavam fila para pegar 5 fatias de pão em frente a uma padaria da ONU, em Cabul, no Afeganistão
Imagem: AFP

Nos últimos dias, Zeba tem buscado informações pela TV, em contato com amigas em situação semelhante e com os homens da família, que só saíram de casa ontem (17) para comprar mantimentos, já que havia receio de assassinatos em massa.

Quando assumiram o poder há mais de duas décadas, os talibãs assassinaram aqueles que saíram de casa nos primeiros dias. Foi por causa dessa experiência do passado que muitas pessoas ficaram em casa nesses primeiros dias."

As poucas mulheres que circularam pelas ruas eram mais velhas e já estavam com o corpo todo coberto por trajes típicas do país, em obediência às determinações dos extremistas. Um triste retrato dos anos de opressão sob o domínio do Talibã, há mais de duas décadas. E um claro sinal da volta de tempos nebulosos para o país.

Pânico antecedeu chegada do Taleban na capital

Os momentos que antecederam a tomada de poder do grupo extremista na capital foram de pânico, com pessoas queimando documentos e deixando às pressas os prédios governamentais.

"As pessoas entraram em pânico quando souberam que os talibãs estavam a caminho de Cabul. Depois que a população conseguiu chegar em casa, foi possível perceber um silêncio e uma atmosfera muito pesada. Em seguida, veio a notícia de que os talibãs estavam no palácio presidencial e tinham ocupado o país inteiro", lembra.

Segundo ela, a entrevista dada pelo grupo a uma jornalista é apenas uma tentativa de passar uma imagem menos radical ao mundo. Ela prevê um cenário trágico a partir das próximas semanas. Principalmente para as mulheres.

Dava para ver os cabelos e a maquiagem da jornalista. O Talibã não quer mostrar a sua verdadeira face porque a atenção do mundo inteiro está focada no país. Quando o tempo passar, os talibãs vão mostrar a sua verdadeira face de crueldade, opressão e assassinato."

Área externa do Aeroporto Internacional de Cabul, no Afeganistão, no último domingo - REUTERS - REUTERS
Área externa do Aeroporto Internacional de Cabul, no Afeganistão, no último domingo
Imagem: REUTERS

A conversa é interrompida por outra ligação. Zeba pede para retomar a entrevista dentro de alguns minutos, já que pode ter informações de amigas que tentam deixar o país às pressas. Com voos cancelados, afegãos tentam cruzar a fronteira com países vizinhos e enfrentam o risco de serem capturados ou mortos na remota esperança de voltarem a ter uma vida normal novamente.

Estamos surpresos que os talibãs ainda não estejam invadindo as casas para matar as pessoas. É o que esperamos para as próximas semanas. Estamos vivendo um pesadelo."