Topo

Temendo crise migratória, países relutam em aceitar refugiados afegãos

16.ago.2021 - Homem puxa uma criança para dentro dos muros do aeroporto internacional de Cabul, Afeganistão - Stringer/Reuters
16.ago.2021 - Homem puxa uma criança para dentro dos muros do aeroporto internacional de Cabul, Afeganistão Imagem: Stringer/Reuters

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

21/08/2021 04h00

As imagens de afegãos no aeroporto de Cabul, despencando ao tentarem embarcar nos aviões americanos causou comoção internacional. Desde o avanço do grupo extremista Talibã sobre a capital do Afeganistão, milhares de pessoas tentam deixar o país. No entanto, países vizinhos e envolvidos com o conflito no país relutam em abrir as fronteiras temendo uma nova crise migratória.

Segundo a Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), os afegãos são a segunda maior população refugiada no mundo (atrás da Síria) e a primeira da Ásia, com aproximadamente 2,5 milhões de pessoas.

O comissariado já emitiu um alerta na semana passada que, devido à piora da situação no Afeganistão, os países precisam dar apoio às pessoas migrantes e, principalmente, não retorná-los ao Afeganistão forçadamente.

Antes mesmo de o Talibã chegar a Cabul, a Acnur já havia registrado a chegada de 200 refugiados afegãos pela fronteira com o Irã. Desde o início deste ano, ao menos 400 mil afegãos se deslocaram internamente, sendo mais da metade a partir do mês de maio, depois de os EUA anunciarem a retirada das tropas. Desses 400 mil, 80% seriam mulheres e crianças.

Já em abril, na esteira do anúncio de Biden, pesquisadores já previam em um artigo no fórum de direito Just Security ligado à Universidade de Nova York, que a retirada das tropas poderia causar uma nova crise de refugiados no mundo. Agora, a ONU faz o mesmo alerta.

Em 2015, a ascensão do grupo terrorista autointitulado Estado Islâmico na Síria e no Iraque —logo após a retirada das tropas americanas do Iraque— levou ao maior êxodo de refugiados, em especial na Europa.

Vizinhos tentam impedir êxodo

Dois dos países que fazem fronteira com o Afeganistão, Irã e Paquistão, já haviam notado um aumento do fluxo migratório conforme o Talibã avançava no território afegão. De acordo com a Acnur, o Irã possui 800 mil refugiados em seu território, sendo 780 mil somente de afegãos.

Já prevendo o aumento do fluxo, o governo iraniano anunciou a instalação de tendas nas províncias de fronteira com o país. No entanto, o governo alertou que as acomodações seriam temporárias e "assim que as condições melhorarem, todos os afegãos serão repatriados", disse Hossein Ghassemi, chefe de assuntos de fronteira do Ministério do Interior, à agência de notícias IRNA

Lar de mais de 1,4 milhão de refugiados afegãos, fugidos desde a primeira vez que o Talibã tomou o poder, o Paquistão já se preparava em julho para receber até 700 mil afegãos. O governo, porém, alertou que não permitiria que os migrantes adentrassem no território, devendo permanecer em acampamentos próximos da fronteira. Agora que o fluxo começou, o governo reforçou essa posição.

"Nossa economia não é estável o suficiente para levar mais e, ao mesmo tempo, a situação da covid-19 não nos permite abrir fronteiras", justificou o Ministro da Informação Fawad Chaudhry à revista Time.

Outros três países fronteiriços, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão, aumentaram a segurança das fronteiras conforme o Talibã avançava e realizaram exercícios militares. Segundo as autoridades desses países à rede do Catar Al Jazeera, o temor é não só com o fluxo de refugiados, mas com a entrada de combatentes terroristas em seus países.

Europa teme um novo 2015

16.ago.2021 - Tumulto no aeroporto de Cabul, no Afeganistão - Reprodução - Reprodução
16.ago.2021 - Tumulto no aeroporto de Cabul, no Afeganistão
Imagem: Reprodução

Um ponto de atenção dos países europeus é a fronteira da Turquia com a Grécia. Os afegãos eram o segundo maior grupo a entrar na União Europeia depois dos sírios. Porém, o fluxo diminuiu fortemente a partir de março de 2016, quando o governo turco aceitou impedir a passagem de imigrantes em troca de uma ajuda de 6 bilhões de euros do bloco.

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan é conhecido por utilizar o fluxo de refugiados em sua fronteira como moeda de troca com a União Europeia. Erdogan já disse que o país não é um "santuário de refugiados afegãos". Segundo a Al Jazeera, o governo está intensificando a construção de um muro na fronteira com o Irã para impedir as passagens.

Refletindo a atitude turca, a Europa que em 2015 recebeu grande parte dos refugiados sírios, dessa vez mudou de postura. A Alemanha, na época elogiada por abrir suas portas, hoje diz que não pode resolver os problemas do mundo.

O Reino Unido, que agora não faz mais parte da União Europeia como antes, já disse que receberá 20 mil refugiados afegãos nos próximos anos, especialmente mulheres, crianças e minorias. Mas limitou o número a 5.000 para este ano.

Enquanto isso, outros países da União Europeia, como Áustria, defendem a criação de "centros de deportação" e se colocaram contra a suspensão da deportação de afegãos com asilo negado no bloco. A Grécia já informou que não aceitará ser porta de entrada novamente e a França pediu uma resposta "robusta" à possível crise.

Com eleições se aproximando na França e na Alemanha, esses países temem que um novo fluxo migratório reacenda a onda conservadora e radical que se instalou na Europa na época, impulsionada por um sentimento xenofóbico contra os imigrantes. Políticos da AfD(Alternativa para Alemanha) e Marine Le Pen na França já tentam surfar na situação.

"Portas abertas para milhares de homens, incluindo terroristas em potencial, absolutamente não", escreveu no Twitter o ex-premiê italiano Mateo Salvini, que no passado foi um nome proeminente da política antimigração.

"Não há dúvida de que esta situação apresentará ao nosso país um risco maior de ataques e a perspectiva de novas ondas de imigração", disse Marine Le Pen.

EUA concentrados em resgatar aliados

Avião teria decolado de Cabul com 640 passageiros - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Avião teria decolado de Cabul com 640 passageiros
Imagem: Reprodução/Instagram

Depois de ocuparem o Afeganistão durante os últimos 20 anos com anuência de seus aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), os Estados Unidos precisam agora resgatar os afegãos que os ajudaram. Enquanto a Europa e os vizinhos da Ásia Central temem um fluxo migratório, os EUA disseram que estão focados em retirar americanos e aliados.

De acordo com o jornal americano "The New York Times", mais de 300 mil civis ajudaram as forças americanas durante todo esse tempo, mas poucos deles se aplicam ao programa de proteção aos refugiados.

As cenas no aeroporto de Cabul na última segunda-feira (16) foram em grande parte protagonizadas por civis que ajudaram os americanos e agora temem serem mortos pelo Talibã por isso.

Cerca de 2.000 pessoas chegaram aos EUA pelos voos de evacuação que saíram do Afeganistão desde julho. No entanto, aqueles que se aplicam ao pedido de visto especial enfrentam lentidão no processamento. Com a chegada do Talibã, o número de evacuados subiu para 15 mil.

Ao todo, mais de 34 mil vistos foram autorizados nos Estados Unidos, mas somente 15 mil afegãos foram reassentados no país. Outros 18 mil têm pedidos pendentes, segundo o NYT.

Enquanto imagens do avião americano lotados de evacuados circulavam o mundo, o governo Biden prometia transportar "mais famílias" afegãos, mas sem dar mais detalhes. O governo tenta negociar com outros países do Oriente Médio para receberem os afegãos enquanto processa os pedidos de visto.

"Esta é uma das maiores e mais difíceis pontes aéreas da história, e o único país do mundo capaz de projetar tanto poder do lado mais distante do mundo com este grau de precisão são os Estados Unidos da América", afirmou Biden em um discurso na Casa Branca.

Enquanto retira os cidadãos americanos e aliados, o Talibã monta postos de controle nos acessos do aeroporto na tentativa de impedir a entrada de afegãos no local. A situação do aeroporto, e daqueles que ficarem para trás, depois da completa retirada americana do Afeganistão, é completamente incerta.