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Eleições na Alemanha expõem desejo de mudanças e de distância do Brasil

Olaf Scholz (SPD), Armin Laschet (CDU) e Annalena Baerbock (Partido Verde) aparecem à frente na disputa na Alemanha - Getty Images
Olaf Scholz (SPD), Armin Laschet (CDU) e Annalena Baerbock (Partido Verde) aparecem à frente na disputa na Alemanha Imagem: Getty Images

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

25/09/2021 04h00

Os alemães vão amanhã às urnas para escolher o futuro governo após 16 anos de Angela Merkel como chanceler. Os cenários ainda são incertos, mas pesquisas apontam que o eleitorado quer mudanças, embora sem rupturas bruscas. Independentemente de quem ganhar, as relações com o Brasil de Jair Bolsonaro devem continuar em desgaste.

As pesquisas de intenções de voto apontam o candidato de centro-esquerda Olaf Scholz, do partido SPD (Partido Social-Democrata), à frente dos adversários, mas por uma margem muito pequena e apenas no final da corrida eleitoral.

Logo em seguida está Armin Laschet, da CDU/CSU (União Democrata Cristã), partido de Merkel, que derreteu após aparecer rindo durante visitas às regiões inundadas pelas grandes chuvas deste ano. Em terceiro, está Annalena Baerbock, do Partido Verde, que também começou bem, mas perdeu terreno no final.

O voto dos indecisos pode mudar a corrida. "Essas eleições são vistas como as mais incertas e imprevisíveis desde o pós-Guerra", diz Aline Burni, pesquisadora no Instituto Alemão de Desenvolvimento e membro do Observatório da Extrema Direita.

Ainda assim, a disputa está entre dois partidos bastante tradicionais e que comumente dividem o governo. Tem duas novidades: a oposição entre CDU e SPD, que aponta que quem perder não estará na coalizão do vencedor e uma futura coalizão muito provavelmente formada por três partidos, para que haja maioria.

"Ainda que a gente não saiba qual coalizão vai sair dessas eleições, o que a gente espera é que qualquer uma não vai conseguir prometer e entregar mudanças muito radicais", explica Aline.

Ainda que os eleitores queiram mudança, também querem permanecer num terreno de estabilidade e segurança. Além disso, os partidos apresentam seus programas durante as eleições e viram outra coisa quando eles entram em coalizão."
Aline Burni, pesquisadora no Instituto Alemão de Desenvolvimento e membro do Observatório da Extrema Direita

Se as pesquisas estiverem corretas e a SPD sair vencedora, há incerteza sobre quem será a terceira chapa da coalizão. A segunda será o Partido Verde, cuja agenda ambiental é muito forte. Já a terceira pode ser com os liberais da FDP ou a esquerda do À Esquerda.

Esta última possibilidade, porém, causa preocupação no eleitorado conservador. Não à toa, Laschet utilizou a cartada da "volta da esquerda" como arma na campanha eleitoral, na tentativa de assustar os indecisos.

"Seja quem for que ganhe, não vai sair como grande vencedor", afirma Kai Enno Lehmann, professor associado do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo). "O que vai decidir a coalizão no final vai ser a necessidade."

O que muda para o Brasil?

Os analistas são unânimes em dizer que, sob o governo de Jair Bolsonaro, não haverá mudanças nas relações com o Brasil, não importando quem seja o vencedor. "Enquanto Bolsonaro estiver no poder, a gente não vai ter grandes mudanças. O novo governo alemão vai continuar mantendo distância do governo Bolsonaro", afirma Lehmann.

Em termos domésticos, eles não ganham nada em manter uma relação próxima com o Brasil, mas com Bolsonaro eles podem potencialmente perder muito. Mesmo o eleitorado mais conservador da CDU não tem uma opinião boa do Bolsonaro.
Kai Enno Lehmann, professor associado do Instituto de Relações Internacionais da USP

Segundo os professores, em termos de mudança, as eleições brasileiras do ano que vem serão mais determinantes do que as eleições alemãs de agora. A depender de quem saia vencedor, se um outro candidato ou Bolsonaro se mantenha, a Alemanha pode pensar em mudanças retóricas, em especial na questão ambiental.

"A Alemanha diz que acompanha com preocupação esses recentes desenvolvimentos no Brasil em relação a ataques aos direitos humanos, diminuição de liberdades civis e o aumento do desmatamento. Mas a princípio não vai deixar de ser um parceiro por causa do governo", diz Aline Burni.

Embora o Brasil não seja uma prioridade na política externa da Alemanha, ele tem relevância por ser o maior parceiro comercial na América Latina. Mas os atritos envolvendo a questão ambiental amoleceram estas relações, a ponto de congelar o acordo União Europeia-Mercosul, que se desenhava há anos.

Além disso, Bolsonaro já se desgastou com os futuros chanceleres e também com o eleitorado alemão ao declarar apoio aberto ao partido AfD (Alternativa para Alemanha), considerado um pária por ser de extrema-direita e com posições neonazistas.

"Bolsonaro conseguiu com certa eficiência se colocar como o espantalho do mundo", explica Leonardo Paz, analista no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV (Fundação Getúlio Vargas). "Se você quer ganhar pontos com as suas bases mais progressistas, você reclama do Bolsonaro."

Há um mês, Bolsonaro recebeu no Brasil a visita da deputada da AfD Beatrix von Storch, que gerou repercussões negativas internamente. Na Alemanha, a visita foi vista como um evento esdrúxulo entre párias e desagradou até mesmo gente dentro da própria AfD, incluindo o presidente do partido.

Beatrix von Storch e Bolsonaro - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Beatrix von Storch e Jair Bolsonaro
Imagem: Reprodução/Instagram

A liderança da AfD é um pessoal que quer se distanciar do Bolsonaro. Eles têm clareza de que ele é meio tóxico e não querem chegar muito perto dele porque sabem que isso custa politicamente."
Leonardo Paz, analista no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV

A AfD sofre hoje um racha interno sobre ser mais moderada, e assim se tornar mais viável eleitoralmente, ou aderir de vez à agenda ideológica. A ala moderada é contra se associar ao bolsonarismo, pelos custos políticos que traz. Mas até o momento a ala ideológica tem conquistado mais espaço. De qualquer forma, o partido não terá sucesso nestas eleições e não deverá compor o governo, seja qual for o vencedor.

O fim da era Merkel, sem sucessores

Merkel deixa o poder aos 67 anos depois de uma década e meia sendo vista como a líder forte não só da Alemanha, mas da União Europeia como um todo. Seu legado é o de um governo estável e bastante previsível, com poucas mudanças em questões de gênero —que era uma expectativa—, portas abertas durante a crise migratória e uma boa gestão da pandemia.

Por outro lado, um legado forte tornou difícil fazer sucessores. Laschet nem ao menos era uma opção. Sua favorita era Annegret Kramp-Karrenbauer, que chegou a ser chamada de nova Merkel. Mas ela desistiu da candidatura e da liderança do partido em 2020, após polêmica envolvendo o partido de extrema-direita na região da Turíngia.

"Merkel era uma potência não só da política alemã, mas da política europeia", diz Leonardo Paz. "Ela foi um pilar dentro da União Europeia, das negociações e dos posicionamentos. Então é difícil saber quem vai pegar esse bastão e como essa pessoa vai conseguir lidar com isso."

Segundo Kai Enno Lehmann, foi justamente a enorme popularidade e força de Merkel que dificultaram a construção de um sucessor forte. "Ela muitas vezes foi definida como mãe da nação. Ela até tem um apelido que é 'mãezinha'", conta.

Ela assumiu esse papel de mãe da nação, que é acima do lado partidário. Isso fez com que os associados do partido ficassem longe dela ideologicamente. Aí ela não conseguiu emplacar um candidato forte."
Kai Enno Lehmann, professor associado do Instituto de Relações Internacionais da USP