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Brasil tem arma nuclear ou já quis desenvolver? Conheça os planos

Usina nuclear de Angra 1 - Luciana Whitaker/Folhapress
Usina nuclear de Angra 1 Imagem: Luciana Whitaker/Folhapress

Rebecca Vettore

Colaboração para UOL

27/03/2022 04h00Atualizada em 29/03/2022 14h43

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, a ameaça de armas nucleares paira no ar e preocupa o mundo inteiro. Na terça-feira (22), o porta-voz do presidente Vladimir Putin, Dmitry Peskov, disse que o país ainda não atingiu nenhum de seus objetivos militares com a guerra e não negou que Moscou poderia usar as armas nucleares.

Em entrevista concedida à CNN, quando Peskov foi questionado sobre em quais condições Putin usaria a capacidade nuclear do país, o diplomata simplesmente respondeu: "se é uma ameaça existencial para o nosso país, então pode ser".

Essa não é a primeira vez que o presidente russo ameaça usar os recursos extremos na guerra. No mês passado, Putin sugeriu que usaria as armas nucleares contra nações que representassem riscos à Rússia. "Não importa quem tente ficar em nosso caminho ou ainda mais criar ameaças para nosso país e nosso povo, eles devem saber que a Rússia responderá imediatamente, e as consequências serão como você nunca viu em toda a sua história."

Com a tensão nuclear no ar, surge uma dúvida: e o Brasil? Temos armas nucleares só esperando para serem usadas? Existe alguma reserva do material em solo verde e amarelo? Em algum momento da história o tema já foi debatido? Confira mais informações sobre o assunto.

Armas nucleares e o Brasil

O Brasil não tem nenhuma arma nuclear, mas se cogitasse criar, provavelmente teria capacidade tecnológica e conhecimento para a produção, de acordo com os peritos do Laboratório Nacional de Los Alamos, do Departamento de Energia dos Estados Unidos.

Ainda segundo os especialistas, o desenvolvimento do armamento pesado poderia ser feito em um ano no país, até mesmo em uma pequena usina de enriquecimento, como a de Resende. As centrífugas da INB (Indústrias Nucleares Brasileiras) - fundadas em 1998 para impulsionar a produção da energia nuclear no país - só precisariam ser reconfiguradas para fabricar urânio altamente enriquecido para criar as bombas nucleares.

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Usinas das Indústrias Nucleares Brasileiras, em Resende (RJ)
Imagem: Bruno Domingos/Reuters

Se o governo brasileiro decidisse começar a fazer as armas, sofreria retaliações importantes de outras nações. Isso acontece porque o Brasil passou a ser um dos Estados participantes do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear) em 1998.

O documento, que entrou em vigor em 1970, tinha como objetivo limitar o armamento nuclear de EUA, Rússia, Reino Unido, França e China. Também dizia que as nações não poderiam transferir essas armas para os países não nucleares, nem auxiliá-los a obtê-las.

Para Lucas Carlos Lima, professor de Direito Internacional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o TNP posiciona os Estados detentores de armas nucleares numa posição privilegiada. "Não por acaso é comumente referenciado como um tratado iníquo. Aos detentores, cabe a obrigação de não permitir a proliferação. Aos não-detentores, a obrigação de não receber e não desenvolver."

A promulgação da Constituição Federal de 1988 e o fim da Guerra Fria, pressionaram o Brasil para aderir ao tratado, segundo Ival de Assis Cripa, doutor em Teoria e História Literária e professor do curso de extensão de história da América Latina da PUC (Pontífice Universidade Católica). Por isso, em 7 de dezembro de 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso decretou a adesão do Brasil ao TNP.

Ao começar a participar do TNP, o Brasil passou a estar alinhado com normas e tendências globais, e se comprometeu a não adquirir esse tipo de arma. Mas continuou com o direito a pesquisar e desenvolver energia nuclear para fins pacíficos, desde que os estudos fossem monitorizados por inspetores da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). A adesão passou a ser vista pelos governos civis como uma forma de levar uma imagem positiva ao mundo do Brasil em termos de confiabilidade.

Na época, a proibição de criar armas nucleares também entrou na Constituição de duas formas. No artigo 21: toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional. E no parágrafo 2 do 5º artigo: os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

"Se o governo tentar construir armas nucleares estará desrespeitando a Constituição e terá problemas internos por não respeitar a carta magna. E também sofrerá sanções e embargos externos, pois assinou o TNP", conta Assis Cripa.

Programa nuclear brasileiro

No final dos anos de 1930, a pesquisa teórica sobre energia nuclear começou na USP (Universidade de São Paulo). Em 1947, foi escrita a primeira política nuclear por Álvaro Alberto da Mota e Silva, oficial da marinha e entusiasta do tema. A norma foi aprovada pelo CSN (Conselho de Segurança Nacional) e começou a ser implementada no início em 1951, com o estabelecimento do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisas).

Além de promover pesquisas científicas e tecnológicas, o CNPq também deveria desenvolver estudos sobre recursos minerais relevantes e expandir a industrialização da energia nuclear.

Durante a década de 1950, o presidente Getúlio Vargas se mostrou um grande incentivador do desenvolvimento da capacidade nuclear nacional e independente. Em 1956, o Brasil recebeu dos EUA um reator de pesquisa alimentado por urânio enriquecido em 90%. O equipamento do programa 'Atoms for Peace', foi instalado na Universidade de São Paulo, sob a jurisdição do governo federal.

O presidente Getúlio Vargas - Hulton Archive/Getty Images - Hulton Archive/Getty Images
Presidente Getúlio Vargas foi grande incentivador do desenvolvimento da capacidade nuclear nacional e independente
Imagem: Hulton Archive/Getty Images

Entre os anos 1970 e 1980 (período da ditadura militar), o Brasil e a Argentina embarcaram em uma competição nuclear, com a transferência de tecnologia da Alemanha Ocidental, que não exigia amparo da AIEA. Por um tempo, o Brasil seguiu com programas paralelos de armas nucleares, geridos pelo Exército, Marinha e Aeronáutica.

O programa da Marinha, instalado no Centro Experimental de Aramar, em Iperó-SP, que era destinado à construção de um submarino nuclear brasileiro, foi o que mais prosperou, obtendo urânio enriquecido em 20% por ultracentrifugação.

"O tema do armamento nuclear apareceu com alguma frequência na pauta brasileira. O Brasil demorou a aderir ao TNP e os tomadores de decisão, principalmente no período militar, sempre se viram diante dessa escolha. Havia também certa tensão em relação a uma possível competição com a Argentina na matéria, resolvida num acordo em que é criada uma agência conjunta. Depois da adesão ao Brasil ao TNP, o debate público foca em outras questões", contou Lima.

Com o tempo, o tema do armamento nuclear foi deixado de lado. Três anos antes de assinar o TNP, a primeira usina nuclear brasileira começou a funcionar, a Angra 1. O local foi feito para gerar energia e não armas, com um reator de água pressurizado, o mais utilizado no mundo. Angra 1 foi desenvolvida para ter uma vida útil de 40 anos, por isso, para que a unidade continue trabalhando, em 2024 a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) precisará dar uma nova autorização para a Eletronuclear.

Demonstrando estar longe de querer construir qualquer tipo de armamento nuclear, em 1991, o Brasil assinou um acordo para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear com a Argentina. A ação deu início a criação da ABACC (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares).

Com o mesmo objetivo da primeira usina, Angra 2 começou a funcionar em 2000 e na sequência passou a ser desenvolvida Angra 3. Mas a construção, que começou há 38 anos, ainda não foi totalmente concluída.

Políticos que já pediram pelas armas nucleares

Mesmo depois da assinatura do tratado, diversas autoridades já pediram para que as armas nucleares fossem construídas em solo brasileiro.

Em 2019, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, enquanto ocupava o cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, defendeu o desenvolvimento do armamento pesado. "São bombas nucleares que garantem a paz ali no Paquistão. Como seria a relação do Paquistão com a Índia se só um dos dois tivesse bombas nucleares? Será que seria da mesma maneira do que hoje? Claro que não."

Vendo em retrocesso, em 2003, Roberto Amaral, então ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula, defendeu a mesma ideia do deputado federal durante o primeiro ano de mandato do petista.

No final da década de 1990, Enéas Carneiro, político que chegou a se candidatar três vezes à Presidência da República, chegou a pedir a criação da bomba atômica para proteger o Brasil de possíveis inimigos.

Para Lucas, que além de professor da UFMG trabalhou como advogado nos casos do Desarmamento Nuclear na Corte Internacional de Justiça, é inevitável que no debate público algumas autoridades mais extremadas só levem argumentos defendendo uma nuclearização do arsenal brasileiro.

Mas o importante é diferenciar o desenvolvimento e aproveitamento de energia nuclear do desenvolvimento de armamento nuclear. "Soberania energética é diferente do desenvolvimento de armas que podem acabar com a vida de milhares de pessoas em segundos", completou Lima.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O Brasil passou a ser um dos Estados participantes do Tratado de Não Proliferação Nuclear em 1998, o texto já foi arrumado.