Bombardear hospital é crime de guerra? Veja as violações previstas

Um ataque a um hospital em Gaza levou à morte de pelo menos 500 pessoas, afirmou o Ministério de Saúde local. O Hamas acusou Israel da autoria do ataque e chegou a chamar o ato de "genocídio".

O ataque atingiu o Hospital Batista Al-Ahly Arab, localizado no centro da cidade de Gaza. O Hamas também atribuiu o ataque a Israel e chamou o ato de "crime de guerra", segundo nota obtida pela CNN.

Bombardear hospital é crime de guerra?

O crime de guerra ocorre quando uma das partes ataca voluntariamente pessoas e materiais não militares.

De acordo com o Gabinete de Prevenção do Genocídio das Nações Unidas, crimes de guerra são violações do direito internacional humanitário.

Portanto, fica proibido, segundo o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, "dirigir intencionalmente ataques contra edifícios dedicados à religião, educação, arte, fins científicos ou de caridade, monumentos históricos, hospitais e lugares onde doentes e feridos são recolhidos, desde que não sejam objetivos militares".

Ou seja, bombardear hospital é crime de guerra. Se constatado que o episódio ocorrido hoje em Gaza for um crime de guerra cometido por algum autor nomeado ou governo, os responsáveis podem ser presos e levados para julgamento em Haia, na Holanda.

Quais seriam crimes de guerra no conflito Israel x Hamas?

Por parte do Hamas, a ONG Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York, citou como possíveis crimes de guerra os ataques deliberados contra civis, as ofensivas indiscriminadas com mísseis e a tomada de civis como reféns pelo grupo islamista. Do lado israelense, estariam sujeitos à mesma qualificação os contra-ataques em Gaza que mataram centenas de palestinos.

"Assassinatos deliberados de civis, tomada de reféns e vingança coletiva são crimes hediondos que não têm justificativa", condenou Omar Shakir, diretor para Israel e Palestina do Órgão, conforme a Deutsche Welle.

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O que são crimes de guerra?

Um crime de guerra consiste numa grave violação do direito internacional contra civis e combatentes durante conflitos armados. A classificação faz parte de um complexo sistema judiciário que emergiu após a Segunda Guerra Mundial com os Julgamentos de Nurembergue.

As regras internacionais de conflito armado foram estabelecidas em 1949 pelas Convenções de Genebra, ratificadas por todos os Estados-membros da ONU e complementadas por decisões de tribunais internacionais de crimes de guerra.

Uma série de tratados rege o tratamento de civis, soldados e prisioneiros de guerra num sistema conhecido coletivamente como Direito dos Conflitos Armados ou Direito Humanitário Internacional. Ele se aplica às forças governamentais e aos grupos armados organizados, incluindo os militantes do Hamas.

Os crimes de guerra, especificamente, assim como os crimes contra a humanidade, foram definidos no Estatuto de Roma de 1998, que serviu de base para a criação do TPI (Tribunal Penal Internacional).

Nele, estão contemplados mais de 50 cenários possíveis, tais como assassinato, tortura, estupro e tomada de reféns. O estatuto também inclui ataques deliberados a centros populacionais indefesos não considerados alvos militares.

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Um crime contra a humanidade, portanto, é definido como "um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra qualquer população civil", incluindo assassinato e extermínio, bem como escravização e deportação ou deslocamento forçado.

Alguns dos atos considerados crimes de guerra são:

  • lançar ataques propositalmente contra civis
  • privar prisioneiros de guerra de julgamento justo
  • torturar prisioneiros de guerra
  • pegar reféns entre a população civil
  • forçar deslocamentos
  • utilizar gás venenoso
  • estupro e agressão sexual

Contudo, nem sempre atos como esses foram considerados crimes. Isso ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, quando as autoridades internacionais se atentaram para exageros cometidos contra a humanidade em momentos de conflito.

Já o genocídio é um tipo de crime de guerra, considerado mais grave do que o assassinato ilegal de civis, porque configura extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso.

Como esses crimes são julgados?

Em caso de crime de guerra, cabe aos tribunais nacionais a aplicação da assim chamada jurisdição universal, cujo âmbito, porém, é limitado.

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O Tribunal Penal Internacional tem como objetivo julgar indivíduos por violações e crimes cometidos em conflitos ao redor do mundo. Ele segue os acordos feitos na Convenção de Genebra (1949), quando foram assinados tratados internacionais para diminuir as consequências das guerras sobre a população civil.

Quando eventuais atrocidades não são levadas à Justiça internamente, o TPI é o único órgão jurídico internacional capaz de apresentar acusações. Inaugurado em Haia em 2022, ele é o tribunal mundial permanente para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Sua jurisdição abrange crimes cometidos pelos seus 123 Estados-membros e seus respectivos cidadãos.

Mas muitas das principais potências mundiais não o integram, como China, Estados Unidos, Rússia, Índia e também o Egito. O TPI reconhece a Palestina como Estado-membro, enquanto Israel rejeita a jurisdição do tribunal e não se envolve formalmente com ele.

Quais são as limitações do TPI?

Com um orçamento e quadro de funcionários limitados, o TPI investiga atualmente 17 casos, que vão desde a Ucrânia até o Afeganistão, passando por países como Sudão e Mianmar.

Em relação à Palestina, o TPI investiga desde 2021 supostos crimes de guerra e contra a humanidadecometidos nos territórios ocupados. Para 2023, foi alocado um orçamento de pouco menos de 1 milhão de euros, mas o tribunal busca atualmente recursos adicionais.

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Veja como evoluíram alguns julgamentos de guerra:

Crimes no Afeganistão

Em 2020, o Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu uma investigação contra militares dos Estados Unidos por supostos crimes de guerra e contra a humanidade cometidos no Afeganistão. Teriam sido cometidos atos de tortura, tratamento cruel, ultrajes à dignidade pessoal, estupro e violência sexual em 2003 e 2004. As acusações também cobrem os atos do Talibã e das forças de seguranças afegãs.

A investigação foi adiada depois de um pedido das autoridades afegãs para assumir o caso, mas retomadas em 2021.

Outras acusações surgiram em 2020 contra 39 integrantes das forças especiais australianas. Um relatório do próprio país recomenda a punição a dezenove suspeitos pelo assassinato de civis afegãos a sangue frio e a indenização às famílias das vítimas.

Prisão de Abu Ghraib

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Em 2003, durante a Guerra do Iraque, os Estados Unidos também foram acusados de cometer crimes de guerra na prisão de Abu Ghraib, a 32 km da capital Bagdá. O local foi palco de torturas, abuso sexual a assassinato.

O governo norte-americano chegou a afirmar que os crimes eram atos isolados, mas o Comitê Internacional da Cruz, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch afirmaram que os atos brutais aconteciam em outros lugares além do Iraque, como no Afeganistão e na Baía de Guantánamo, em Cuba.

Documentos conhecidos como Memorandos de Tortura demonstraram a participação do governo nos crimes. Os Estados Unidos não foram julgados pelos crimes até hoje.

Genocídio em Ruanda

Foi um massacre em massa de pessoas dos grupos étnicos tutsi, twa e de hutus moderados em Ruanda, que ocorreu entre 7 de abril e 15 de julho de 1994 durante a Guerra Civil de Ruanda. Nesse período, cerca de 800 mil tutsis foram mortos por milícias hutus, sobretudo com o uso de facões.

Não houve nenhum tipo de mobilização internacional para impedir esse massacre, e mesmo as tropas existentes da ONU foram retiradas do país.

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Em 1998, a Corte Criminal Internacional para a Ruanda, um tribunal especialmente criado pelas Nações Unidas para julgar crimes de guerra e crimes contra a humanidade naquele país, condenou Jean-Paul Akayesu por genocídio e crimes contra a humanidade.

Ele participou e supervisionou o massacre enquanto era prefeito da cidade ruandense de Taba. Foi a primeira condenação por crime de genocídio da história.

Os julgamentos de Nuremberg

Em 1945 e 1946, após o término da Segunda Guerra, alguns dos responsáveis pelo Holocausto foram levados a julgamento em Nuremberg, na Alemanha. Juízes das Forças Aliadas (Grã-Bretanha, França, União Soviética e Estados Unidos) presidiram os interrogatórios de 22 dos principais criminosos nazistas. Doze deles receberam pena de morte.

Entre os acusados estavam oficiais do Partido Nazista e militares de alta patente, além de empresários, advogados e médicos que colaboraram ativamente com o projeto nazista.

Ficaram estabelecidas três categorias de crimes:

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  • crimes contra a paz - planejamento e engajamento em atividades de guerra que descumprissem acordos internacionais;
  • crimes de guerra - como tratamento impróprio a civis e prisioneiros de guerra;
  • crimes contra a humanidade - assassinato, escravização, deportação e perseguição a civis com base em motivos políticos, religiosos ou raciais.

Muitos outros criminosos nunca foram julgados. Mas os julgamentos de nazistas continuaram acontecendo na Alemanha e em muitos outros países.

*Com informações publicadas pela Deutsche Welle em 17/10/2023 e matéria publicada em 23/09/2023

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