9 viagens em 6 meses: Milei evita chefes de Estado e aposta em EUA e Trump
O presidente da Argentina, Javier Milei, voltou na semana passada de sua nona viagem oficial ao exterior, a quarta aos Estados Unidos. Desde que tomou posse, em dezembro do ano passado, ele priorizou países com governos alinhados aos seus ideais, participou de eventos da extrema direita e mal se encontrou com chefes de Estado. A postura é criticada pela oposição e comparada por especialistas à de Jair Bolsonaro quando era presidente do Brasil.
Países e roteiros
Primeira viagem internacional de Milei foi à Suíça. O presidente argentino voou a Davos para participar do 54º Fórum Econômico Mundial e "plantar a ideia de liberdade". Em discurso, disse que o Ocidente "está em perigo" e que o socialismo é um fenômeno que leva à pobreza. "O capitalismo de livre iniciativa é a única ferramenta que temos para acabar com a fome e a pobreza", disse Milei, que ficou no país de 15 a 19 de janeiro.
Em fevereiro, o presidente argentino viajou a Israel. Na ocasião, Milei visitou o Muro das Lamentações, local sagrado para os judeus, e chorou. Também afirmou que tem planos de tirar a embaixada da Argentina de Tel Aviv e instalá-la em Jerusalém, cidade que Israel considera sua capital. Ainda se reuniu com o presidente israelense Isaac Herzog e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Na 3º viagem oficial, Milei visitou Itália e Vaticano. O presidente argentino emendou uma ida a Roma e à Cidade do Vaticano, onde esteve com o papa Francisco. No encontro, Milei presenteou seu compatriota com alfajores e biscoitos argentinos e pediu desculpas por tê-lo chamado de "imbecil que defende a justiça social". Também se reuniu com a primeira-ministra Giorgia Meloni e o presidente Sergio Mattarella. Ao todo, o giro por Israel, Itália e Vaticano durou pouco mais de uma semana.
Primeira ida aos EUA aconteceu ainda em fevereiro. Na quarta viagem internacional em dois meses de governo, Milei foi a Washington, DC, para palestrar na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC). O argentino se encontrou com o ex-presidente Donald Trump nos bastidores do evento, e os dois conversaram por menos de dois minutos. "Torne a Argentina grande de novo", disse Trump a Milei, fazendo referência ao seu slogan de campanha em 2016 ("Make America great again").
Presidente argentino foi aos EUA de novo em abril. Desta vez, Milei se reuniu com o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e visitou uma fábrica da Tesla em Austin, no Texas. Esta segunda viagem aos EUA aconteceu em meio aos ataques de Musk ao Judiciário brasileiro e, mais especificamente, ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Milei chegou oferecer ajuda ao empresário para lidar com o "conflito" nos âmbitos judicial e político no Brasil.
Terceira viagem aos EUA teve novo encontro com Musk. Em maio, Milei participou de um evento do Instituto Milken que contou com a presença da diretora-geral do FMI (Fundo Monetário Internacional), Kristalina Georgieva, e CEOs de 500 companhias globais, além de outras autoridades. Em Los Angeles, o presidente voltou a se encontrar com Elon Musk, que posteriormente recomendou "investir na Argentina". Foi a primeira vez que Milei viajou no avião da Presidência "por questões de segurança" — até então, ele fazia voos comerciais.
Na Espanha, Milei causou uma grave crise diplomática. Ainda no mês passado, o presidente argentino participou da convenção anual do partido de ultradireita Vox e não se encontrou com o rei Felipe 6º, nem com autoridades do governo. Além disso, criou uma crise diplomática ao fazer críticas ao presidente Pedro Sánchez e chamar sua esposa, a primeira-dama Begoña Gómez, de corrupta. Em resposta, a Espanha retirou sua embaixadora na Argentina de forma "definitiva".
Última viagem incluiu 4ª ida aos EUA e parada em El Salvador. Acompanhado de seu ministro da Economia, Luis Caputo, Milei foi ao Vale do Silício, na Califórnia, em busca de investimentos para o setor tecnológico da Argentina. Lá, se reuniu com representantes de empresas como Open AI (criadora do ChatGPT), Apple, Google e Meta. Na volta, ainda fez uma breve parada em El Salvador para participar da cerimônia de posse do presidente reeleito Nayib Bukele, de direita, que se define como "o ditador mais legal do mundo".
"Política suicida"
Milei é acusado de agir como 'candidato'; analistas discordam. A oposição na Argentina tem criticado as viagens presidenciais, dizendo que Milei busca cumprir uma agenda pessoal e põe em risco as relações diplomáticas com os outros países. Para especialistas ouvidos pelo UOL, porém, a postura é típica de líderes populistas. "É a utilização da política externa como uma plataforma dentro do Estado para angariar a simpatia do eleitorado", explica Miriam Gomes Saraiva, professora do Departamento de Relações Internacionais da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
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Quero receberPolítica de Milei é similar à adotada por Jair Bolsonaro. Nas primeiras viagens internacionais que fez após assumir a Presidência, em 2019, Bolsonaro também deu preferência a países com governos alinhados aos seus ideais, como os EUA de Trump, o Chile de Sebastián Piñera e Israel de Netanyahu. "Eles [líderes como Bolsonaro e Milei] precisam o tempo todo utilizar suas ações como plataforma política para os seus eleitores e seguidores", diz Saraiva. "Um evento como este [viagem ao exterior] pode lotar as redes sociais de falatório por uma semana."
Característica da extrema direita, postura pode ser 'suicida'. A política externa de um país precisa ser pautada em "grande dose de pragmatismo", segundo André Kaysel, do Departamento de Ciência Política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). O professor cita como exemplo a boa relação entre o ex-presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, e seus pares americanos Trump e Joe Biden — principalmente no que diz respeito à imigração na fronteira. "Mas Milei adota uma 'hiperideologização' da política externa que traz prejuízos concretos para a Argentina", completa.
Prioridade aos EUA, na verdade, é aposta na vitória de Trump. A preferência de Milei nas viagens aos EUA demonstram que o argentino está confiante na vitória de Trump nas eleições de novembro — o que, para os analistas com quem o UOL conversou, é uma aposta arriscada. "Quando Milei fala nos EUA como parceiro, ele está claramente pensando no trumpismo e no Partido Republicano. Ele está esperando a eleição. O problema é que essas apostas podem dar errado", diz Kaysel.
Mais do que fazer uma aposta nos EUA, ele está fazendo uma aposta na vitória de Trump. Se ele ganhar, talvez - não sei -, tenha algum benefício para a Argentina. Bolsonaro também estava com uma relação muito próxima a Trump. Mudou de governo, tchau. Não era americanismo, era trumpismo - e com Milei é mais ou menos a mesma coisa.
Miriam Gomes Saraiva, da Uerj
Milei é isso. Não acredita no Estado, não acredita nas leis. É uma figura disruptiva. O que surpreende é gente séria da direita estar disposta a sustentar algo que, no final, é uma política suicida. (...) Não sei o que Milei poderia conseguir de acordo com Giorgia Meloni, da Itália, um país que vive uma certa estagnação econômica há duas ou três décadas.
André Kaysel, da Unicamp
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