Pragmatismo de Milei rende elogios no exterior e desconfiança na Argentina
O mundo desconfiou do plano de governo de Javier Milei de revigorar a capenga economia argentina com cortes duríssimos na máquina pública. Apelidado de "plano motosserra", tinha o objetivo de aplacar a recessão a médio prazo cortando gastos do governo.
Os primeiros sinais de que seu plano está funcionando começam a aparecer agora, quase um ano depois de tomar posse, e são positivos. Superávit fiscal, que governos anteriores tentaram e não conseguiram. Queda da inflação em dez pontos percentuais, do dólar e do risco-país (grau de confiança no mercado). E o presidente, antes um outsider de extrema-direita, tem colocado a ideologia de lado ao negociar com países cujos governos rechaçava por serem de esquerda. Incluindo o Brasil.
Havia quem garantisse que Milei não chegaria ao final do primeiro ano de mandato, tamanha a explosão social que seria invocada por seu plano de melhorar a economia. Mas a diminuição dos gastos públicos em 5% do PIB fez a inflação cair de 20,6% em janeiro a 2,7% em outubro, índice mais baixo em pelo menos três anos. O fim da impressão de dinheiro pelo Banco Central é um dos fatores apontados para ter sucesso na luta contra a cultura inflacionária.
"De fato, Milei fez um dos maiores ajustes fiscais na economia da Argentina. O resultado veio rápido", afirma ao UOL o ex-secretário de Política Econômica da Argentina, Gabriel Rubinstein.
Mas Rubinstein critica os adjetivos usados pela revista "The Economist", que estampou Milei em reportagem de capa publicada na última sexta-feira. No texto, seu programa econômico é chamado de "experimento extraordinário" e de "uma das doses mais radicais de livre mercado desde Margaret Thatcher". "É muito cedo para afirmar isso. Precisamos saber como a economia ficará na prática", diz Rubinstein.
Nesse sentido, os resultados ainda são ruins. "O salário caiu 10% em poder de compra, a pobreza chegou a 53%. Os custos da política econômica dele têm sido muito altos para a população", explica o economista Hernán Letcher, diretor do Centro de Economia Política Argentina e professor da UBA (Universidade de Buenos Aires). Milei, porém, confia no lema "piorar para depois melhorar", como explicou em seu discurso de posse.
'Negócios com comunistas'
A mudança ideológica de Milei em nome do pragmatismo econômico é o elemento que mais tem intrigado os economistas ouvidos pela reportagem. "Não é possível dizer qual é sua política externa definitiva. Por exemplo, apesar de estar alinhado com Donald Trump, que é protecionista, seu mote é a liberdade econômica", diz Carlos Melconian, ex-presidente do Banco de La Nación.
"Ele é errático. Falou que não faria negócios com a China porque não negocia com comunistas, e agora, faz o contrário", aponta Rubinstein.
Para a "The Economist", o presidente argentino falou que as relações com a China estão "excelentes" e que o país é um "parceiro fabuloso". "O bem-estar da Argentina requer que eu aprofunde os laços com o país, são economias complementares. É possível negociar com qualquer um", diz a revista.
O mesmo ocorreu com Lula. Se o usual é ouvir diversas críticas do mandatário argentino ao brasileiro —discrepâncias traduzidas na falta de sorriso para a foto oficial do G20—, as negociações de acordos seguem fortes. "É ótimo para mim vender gás para o Brasil. Quer dizer, não vou ser amigo do Lula, mas tenho uma responsabilidade institucional. Eu estou encarregado de defender os interesses da Argentina", disse Milei à revista.
"É um cenário confuso", afirma Melconian, algo que intriga a esquerda brasileira no poder. "O curioso é que o Brasil sempre foi visto como uma nação de política exterior mais técnica", explica. Mas a relação entre os dois países ganhou outra dimensão com a polarização global e a aproximação de Milei com a extrema direita e com Jair Bolsonaro. "Agora tem essa divisão de Lula versus Bolsonaro."
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Quero receberA projeção do Banco Central da Argentina é que o PIB do país caia quase 4% em 2024, mas cresça no ano que vem. A pobreza, segundo o professor Hernán Letcher, também deve demonstrar alguma melhora no próximo semestre, ainda que se mantendo em níveis elevados.
No geral, porém, os economistas têm receio de fazer projeções muito positivas. "Se no ano que vem os números seguirem melhorando, aí sim, falaremos em crescimento da economia. É esperar para ver", pondera o economista Carlos Melconian.
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