Papa Francisco no Brasil

Em discurso a políticos, papa Francisco defende 'laicidade do Estado'

Pablo Ordaz

No Rio de Janeiro

Bergoglio lembra diante da classe dirigente do Brasil que seu objetivo é "erradicar a pobreza"

Não há intervenção do papa Francisco no Rio de Janeiro que não esconda uma carga de profundidade, um aviso para navegantes próprios e alheios. Durante um encontro com a classe dirigente do Brasil, Jorge Mario Bergoglio reivindicou o "sentido ético" e o "diálogo construtivo" como ferramentas principais da política: "Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, sempre há uma opção possível: diálogo, diálogo e diálogo". Depois de insistir na "responsabilidade social" dos governantes, o chefe da Igreja Católica surpreendeu ao defender claramente o Estado laico: "A convivência pacífica entre as diferentes religiões é beneficiada pela laicidade do Estado, que, sem assumir como própria nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença do fator religioso na sociedade".

Poucas horas antes, durante a Via Crúcis celebrada na noite de sexta-feira na praia de Copacabana, o papa Francisco havia feito Jesus solidário com os jovens que perderam a confiança na política por causa do "egoísmo e a corrupção" dos governantes, e até a fé em Deus pela "incoerência" da igreja. Por isso, durante a jornada de sábado, aproveitou um encontro com a classe dirigente do Brasil e um almoço com os cardeais e bispos da região para pôr os pingos nos is. Aos poderosos, insistiu em sua responsabilidade social: "O futuro exige de nós uma visão humanista da economia e uma política que consiga cada vez mais e melhor a participação das pessoas, evite o elitismo e erradique a pobreza. Que não falte a ninguém o necessário e se assegure a todos dignidade, fraternidade e solidariedade".

Bergoglio disse que "o sentido ético aparece hoje como um desafio histórico sem precedentes" e, para alcançá-lo, insistiu no conselho que, segundo ele, sempre dá aos líderes que o pedem: "Diálogo, diálogo, diálogo. O único modo de uma pessoa, uma família ou uma sociedade crescerem é a cultura do encontro, uma cultura em que todo mundo tenha algo bom para dar e todos podem receber algo em troca. O outro sempre tem algo para me dar quando sabemos nos aproximar dele com atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Só assim pode prosperar um bom entendimento entre as culturas e as religiões, a estima de umas pelas outras sem opiniões prévias gratuitas. Hoje, ou se aposta na cultura do encontro, ou todos perdem."

Já diante dos altos representantes da Cúria brasileira, o papa Francisco se referiu, sem citá-la expressamente, à hemorragia de fiéis que, desiludidos com a Igreja Católica, buscaram o refúgio das igrejas evangélicas. "Às vezes perdemos os que não nos entendem porque esquecemos a simplicidade (...). Talvez a igreja tenha se mostrado distante demais de suas necessidades, fria demais para com eles, autorreferente demais, prisioneira de sua própria linguagem rígida; talvez o mundo pareça ter transformado a igreja em uma relíquia do passado, insuficiente para as novas questões; talvez a Igreja tivesse respostas para a infância do homem, mas não para sua idade adulta. O fato é que atualmente há muitos como os discípulos de Emaús: não só os que buscam respostas nos novos e difusos grupos religiosos, mas também aqueles que já parecem viver sem Deus, tanto na teoria como na prática."

Depois de pintar uma paisagem certamente desoladora da igreja, o papa se perguntou: "O que podemos fazer?" E aí Francisco volta à ideia que ofereceu aos jovens argentinos há alguns dias: "Saiam à rua e façam confusão. Que me perdoem os bispos e os padres, mas a igreja tem que mudar". E a mudança que propõe é um retorno radical às origens: "Somos ainda uma igreja capaz de inflamar o coração? É preciso uma igreja que não tenha medo de entrar na noite dos que se afastaram, de escutá-los, de participar de sua conversa". O papa Francisco também advertiu os bispos sobre a importância das mulheres na vida religiosa: "Não reduzamos o compromisso das mulheres na igreja, e sim promovamos sua participação ativa na comunidade eclesiástica. Se perde as mulheres, a igreja se expõe à esterilidade."

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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