Sucessão de Hugo Chávez

"Impediremos que surja um novo Pinochet", diz Maduro comparando opositor ao ditador chileno

Marie Delcas e Natalie Nougayrède

Caracas (Venezuela)

  • Gil Montano/AP

     O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acena ao chegar na Assembleia Nacional, em Caracas

    O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acena ao chegar na Assembleia Nacional, em Caracas

Em uma entrevista ao "Le Monde", a primeira concedida a um veículo da imprensa internacional desde que foi eleito à presidência da Venezuela, no dia 14 de abril, com uma estreita vantagem, o ex-sindicalista Nicolás Maduro, 50, herdeiro proclamado de Hugo Chávez, traça uma linha rígida.

Aquele que por muito tempo foi o ministro das Relações Exteriores do comandante salpica seu discurso com tudo aquilo que fez o chavismo radical: uma política autoritária diante de uma oposição que contesta sua eleição, várias referências ao gesto revolucionário bolivariano, um soberanismo minucioso e uma postura antiamericana que assume todas as aproximações com regimes autoritários, desde o Irã até a Líbia de Gaddafi. Suas únicas aberturas parecem reservadas aos investidores estrangeiros, como parte de "zonas econômicas especiais" inspiradas no exemplo chinês.

Vestido com um abrigo esportivo nas cores da Venezuela, Nicolás Maduro nos recebeu no saguão de uma residência presidencial modesta situada em uma base militar, onde ele instalou a sede de seu governo. Em um contexto político tenso, a capital Caracas ressoou com duas manifestações de 1° de Maio: a da oposição e a dos "chavistas", que perderam seu líder carismático que esteve no poder durante 14 anos nesse Estado petroleiro.  

Le Monde: Conflitos no Parlamento, incidentes violentos nas ruas que provocaram a morte de sete pessoas após a eleição presidencial: a Venezuela é um país muito polarizado, sob tensão. Como o senhor pretende evitar que as coisas saiam de controle?   

Nicolás Maduro: O país não está polarizado, está mobilizado. O povo está mobilizado porque estamos conduzindo uma revolução, uma revolução contra a dependência econômica, a pobreza, a miséria, as desigualdades, uma revolução contra o capitalismo que saqueou nossa pátria no passado. Nós temos um socialismo democrático. Quando o povo entra na luta como nós – nós fizemos isso duzentos anos atrás pela nossa independência, e neste momento estamos lutando por nossa nova independência-, sempre há tensões. Temos um plano de ação, que é nossa Constituição, nossas instituições, e elas funcionam. O que posso garantir é que haverá paz, haverá democracia e superaremos qualquer ameaça. É importante que a Europa saiba disso porque de longe existe uma percepção caricatural. As pessoas pensam que na Venezuela existe uma ditadura.

Le Monde: O senhor travará um diálogo com a oposição?

Maduro: Fiz um apelo pelo diálogo geral, mas a liderança da oposição é exercida por um grupo de direita muito extremista que impede os partidos políticos de se sentarem para discutir. Isso porque esse grupo tem um projeto de ataque ao governo. (...) Peço para que a Europa abra os olhos. No Chile, teve um Pinochet. Quando Allende foi atacado, todo mundo foi surpreendido pela violência. Aqui, uma ideologia parecida está emergindo. Se eu comparar isso a Mussolini, Franco ou Hitler, dirão que estou exagerando. Mas aqui, na América Latina, estou soando o alerta. Existem os ingredientes para um projeto extremista de direita. Se um dia essas pessoas chegassem ao poder – o que não acontecerá -, elas destruiriam a democracia na Venezuela e imporiam um projeto totalitário.

Le Monde: A oposição representa 49% dos votos. Ela não passaria de "fascistas", como o senhor os chama?

Maduro: Não completamente, mas aquilo que chamam de socialdemocracia ou de democracia-cristã está desaparecendo na Venezuela, e sendo agarrada pela extrema direita. Nós [os chavistas] ganhamos 17 de 18 eleições ao longo dos últimos 14 anos. Acabamos de enfrentar a mais difícil das eleições, pois ficamos sem o comandante Chávez, que era a alma da revolução bolivariana. Fui candidato, parti do zero e venci. O chavismo oscilou entre 50% e 60%, às vezes chegou a 63%. É uma corrente histórica muito forte, muito sólida. O que posso dizer à França e à Europa é que impediremos que surja um novo Pinochet na Venezuela. Nós faremos isso pela via da democracia.

Le Monde: O que seria necessário para que a relação entre seu país e os Estados Unidos de Barack Obama se normalize?

Maduro: Respeito. Respeito pela América Latina. Eles não nos respeitam. É uma história antiga. Existem duas doutrinas. A doutrina Monroe, que dizia: "A América para os americanos", ou seja, para os Estados Unidos da América. E a de Simón Bolívar, que dizia: "A união da América outrora colônia da Espanha". São duas doutrinas, uma imperial, a outra de libertação. Existe nos Estados Unidos um grupo ultraconservador e terrorista. Pesquisem sobre Roger Noriega, John Negroponte, Otto Reich... Todos esses homens estão por trás de planos de desestabilização violenta da Venezuela. Às vezes o governo americano exerce um certo controle sobre esses grupos, às vezes ele os deixa agirem. Os Estados Unidos são governados por um aparelho militar-industrial, midiático e financeiro. Obama sorri, mas mesmo assim ele bombardeia. Ele só passa uma imagem diferente da de Bush. Nesse sentido, ele serve mais aos interesses de dominação mundial dos Estados Unidos. Acabamos de despachar um novo encarregado de negócios [para Washington]. Estamos dispostos a avançar na direção de uma relação que possa ser positiva. Veremos.  

Le Monde: O petróleo foi a grande alavanca da política regional conduzida por Hugo Chávez, bem como de seus programas sociais. Mas a produção de seu país está estagnada. O senhor pretende abrir esse setor para os investimentos estrangeiros? Como o senhor pretende diversificar uma economia dominada por hidrocarbonetos? 

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Maduro: Na Venezuela, no cinturão petrolífero do Orinoco, temos 27 empresas multinacionais do mundo inteiro, inclusive francesas. Convidamos todos aqueles que ainda não investiram em nosso país – eles são bem-vindos. Estamos criando zonas econômicas especiais para atrair investimentos e tecnologia. Nós estudamos a experiência chinesa, no distrito de Pudong, em Xangai. Além disso, a Venezuela tem 33 milhões de hectares de terras agrícolas disponíveis, das quais utilizamos somente 3 milhões. Temos todas as condições para nos tornamos uma potência agroalimentar. Chamamos todos aqueles que quiserem produzir em condições agroecológicas a virem para a Venezuela. Podemos produzir para o Mercosul, para a Europa, para a Ásia.

Le Monde. O senhor fala de liberdade. Quando o senhor vai até Cuba para conversar com Raúl e Fidel Castro, como fez ainda recentemente, o senhor fala dos prisioneiros políticos, dos jornalistas que estão detidos?

Maduro: Nós temos orgulho de Cuba, e vamos continuar apoiando esse povo nobre e solidário. Fidel e Chávez eram como pai e filho, uma união profunda. Fidel Castro representa a dignidade do continente sul-americano diante dos impérios. Ele é um mito vivo da luta pela independência e pela libertação do continente.

 

Tradutor: Lana Lim

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