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A fragrância 'mais cara do que ouro': madeira infectada é cobiçada pelo aroma

A aquilária é formada quando as árvores são infectadas com mofo - Hassan Ammar/AFP/Getty Images
A aquilária é formada quando as árvores são infectadas com mofo Imagem: Hassan Ammar/AFP/Getty Images

Ingrid Piper

Da BBC Travel

30/06/2017 10h14

A fragrância de milhares de incensos pairava pela apertada entrada da loja Wing Lee Joss Sticks & Sandalwood Company, um negócio familiar tradicional do bairro de Yau Ma Tei em Hong Kong. As paredes estavam repletas de pacotes de incenso cor de ouro e escarlate, mas, escondido em um armário de vidro, estava o incenso mais valioso de todos: madeira de ágar (agarwood ou aloewood em inglês).

O cheiro pungente e terroso dessa madeira deu o nome a Hong Kong, que em cantonês significa Porto Perfumado. O aroma é um lembrete de como esse antigo porto colonial de comércio, hoje um hub financeiro internacional, já ocupou o papel principal no comércio de incensos ao Oriente Médio e além.

Hoje com 84 anos, Yuen Wah trabalhou no negócio de incensos por mais de 70 anos. Seu filho Kenny, que agora dirige a Wing Lee, expandiu o negócio para a China continental, criando lojas em Pequim, Xangai e Harbin. Apesar de ter se aposentado, Wah ainda visita sua antiga loja na conhecida Shanghai Street.

"A madeira de ágar sempre foi uma madeira cara", disse Wah, lembrando do tempo em que começou a trabalhar na indústria, aos 13 anos de idade. "No passado, ela era usada na medicina e era um ótimo analgésico. Agora passou de uso medicinal para ser usada como incenso".

A madeira de ágar é criada quando aquilárias, árvores do gênero Aquilaria, tradicionalmente plantadas ao redor de vilarejos devido a suas propriedades de Feng Shui (técnica milenar chinesa de regras de decoração e disposição para melhorar o fluxo de energias positivas), são danificadas, o que permite que um mofo ataque a madeira.

30.jun.2017 - A aquilária é alvo de exploração ilegal de madeira - Ingrid Piper - Ingrid Piper
A aquilária é alvo de exploração ilegal de madeira
Imagem: Ingrid Piper

Quando cortada, a madeira escura, infectada e repleta de resina é separada da madeira saudável, sem cheiro e cor de creme.

E é essa preciosa resina que deu à madeira de ágar o codinome de "rainha do incenso" - e por isso, foi intensamente comercializada no Oriente Médio (onde também é conhecida como oud) e na Ásia. Dados das dinastias chinesas Tang e Song mostram que era uma commodity de alto valor, e seu aroma forte tem associações históricas com várias religiões, como budismo, taoísmo, islamismo e cristianismo.

Hoje, pedaços pequenos de madeira de ágar coletados para a fabricação de incenso são vendidos a pouco mais de R$ 24 mil o quilo. Uma escultura feita à mão em um pedaço maior de madeira de ágar, representando uma árvore, estava à venda na Wing Lee por HK$ 1.2 milhões (pouco mais de R$ 500 mil).

"São como peças de arte", diz Wah.

A resina é especialmente cobiçada pelo uso em perfumes e incensos. Ela é destilada para criar óleo oud, ingrediente essencial em perfumes de luxo como Privé Oud Royal, da Armani, e M7 Oud Absolu, da Yves Saint Laurent. O preço do oud foi estipulado em cerca de R$ 126 mil o quilo - por isso é frequentemente é descrito como "ouro líquido".

Mas a enorme demanda por madeira de ágar nas últimas décadas levou as espécies de Aquilaria em Hong Kong à beira da extinção.

A Asia Plantation Capital (APC, na sigla em inglês), uma das maiores plantadoras comerciais de aquilária da Ásia, está tentando salvar as árvores ao encorajar plantações sustentáveis em Hong Kong e em outras partes da Ásia. Eles acreditam que apenas algumas espécies selvagens ainda existem em Hong Kong, apesar de o governo local afirmar ter plantado 10 mil mudas por ano desde 2009.

Plantar mudas não é garantia de sobrevivência, já que as árvores levam anos para alcançar a maturidade. E a atual população madura está ainda mais ameaçada por causa da extração ilegal.

"Os madeireiros procuram árvores antigas que são naturalmente infectadas, já que elas têm mais valor, então essas árvores estão cada vez mais em perigo", diz Gerard McGuirk, diretor de vendas em Hong Kong. "Agora em Hong Kong você terá sorte se achar uma árvore com 30 anos de idade".

Enquanto o número exato de árvores que ainda existem na natureza está em discussão, é evidente que está ocorrendo uma pilhagem desenfreada das espécies selvagens.

Perto do vilarejo de Shing Ping, próximo à fronteira com Shenzhen, Koon Wing Chan, da terceira geração de plantadores de aquilária, toma conta de uma plantação de cerca de 6 mil árvores. Ele é o único produtor de aquilária de Hong Kong. E, em uma tentativa de sustentar, preservar e vender essa espécie ameaçada, ele fechou uma parceria com a APC.

Para mostrar como essas árvores selvagens sofrem com a ação de extração ilegal, a APC oferece tours guiados na fazenda de Chan e em vários parques públicos que abrigam aquilárias.

Perto da plantação de Chan, no parque Pat Sin Len, o ar é denso com o aroma de madeira de ágar emanando das árvores que foram cortadas e reduzidas a troncos despidos.

"Nem toda árvore terá resina, então os ladrões estão fazendo suas apostas", disse Wah. Na natureza, apenas 7% das árvores produzem resina.

Na parte mais densa do parque, abafada e cheia de mosquitos, o odor distinto é um sinal de que madeireiros ilegais terão alguma recompensa por um risco que pode resultar em 10 anos de prisão.

Nos últimos dois anos, a polícia e o Departamento de Agricultura, Pesca e Conservação (AFCD, na sigla em inglês) realizaram 35 operações contra a extração ilegal em locais como Sai Kung, ilha de Lantau e regiões norte dos Novos Territórios.

Agora, o AFCD planeja testar o monitoramento eletrônico remoto de árvores e um circuito de televisão na Reserva Natural Tai PO Kau, na costa oeste do território, além de plantar mais mudas em seu Viveiro Tai Tong, perto de Yuen Long.

Plantar algumas mudas nos parques de Hong Kong parece não ser uma atitude eficaz para impedir a extração ilegal, mas o interesse cada vez maior de investidores em plantações ambientalmente sustentáveis de aquilária poderiam salvar as árvores de incenso de Hong Kong da extinção.

"Nós temos plantações de aquilária em cinco países e acreditamos fortemente em sua sustentabilidade holística, investindo nas comunidades que operamos para criar impacto social positivo", diz Watt.

"Nossa parceria estratégica com Chan nos ajudará a oferecer apoio e conhecimento para desenvolver oportunidades comerciais de longo prazo em Hong Kong com uma base sustentável enquanto também ajudamos Chan a produzir óleo oud localmente", disse.