Incêndios florestais na Bolívia expõem controvérsias na política ambiental de Morales
A onda de incêndios na porção brasileira da Floresta Amazônica vem concentrando holofotes e críticas de outros países, mas o fogo ignora fronteiras e as queimadas se espalham também pela vizinha Bolívia.
Os focos de queimada dobraram nos últimos cinco dias, segundo estimativas, e têm dominado o debate político local. Adversários do presidente da Bolívia, Evo Morales, têm exposto controvérsias na política ambiental do governante.
Morales adotou um caminho diferente do colega brasileiro Jair Bolsonaro, alvo de pressão crescente de países como a França. O boliviano decidiu aceitar ajuda internacional no combate aos incêndios, a exemplo de um Boeing 747 americano usado para despejar água sobre queimadas e da ajuda financeira oferecida pelo G7, grupo das sete maiores economias do mundo.
"Ela (a natureza) pode viver sem nós, mas não podemos viver sem ela", tuitou Evo, que suspendeu por uma semana sua campanha eleitoral em busca de um quarto mandato presidencial.
Mas para adversários políticos do presidente boliviano, essa postura ambientalista é uma reviravolta repentina, dado o histórico de seu governo.
"Embora Morales se mostre internacionalmente como incrivelmente defensor do ambiente, sua política está indo na direção oposta", disse Jhanisse Daza, ativista ambiental que mora perto da área atingida pelos incêndios.
Em julho, por exemplo, o governo boliviano passou a permitir que agricultores limpem mais terras do que antes por meio de queimadas controladas - ampliando a permissão de 5 para 20 hectares.
Ao sobrevoar a região das queimadas, Morales reconheceu a gravidade dos danos causados, mas também defendeu o "chaqueo", prática adotada por agricultores para queimar áreas de bosque a fim de ampliar o espaço de cultivo.
"O controle do 'chaqueo' é importante, mas também quero que saibam: de que vão viver as pequenas famílias, os pequenos produtores sem 'chaqueo'? É para o milho, meio hectare, é a situação do pequeno produtor, no máximo um hectare de arroz para sobreviver", afirma o presidente boliviano.
Incêndios propositais?
Na Bolívia, a maioria das áreas atingidas pelos incêndios fica próxima da fronteira com o Brasil - cerca de 1 milhão de hectares.
Daza diz acreditar que essas queimadas na Bolívia tenham sido propositais.
"O uso de incêndios controlados em agosto, quando estamos passando por uma estação seca, não é apenas negligência", afirmou. "Eu acredito que eles sabiam o que estavam fazendo."
Acusações semelhantes são feitas no Brasil, onde investiga-se que incêndios tenham sido coordenados por fazendeiros e outros pequenos grupos motivados pela impunidade.
Morales também tem sido acusado de ter reagido com lentidão no início dos incêndios.
"O governo reagiu tarde e mal, levou quase duas semanas e eles não tinham um plano estratégico. Evo Morales colocou sua campanha em primeiro lugar, em vez de governar a Bolívia", afirmou Carlos Mesa, rival de Morales na corrida presidencial.
Sob crescente pressão interna, o governo boliviano recuou e passou a aceitar apoio estrangeiro para combater os incêndios. Segundo a agência de notícias Reuters, a reviravolta ocorreu depois que autoridades de províncias (estados) e líderes de vilarejos pediram ao governo central que aceitasse essa ajuda.
Houve um certo avanço no combate às queimadas, já que agora quase 2.000 bombeiros e militares atuam nas frentes criadas - mas o estrago já está feito.
'Expansão da fronteira agrícola'
Alex Villca, líder indígena na região amazônica e porta-voz do grupo de direitos indígenas Contiocap, disse que o governo era culpado pelos incêndios.
"Precisamos convencer Evo Morales a explicar essa situação. Quando ele vai cuidar de tudo isso? Ele precisa ser responsabilizado por todas as vezes em que os direitos dos povos indígenas foram violados, assim como os de Mãe Natureza ", disse.
A ambientalista Cecilia Requena, do mesmo grupo, também responsabiliza diretamente o governo central, porque este "tem aprovado consistentemente nos últimos anos leis de anistia (para desmatadores), promoção e expansão da fronteira agrícola".
Segundo ela, há influência de diversos outros aspectos, como transgênicos, combustíveis verdes e exportação de carne à China. A soja está entre os principais produtos exportados pela Bolívia, segmento avaliado em quase US$ 450 milhões.
O Brasil é o principal parceiro comercial do país, comprador de metade do gás boliviano exportado - algo em torno de US$ 1,4 bilhão por ano.
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