Consumo de países europeus impulsiona desmatamento no Brasil, diz especialista alemã em meio ambiente
Apesar de defender a proteção da Amazônia, a Europa tem sua parcela de culpa na redução da cobertura florestal no Brasil ao aumentar as importações de produtos brasileiros considerados vilões do desmatamento, como a carne.
Essa é a opinião da alemã Carina Zell-Ziegler, especialista em energia e clima do Öko-Institut, instituto de pesquisa ambiental do setor privado sem fins lucrativos sediado na Alemanha.
No ano passado, a União Europeia foi a terceira maior importadora de carne brasileira, depois de China e Hong Kong, segundo dados do Ministério da Economia.
Zell-Ziegler se baseia em estudos que mostram uma associação entre a maior demanda por carne e soja e o aumento do desmatamento da Amazônia e do Cerrado.
Isso porque, diz ela, para elevar sua produção, fazendeiros acabam expandindo suas propriedades sobre áreas de conservação, primeiro, para o cultivo de grãos e, posteriormente, para a pecuária.
"Se o apetite por produtos como carne e soja cresce, isso acaba impulsionando o desmatamento", diz ela à BBC News Brasil.
Por outro lado, representantes do agronegócio brasileiro defendem ser possível aumentar a produção sem desmatar.
Segundo Zell-Ziegler, o desmatamento no Brasil, que vinha crescendo, mas registrou um pico neste ano, coincidiu com um aumento das importações de carne brasileira pela União Europeia - em 2018, as vendas do produto ao bloco bateram recorde histórico, totalizando US$ 544,3 milhões (R$ 2,3 bilhões). Em relação à soja, o bloco compra menos do que no passado, ressalva a pesquisadora.
"Essa demanda não vem apenas do mercado interno, mas é também externa. Atualmente, a maior parte da carne consumida na União Europeia vem do Brasil. Esse maior apetite leva a uma expansão das fronteiras agrícolas, gerando desmatamento. A conexão é muito clara", acrescenta.
União Europeia impulsionando desmatamento
Zell-Ziegler realizou um estudo, publicado em julho de 2017 e financiado pela ONG German Watch, que mostrou que a União Europeia foi a maior impulsionadora internacional do desmatamento no Brasil entre 2002 e 2006.
Foi nesse período que o país teve seus piores índices de desmatamento de sua história recente.
Na pesquisa, Zell-Ziegler também quantificou as emissões de CO2 resultantes do desmatamento no Brasil. Segundo o estudo, apenas em 2005, 18% dessas emissões, ou 200 milhões de toneladas de CO2, foram causadas por importações da União Europeia.
Neste sentido, a pesquisadora defende uma mudança nos parâmetros internacionais de medição de gases de efeito estufa que, segundo a imensa maioria da comunidade científica, são os causadores do aquecimento global.
Para Zell-Ziegler, se, de um lado, os países desenvolvidos vêm tomando medidas concretas para zerar suas emissões, de outro, continuam contribuindo indiretamente para a poluição do meio ambiente, ao comprar cada vez mais produtos causadores do desmatamento de países em desenvolvimento.
"A Europa quer zerar suas emissões de gases de efeito estufa até 2050. Mas, ao mesmo tempo, continua não só comprando, como vem aumentando as importações de produtos que estão associados ao aumento do desmatamento em países menos desenvolvidos", afirma.
"É preciso que os padrões de consumo mudem. A Alemanha, por exemplo, não pode continuar com o consumo atual de carne, de mais de 1 kg por pessoa por semana. Isso não é sustentável", acrescenta.
Apesar de criticar esse paradoxo, Zell-Ziegler é crítica em relação à política ambiental do governo de Jair Bolsonaro.
"O problema é que o presidente Jair Bolsonaro já deu declarações que sugerem uma fragilização dos mecanismos de controle ambiental. Por exemplo, quando ele demite o diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), está enviando uma mensagem ruim em relação ao meio ambiente", diz ela.
"Além disso, torna mais difícil tanto para consumidores quanto importadores saberem se aqueles produtos que compram ou importam foram realmente produzidos de acordos com os mais rigorosos critérios de sustentabilidade. Se as regras são relaxadas, como vamos saber com certeza que a carne que compramos não foi produzida em áreas desmatadas?", questiona.
Um levantamento recente da BBC News Brasil mostrou que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) aplicou um terço a menos de multas a infratores ambientais em 2019 do que no mesmo período do ano passado, segundo dados do próprio órgão.
A queda no número de autuações coincide com um aumento dos registros de desmatamento e de incêndios florestais em 2019. Considerando todos os tipos de infração ambiental em todo o país, o Ibama diminuiu em 29,4% as autuações até a sexta-feira, dia 23 de agosto, quando comparado com o mesmo período de 2018.
Segundo servidores, ex-servidores, autoridades e ambientalistas, a queda no número de multas está ligada a sinais emitidos pelo governo federal desde o começo do ano contra supostos excessos na fiscalização e a trocas de profissionais em postos-chave do Ibama.
Soluções
Zell-Ziegler diz que, além do rigoroso cumprimento da legislação ambiental, a redução do desmatamento no Brasil depende das transferências de recursos dos países mais ricos.
"Talvez o único caminho seja a partir de transferências de recursos de países mais ricos que querem combater o aquecimento global. A Amazônia é parte do Brasil e entendo que o governo não queira tomar decisões que limitem o desenvolvimento econômico para proteger o meio ambiente. Neste sentido, a ajuda internacional é bem-vinda", diz.
Neste ano, Alemanha e Noruega deixaram de repassar o equivalente a cerca de R$ 300 milhões para o Fundo Amazônia, destinado a ações de preservação ambiental e combate ao desmatamento. Os dois países são os principais financiadores do fundo, junto com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
O congelamento dos repasses aconteceu depois que o governo brasileiro extinguiu dois comitês ligados ao fundo sem aviso prévio e após uma série de comentários críticos feitos pelo presidente, que afirmou que o Brasil não precisava dos recursos e que os países europeus deviam usar esse dinheiro para reflorestar seus próprios territórios.
Zell-Ziegler lembra ainda que o consumo consciente é um elemento importante no combate ao desmatamento.
"Espero que essa crise na Amazônia nos torne mais conscientes sobre quais produtos consumimos e de onde eles vêm", conclui.
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