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O que acontece com atividades de mineração na Amazônia? Conheça exemplos

Extração de minério pela Vale do Rio Doce em Carajás, no Pará - Otávio Dias de Oliveira/Folhapress
Extração de minério pela Vale do Rio Doce em Carajás, no Pará Imagem: Otávio Dias de Oliveira/Folhapress

Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

14/09/2017 04h00

Mineração na Amazônia dinamiza a economia local ou causa devastação ambiental e problemas sociais? A imensa importância ecológica da maior floresta tropical do mundo e experiências do passado, como a corrida ao ouro em Serra Pelada e o projeto de Carajás, ambos no Pará, estimulam esse tipo de questionamento. 

A decisão de Michel Temer, por decreto, de extinguir uma reserva mineral do tamanho do Espírito Santo entre os Estados do Pará e do Amapá deu novo combustível ao debate. A Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados) é rica em ouro e outros minérios e tem grandes reservas naturais e terras indígenas. Com o decreto, que foi suspenso temporariamente, o governo federal busca atrair empresas interessadas na exploração minerária.

Por enquanto, o Ministério de Minas e Energia anunciou que fará um debate com a sociedade e em 120 dias serão apresentadas eventuais medidas de promoção de desenvolvimento para a região

Para especialistas ouvidos pelo UOL, as experiências de mineração industrial na Amazônia feitas de forma legal e em locais permitidos --que não incluem Terras Indígenas e Unidades de Conservação-- alteram profundamente as regiões em que chegam.
 
O desafio é direcionar o aquecimento gerado na economia para melhorias locais efetivas e duradouras e evitar danos ao ambiente. Os exemplos de sucesso são poucos e recentes. 

Mineração traz investimentos e problemas

"Mineração traz investimentos em regiões que possuem carências sociais e econômicas históricas. É bem-vinda em muitas das áreas habilitadas para receber mineração. Aumentam a potencialidade local. Mas muitas coisas vêm junto", diz Daniela Gomes, coordenadora do Programa Desenvolvimento Local do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas.

Entre os problemas apontados estão os grandes fluxos migratórios. Em Juriti, no Pará, a população da área urbana dobrou após o início da mineração, saltando de 10 mil para 20 mil habitantes. Uma série de problemas são decorrentes dessa explosão populacional. “Esses fluxos geram uma série de demandas adicionais sobre os serviços básicos de saúde, educação e infraestrutura. Ocorre epidemia de acidentes de trânsito e aumento da violência”, explica Gomes.

No ambiente, o impacto ocorre na forma de desmatamento direto, causado pelas obras, e indireto, ligado, por exemplo, à ocupação desordenada do território.

"Os recursos minerais não são renováveis e, ainda que se evitem impactos, o seu aproveitamento deve alterar para sempre a paisagem onde ocorre. A questão é se ela deixará rios vivos no lugar e se este lugar será reconstruído como ambientalmente saudável, não contaminado", diz Marcio Santilli, coordenador do Instituto Socioambiental, que trabalha com populações tradicionais da área. 

Mineração_serra do navio - Breno Costa/Folhapress - Breno Costa/Folhapress
Barraco no município de Serra do Navio (AP), que recebeu grande projeto de mineração nos anos 1940. Investimentos não geraram riqueza para a população
Imagem: Breno Costa/Folhapress

Licenciamento ambiental é ferramenta para evitar danos

Para o Departamento Nacional de Produção Mineral, ligado ao MME, o licenciamento ambiental garante a adequação da extração de minérios. As leis, do período da Constituição de 1988, estabelecem os limites de exploração e as medidas compensatórias para a região.

"Toda lavra mineral, em qualquer parte do Brasil, só pode ser iniciada quando a empresa detentora do título minerário obtém a licença ambiental junto ao órgão ambiental do Estado ou junto ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)", diz o órgão, em nota. 

No entanto, pesquisadores dizem que ainda há limitações de regulamentação e falta fiscalização para garantir a efetividade das leis.

"O Brasil possui legislação ambiental poderosa. O processo de licenciamento, ainda que tenha uma série de limitações, consegue fazer um diagnóstico e detalhar um prognóstico do impacto e de medidas de compensação que devem ser adotadas", afirma a pesquisadora da FGV. Para ela um dos problemas está quando as compensações não são feitas ou são feitas com atrasos. "Hoje há discussão de que precisa flexibilizar o licenciamento. Mas o que precisa é de mais [regras] de licenciamento, não menos."

Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental, destaca as fraquezas na fiscalização do poder público. "Não tem capacidade de fiscalizar nem mesmo fora da Amazônia, do que Mariana é apenas o mais recente eloquente exemplo, muito menos nela", diz. 

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Indígenas constroem barragem vegetal no rio Seco para impedir avanço de peixes em águas poluídas
Imagem: João Paulo Botelho Vieira Filho/Divulgação

Poluentes em rio geram disputa entre mineradora e indígenas

A mina de níquel Onça Puma, localizada em Ourilândia do Norte, no sudeste do Pará, teve suas atividades suspensas pela Justiça devido à contaminação das águas do rio Cateté, utilizado para pesca, banho e outras atividades pelos índios Xikrin, no Pará.

O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal em maio desse ano, que devolveu a discussão às instâncias originárias. A decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) estabelece que as atividades só poderão ser retomadas após a adoção de medidas compensatórias.

Análises feitas em laboratórios da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e da UFPA (Universidade Federal do Pará) indicam altas doses de ferro, cromo, níquel e cobre nas águas do rio. Para o Ministério Público Federal, a poeira erguida por máquinas, caminhões e explosões contamina o solo e, com a chuva, atinge o rio Cateté, que fica próximo ao empreendimento.

Segundo grupos que representam os indígenas, a população das tribos tem sofrido com doenças e são obrigados a abandonar atividades de pesca

A Vale, responsável pela mina, diz que a atividade de Onça Puma cumpre todos os procedimentos exigidos pelo órgão ambiental licenciador e nega poluição na região. De acordo com empresa, os elementos dissolvidos no rio Cateté são decorrentes da condição geológica da região.

A empresa também afirma que vem buscando implementar as medidas mitigadoras e compensatórias para a comunidade indígena, mas enfrenta resistência para ter acesso à terra indígena.

Mineração_lagoa azul - Breno Costa/Folhapress - Breno Costa/Folhapress
Lagoa Azul, formada pela extração de manganês na Serra do Navio. Antes da mineração, o local era uma montanha
Imagem: Breno Costa/Folhapress

No Amapá, Serra do Navio deixou "buraco"

O Amapá, onde está parte da Renca, é justamente o Estado onde ocorreu a primeira iniciativa de mineração industrial de grande porte na Amazônia. Nos anos 1940, teve início a extração de manganês na Serra do Navio, realizada durante quatro décadas por uma empresa brasileira associada a uma gigante do aço estrangeira. 

Na época, o país ainda não tinha leis de licenciamento ambiental e recomposição do meio ambiente degradado. 

O empreendimento foi acompanhado da promessa de rápida industrialização e desenvolvimento da região. No entanto, ambientalistas que acompanham o que ocorre na Amazônia, dizem que isso não aconteceu.

"Deixou um buraco lá. E não alavancou a economia, não trouxe melhoria de vida e estrutura urbana. E o que tinha de recursos naturais, foram levados”, diz Ricardo Mello, coordenador da ONG WWF-Brasil na Amazônia.

As reservas minerais da Serra do Navio foram declaradas exauridas em 1997. Estudos indicam que houve danos ambientais, como a contaminação da água de rios e de lençóis freáticos por arsênio e manganês.

Além disso, o crescimento urbano não foi bem equacionado por infraestrutura e serviços. “Na época da chegada da mineradora, o Amapá não tinha nada. Construíram estradas, ferrovia, mas apenas para escoar a exploração. Nenhuma riqueza ficou no Estado”, diz Décio Yokota, coordenador executivo da ONG Iepé, que realiza trabalhos com indígenas na região da Renca.  

Mineração_Oriximiná - Bernardo Gutiérrez/Folhapress - Bernardo Gutiérrez/Folhapress
Moradores caminham por Oriximiná, cidade do Pará habitada principalmente por quilombolas
Imagem: Bernardo Gutiérrez/Folhapress

No Pará, grandes obras do passado causaram conflitos

Foi em 1970, durante a ditadura militar, que tiveram início os grandes projetos minerários em Carajás e no rio Trombetas, no Pará. Os empreendimentos tiveram importância para alavancar a economia do país e viabilizar obras de infraestrutura, como a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, que fornece energia para grande parte do país. Contudo, grandes impactos socioambientais fizeram parte dos resultados.

Às margens do rio Trombetas, a cidade de Oriximiná cresceu junto com a exploração de bauxita na década de 1970. "Esse crescimento foi acompanhado de relações conflituosas com comunidades indígenas e quilombolas", diz Yokota.

Na região, além da mineração da bauxita, também foi construída planta de produção de alumínio, o que tornou ainda mais intensos os impactos socioambientais -- dentre eles, a remoção de comunidades quilombolas e a geração de grande quantidade de rejeitos de mineração e resíduos da produção de alumínio.

Em Juruti, município localizado na margem oposta do rio Trombetas na altura de Oriximiná, o desmatamento associado à atividade de extração de bauxita afetou a extração de castanhas, fonte de renda de comunidades locais. 

Juruti - Wikipedia - Wikipedia
Vista de Juruti, onde mineradora implementou criou fundo e indicadores de desenvolvimento sustentável
Imagem: Wikipedia

Projetos em Oriximiná, Juruti e Carajás buscam compensar impactos

Exemplos que buscam caminho de maior sucesso em preservação ambiental e inclusão social existem. Uma iniciativa apontada como positiva está em Oriximiná. Em 2015, a Mineração Rio do Norte, cuja Vale é a principal acionista, criou um projeto em conjunto com organização da sociedade civil para apoiar atividades como a coleta de castanha-do-pará, a agricultura de subsistência e a pesca, realizadas pela população de agricultores, comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas afetados pela mineração. 

Outro exemplo está na cidade de Juriti, às margens do rio Amazonas, no Pará, onde o projeto Juruti Sustentável busca impulsionar o desenvolvimento local com o estabelecimento de uma agenda de longo prazo com a participação da sociedade afetada e a criação de um fundo para financiar projetos sociais e ambientais. Para mostrar os impactos da mineração na cidade, foi criado um site com indicadores de educação, saúde, segurança, dentre outros dados.

E em Carajás, a Vale fez parceria com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para conservar a Floresta Nacional de Carajás. 

Afinal, é possível mineração com pouco impacto socioambiental?

Seguir à risca o licenciamento ambiental e garantir efetiva fiscalização do poder público seriam os pré-requisitos para que os empreendimentos minerários causem menor impacto socioambiental. Mas na visão dos especialistas e ambientalistas, esse mínimo ainda não garante pleno sucesso em termos de proteção de comunidades locais e preservação.

Para Gomes, da FGV, há um caminho possível, mas ainda falta às empresas mineradoras incorporem uma visão sistêmica de tudo que ocorre no território em que se instalam. "O que acontece naquele território? Quais são as vocações econômicas? Quais são as carências? É preciso pensar em processo de compensação e mitigação que leve em conta a totalidade do território”, explica.

“Existem impactos sociais e ambientais positivos decorrentes de projetos ou ações mitigatórias desenvolvidas por algumas empresas, mas não há exemplo de programas que tenham promovido bons resultados socioambientais em escala equivalente à dos impactos que promoveram”, diz Marcio Santilli, do ISA.