MPF defende Inpe após cientista demitido: Rigor e prestígio internacional
Em meio às críticas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com relação ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a quarta câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal saiu em defesa do órgão.
"Os trabalhos desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) são de extremo rigor científico e gozam de prestígio e reconhecimento internacional", diz nota de hoje assinada pelo subprocurador-geral da República, Nívio de Freitas.
Hoje, após reunião com o ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia, pasta responsável pelo Inpe), o diretor do instituto, Ricardo Galvão, afirmou que será exonerado. Galvão, que é doutor em física de plasmas aplicada pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), está a frente do órgão desde 2016.
"Ele [Bolsonaro] tem um comportamento como se estivesse em botequim. Ou seja, ele fez acusações indevidas a pessoas do mais alto nível da ciência brasileira, não estou dizendo só eu, mas muitas outras pessoas", disse Galvão sobre o presidente. Ele avalia que as críticas levaram a sua demissão.
Desde que dados do Inpe indicando aumento no desmatamento foram divulgados, o governo tem criticado o órgão e Galvão.
Salles afirma que o desmatamento tem aumentado, mas chamou o crescimento de 68% de "sensacionalista" - sem indicar qual seria o dato correto. O ministro afirma que dados de meses anteriores foram adicionados ao desmatamento de junho, que há áreas duplicadas no cálculo e que não foi considerada a parte recuperada da floresta.
O Inpe diz não ter tido acesso a revisão de cálculos que baseou essas conclusões do governo.
Satélites mostram maior mancha desmatada
Satélites que capturam o desmatamento e acoplam seus dados no sistema Deter-B mostraram que mais de mil quilômetros de floresta na Amazônia foram derrubados em julho deste ano -- número 68% maior que o mês de julho do ano passado.
Até o dia 26 de julho, última data computada pelo sistema, o Deter-B registrou 1.864,1 km² de desmatamento na Amazônia. A título de comparação, o Inpe registrou, em todo o ano de 2018, 7.536 km² de desmatamento no bioma.
"Especialmente quanto às aferições do desmatamento na Floresta Amazônica, os laudos, produzidos há longos anos, são totalmente confiáveis, e cientificamente inatacáveis", escreveu Freitas no texto do MPF divulgado hoje.
Fritura
Como fizera com o ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social), Joaquim Levy, Bolsonaro utilizou do expediente da fritura pública para desgastar o diretor do Inpe. Ontem, durante uma entrevista coletiva ontem, disse que se "ele [Galvão] quebrou a confiança, vai ser demitido sumariamente."
A estratégia foi reforçada com a revelação de que Galvão fora desconvidado, de última hora, de uma reunião que o Inpe fez na última quarta-feira (31) com Salles e o ministro Marcos Pontes, conforme reportado pela Folha.
Na mesma coletiva, o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) afirmou que "se fossem dados corretos, era preocupante, seria conveniente que nós não alardeássemos isso."
Heleno afirmou ainda que "esses dados [divulgados] prejudicam muito a imagem do Brasil" e sugeriu que "nós cuidássemos do problema internamente, procurássemos corrigir o que está errado".
"Todos os que têm conhecimento e vivência na área ambiental, sabem que o desmatamento na Amazônia é diretamente afetado por deficiências na cadeia de fiscalização, comando e controle. A manipulação de atos estatais, com o objetivo de fins não expressos no ordenamento jurídico, são sempre ilegítimos e serão combatidos pelo MPF", diz o texto do subprocurador Nívio de Freitas.
Publicações científicas
Na última semana, o UOL mostrou que o Inpe é um dos órgãos estatais que mais produzem pesquisa científica no país, com exceção às universidades federais. O instituto ocupa o terceiro lugar no volume de material produzido, atrás apenas da Embrapa e da Fundação Oswaldo Cruz.
Desde 1972, o Inpe acumula mais de 9.000 registros na Scopus, uma das maiores bases de citações científicas do mundo.
O leque de atuação do instituto engloba pesquisas sobre a origem do Universo, passando pelas mudanças climáticas e o desflorestamento das matas nativas do país.
Em 2014, os cientistas do Inpe foram classificados como revisores de excelência do Journal of Atmospheric and Solar-Terrestrial Physics (JASTP), renomada publicação científica.
Como funciona o monitoramento do Inpe
O Inpe desenvolveu, ao longo de mais de três décadas, alguns programas de monitoramento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Vale ressaltar que a função do instituto é apenas mapear as áreas desmatadas - independentemente se a remoção da vegetação é legal ou ilegal - e não fiscalizar, função que fica a cargo do Ibama.
Prodes - O Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite começou a operar em 1988 e realiza um inventário a respeito da perda de floresta nativa na Amazônia. Com base nestes dados, o programa calcula o desmatamento anual no bioma, levando em consideração o período de agosto a julho (por conta das nuvens, depende da estação seca para ter maior exatidão). O Prodes considera somente o desmatamento em áreas de mais de 6,25 hectares e o resultado é divulgado anualmente no mês de dezembro.
Deter-B - Considerado o sistema mais avançado, foi criado em 2004 sob o nome de Deter-A como uma forma de apoio ao combate do desmatamento ilegal e da degradação da Amazônia e do Cerrado. Em 2015 o Inpe colocou em prática a nova versão do Deter, que produz diariamente alertas relativos à alteração na cobertura da floresta em áreas de, no mínimo, 1 hectare. Os alertas, mapeados a partir de imagens dos satélites CBERS-4 e Indian Remote Sensing Satellite (IRS), são enviados diretamente para o Ibama, e costumam ser um dos principais sustentáculos das operações de fiscalização e repressão do órgão.
TerraClass - Desenvolvido a partir de uma parceria do Inpe com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o sistema identifica a procedência (agricultura, pecuária, etc) das áreas desmatadas e registradas pelo Prodes. Também classifica somente áreas maiores que 6,25 hectares.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.