Animais marinhos agonizam com contaminação de óleo no litoral do Nordeste
Resumo da notícia
- Todos os estados do Nordeste foram afetados pelo óleo cru
- Substância é altamente tóxica e densa, matando animais marinhos
- Manchas já chegaram a santuários de golfinhos e berçários de tartarugas
- Quando possível, reabilitação é lenta para animais
A fauna marinha foi bastante atingida pela poluição do petróleo cru encontrado no litoral de todos os estados do Nordeste brasileiro. Há 30 dias, o óleo tomou grande parte da costa e pelo menos 12 animais apareceram cobertos com a substância. A extensão da contaminação com uma substância tão densa determina a letalidade: oito deles não resistiram e morreram.
Onze tartarugas marinhas foram resgatadas oleadas, mas apenas quatro estão vivas, segundo relatório do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Uma ave também foi tratada e não resistiu. A fauna afetada pode ser ainda maior, pois correntes marinhas tendem a não trazer os animais infectados para a costa.
Uma tartaruga recebe tratamento intensivo no Centro de Descontaminação de Fauna Oleada da UERN (Universidade Estadual do Rio Grande do Norte), em Natal.
O bicho estava com o corpo tomado por óleo e com dificuldade de respirar quando foi resgatado na praia da Redinha Nova, em Extremoz, região metropolitana de Natal, no dia 23. A tartaruga da espécie Lepidochelys olivacea (Tartaruga-oliva) ainda está em estado de saúde grave, apesar dos mais de dez dias de reabilitação.
"Verificou-se que o animal se apresentava completamente recoberto pelo óleo e, embora responsivo inicialmente, apresentava elevado nível de estresse e dificuldade de respiração. Foi observada também presença elevada de óleo nas cavidades nasais, oral e nos olhos", explicou o boletim sobre avaliação clínica.
De acordo com o coordenador do Projeto Cetáceos Costa Branca, da UERN, biólogo Flávio Lima, devido às lesões, a tartaruga está recebendo suporte vitamínico e mineral, assim como medicamentos antitóxicos, antibacterianos e anti-inflamatórios.
A terapia adotada deve diminuir as chances de intoxicações causadas pelos resíduos de óleo, evitar instalação de infecções nas lesões nas mucosas, diminuir dor e processos inflamatórios já estabelecidos no animal.
Menores, outros animais marinhos, como caranguejos, guaiamuns e aratus também sucumbiram à presença do óleo.
O último balanço, divulgado pelo Ibama na quinta-feira (3), apontou que foram atingidas pelo óleo 124 praias de 59 municípios —o levantamento ainda não incluía as praias da Bahia.
Ontem, uma mancha densa e extensa de óleo surgiu no mar da praia dos Artistas, em Aracaju (SE). O local foi interditado Segundo a Adema (Administração Estadual do Meio Ambiente), esta é a maior concentração da substância já encontrada nos nove estados nordestinos afetados pelo derramamento de petróleo cru desde o mês passado.
Comida do peixe-boi contaminada
A bióloga Liliana Oliveira de Souza, coordenadora do projeto Pesca Solidária, que monitora a maior população de peixes-bois marinhos, no Piauí, teme que o óleo cause mortes. Ela encontrou óleo misturado no capim-agulha, principal fonte de alimento dos bichos.
"Todo banco de alimentação de Cajueiro da Praia até Coqueiro pode está comprometido. É muito capim-agulha com óleo, podemos ter um problema gravíssimo, que resulte em mortes de peixe-boi, se não for feito nada."
O material é altamente tóxico. "Além de ingerir, o óleo pode grudar nas narinas dos peixes-bois quando eles sobem para respirar, causando morte por afogamento. O peixe-boi tem uma importância ecológica e econômica no Brasil", diz a bióloga.
Um vídeo divulgado em redes sociais, feito pelo estudante Júlio Derazani, mostra que a poluição causada pelo derramamento de óleo na praia de Itatinga, em Alcântara (MA), afetou animais marinhos. Ele encontrou uma tartaruga agonizando, com dificuldade de respirar, em meio às manchas de óleo no dia 22. O animal foi lavado com água do mar, sabão em pó e areia e, depois, devolvido ao mar. Ainda estava vivo.
Essa, entretanto, não é a orientação do Ibama. O instituto orienta que, em caso de localização de animal atingido com óleo, os órgãos ambientais devem ser acionados imediatamente. O animal não deve ser lavado nem devolvido ao mar antes da avaliação de médico veterinário.
O biólogo Flávio Lima explica que os animais oleados encontrados vivos devem ser reabilitados antes de serem devolvidos ao mar, como ocorreu em dois achados por banhistas no Maranhão e no Rio Grande do Norte. "Não é correto tentar limpar e devolver ao mar, pois o animal não foi descontaminado e provavelmente voltará a encalhar", explica.
Lima diz que é possível que o petróleo esteja atingindo áreas distantes da costa. "A primeira e a terceira tartarugas encontradas com óleo no Rio Grande do Norte são da espécie oliva, de características oceânicas. Com isso, são duas de espécie de comportamento oceânico e na lista de animais ameaçados de extinção", diz.
Cláudio Sampaio, professor da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), diz que pode haver "número maior de animais mortos a que não vamos ter acesso". "Sem um mapeamento, nunca vamos saber ao certo o grau de impacto desse óleo."
"Está havendo uma falha na identificação da fonte e contenção desse óleo. É menos oneroso se conter esse óleo, retirando ele ainda na água, do que deixá-lo bater nas praias, costão rochoso, área de manguezal, para depois fazer a limpeza. A gente está perdendo tempo precioso em não identificar logo a fonte do acidente e realizar a contenção", explica.
Em Alagoas, a preocupação é por conta de o período atual ser o início de desova de tartarugas marinhas. Manchas de óleo já foram encontradas em praias de desovas de tartarugas e santuários de golfinhos.
O coordenador de Gerenciamento Costeiro do (Instituto de Meio Ambiente de Alagoas), Ricardo César Oliveira, aponta que petróleo bruto que atinge a costa nordestina pode causar mortandade dos recifes.
"Temos riscos para os recifes de corais. Se esse óleo se depositar na maré baixa, ficará acumulando sob os recifes e causará a mortandade das espécies de corais", afirma Oliveira.
Análises do impacto ambiental já apontam que organismos da cadeia alimentar foram contaminados, com transferência da substância para animais marinhos maiores, sem efeito imediato. "Pode ter havido contaminação com peixes, pois a comunidade planctônica é a base da cadeia alimentar e o óleo impregnou esses microanimais."
Petróleo estrangeiro
A substância apareceu nas praias poucos dias depois de um vazamento de cinco metros cúbicos de óleo e água na estação de tratamento de despejos industriais da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca (PE), na região metropolitana do Recife. O vazamento ocorreu no dia 26 de agosto.
Entretanto, a Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade) e a Petrobras negam que o material despejado no mar tenha relação com o derramamento de óleo da refinaria.
A Petrobras informou que análise nas amostras de petróleo cru coletadas em praias do Nordeste mostrou que o material não é produzido e nem comercializado no Brasil. Os testes foram realizados nos laboratórios do Cenpes (Centro de Pesquisas da Petrobras), no Rio de Janeiro.
A Petrobras afirmou que está tentando identificar o país de origem do petróleo e as análises de comparação das moléculas dos substratos internacionais devem durar cerca de 20 dias.
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