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Cientistas questionam origem venezuelana de óleo que atingiu praias em 2019

21.out.2019 - Manchas de óleo na praia de Feliz Deserto, em Alagoas - Raquel Grison/Laboratório de Morfologia Sistemática e Ecologia de Aves do Museu de História Natural da Ufal
21.out.2019 - Manchas de óleo na praia de Feliz Deserto, em Alagoas Imagem: Raquel Grison/Laboratório de Morfologia Sistemática e Ecologia de Aves do Museu de História Natural da Ufal

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/02/2020 19h18Atualizada em 01/03/2020 13h39

Um artigo assinado por 25 cientistas de instituições de Brasil, Espanha e Itália, e publicado hoje pela revista Marine Policy, questiona a certeza das autoridades brasileiras sobre a origem do óleo que atingiu 1.009 praias em 11 estados do Brasil no segundo semestre do ano passado. Segundo autoridades, o óleo seria venezuelano.

De acordo com o texto "Derramamento de óleo no Atlântico Sul (Brasil): desastre ambiental e governamental", faltou transparência ao governo brasileiro com a comunidade científica para mostrar a forma como a hipótese foi confirmada. Por conta disso, no momento, eles dizem que não podem descartar qualquer possibilidade da origem de óleo.

"O procedimento para a identificação do óleo a origem não é clara e poucos detalhes foram divulgados. Nos poucos resultados publicados, os Hopanos foram monitorados somente pelo GC-MS, modo SIM (m/z 191) e, com base nisso, concluiu que o óleo derramado foi extraído de um campo de petróleo venezuelano", afirma o texto.

"No entanto, de acordo com as bases modernas do processo orgânico ciência forense de geoquímica, o primeiro passo na identificação de uma fonte derramamento de óleo é caracterizar meticulosamente o óleo com base na cromatografia em fase gasosa [por exemplo, detecção de ionização de chama ou espectometria de massa, bem como a massa de ressonância de ciclotron de íons de transformada de Fourier espectrometria", afirma.

A informação de que o óleo é venezuelano foi repetida diversas vezes em entrevistas pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Duas instituições divulgaram, em outubro, resultados apontando a origem do óleo. A Petrobras informou que análise em mais de 30 amostras indicou que petróleo saiu de três campos venezuelanos.

A outra pesquisa foi do Instituto de Geociências da UFBA (Universidade Federal da Bahia), que apontou "correlação do óleo com um dos tipos de petróleo produzido na Venezuela".

Um dos fatos que chama a atenção da investigação é que o governo não solicitou apoio, nem enviou amostras do óleo a Venezuela para confirmação ou não da origem do óleo. A PDVSA, empresa estatal de petróleo da Venezuela, questiona a origem do petróleo que surgiu no litoral brasileiro.

Questionamentos

Segundo um dos autores do artigo, o pesquisador André Henrique Barbosa de Oliveira, do Departamento de Química Analítica e Físico-Química da UFC (Universidade Federal do Ceará), um dos problemas visto foi a pressa com que o governo cravou a origem do óleo, mesmo sem nunca descobrir a fonte do vazamento.

"O que acontece é que achamos um pouco precipitado 'bater o martelo' em relação à origem do óleo. Lembrando que estamos nos baseando apenas no que foi divulgado até então para nós da comunidade científica", afirma.

Para ele, houve uma falta de transparência do governo com os cientistas. "Foi divulgada apenas a conclusão da origem por parte da Petrobras e de laboratórios certificados. Mas não foi divulgado, por exemplo, detalhes técnicos da análise para nós, pesquisadores da área", assegurou.

Oliveira afirmou ainda que, passados seis meses do início do incidente, ainda há muitas pesquisas em andamento e dúvidas a serem respondidas.

"Gostaríamos de já ter informações mais detalhadas sobre muitas perguntas, e uma delas é acerca de desse mistério de onde veio todo esse óleo. Mas o caso é bastante complexo, envolve muitas áreas do conhecimento científico. Nossa área de análise química de óleo, e posso assegurar que ainda é precipitado qualquer conclusão cientificamente robusta para afirmar alguns questionamentos", afirma.

O pesquisador Rivelino Cavalcante, do Instituto de Ciências do Mar da UFC e um dos autores do artigo, também questiona a certeza do governo brasileiro. "O que foi apresentado é uma evidência muito frágil. Você não pode acusar ninguém com isso. Pode ser venezuelano, mas só com uma fonte não é possível ter certeza", diz.

Outros pontos

No artigo, os cientistas classificam o desastre como algo de "escala continental ao longo do litoral brasileiro."Eles citam que é necessária uma série de análises e acompanhamento do problema, que ainda deve causar impactos por anos.

"As espécies tropicais afetadas e as comunidades pobres no Nordeste devem receber atenção concentrada nas próximas décadas devido aos impactos a longo prazo da contaminação por óleo. Medidas de monitoramento e resposta ambiental devem ser implementadas para minimizar a efeitos ecológicos, econômicos e sociais do derramamento", afirmam os cientistas.

Eles citam ser uma "necessidade urgente" a realização de pesquisas com enfoque em quatro pontos: "o grau e os efeitos da contaminação ambiental; a toxicidade ambiental do petróleo bruto e seus resíduos; a biodegradação e a resposta microbiana ao derramamento; e a monitoração dos impactos agudos e crônicos nos recursos marinhos e biota costeira e comunidades humanas tradicionais."