Em meio a incêndios no Pantanal, rio Paraguai enfrenta pior seca em 50 anos
O principal rio do Pantanal, o rio Paraguai, passa por um momento crítico com o pior nível do curso de água dos últimos 50 anos. Tal situação agrava o avanço do fogo que já queimou cerca de 3 milhões de hectares da maior planície alagável do planeta, segundo o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).
O Pantanal vive uma das piores secas de sua história, com uma média de chuva 40% menor que o mesmo período dos anos anteriores. A área queimada já equivale a mais de 10 cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas, dizimadas pelo fogo.
O rio Paraguai é o oitavo maior em curso de água da América do Sul. Nasce no Brasil e passa pela Bolívia, Paraguai até chegar à foz na Argentina. E, atualmente, sua vazante está registrando cotas próximas das mínimas históricas em diversos pontos ao longo do seu percurso, de acordo com o Serviço Geológico do Brasil.
Dados apresentados pelo órgão ao UOL revelam o estado crítico do rio. Em Mato Grosso, no município de Cáceres, desde junho o Paraguai está registrando o menor nível dos últimos 55 anos: na sexta-feira (18), atingiu 54 cm.
Em Mato Grosso do Sul, próximo de Corumbá, no porto São Francisco, considerando os últimos 53 anos, apresentou também uma das cotas mais rigorosas: 3,32 m. Em Ladário o resultado foi extremo: 25 cm de profundidade no leito do rio. Em Porto Murtinho, sul do estado, em 81 anos de monitoramento a vazante deste ano está entre as 12 mais rigorosas.
"Para entender o impacto do rio estar com uma lâmina d'água tão pequena, quando a cota em Ladário atinge 1,5 metro a Marinha do Brasil já adota restrições de navegação. Em 120 anos de monitoramento, esse valor está entre as treze vazantes mais rigorosas", explica o pesquisador do Serviço Geológico do Brasil, Marcelo Parente Henriques.
Em 2020, faltou uma coluna de 2 m de água se espalhando, diz especialista
Para o pesquisador, a interferência humana no Pantanal, como a pecuária, o crescimento das fronteiras agrícolas e das cidades pode estar ultrapassando o que o bioma suporta, gerando como resultado o cenário atual. "Este ano, em relação a valores médios, faltou uma coluna d'água de dois metros se espalhando pelo Pantanal. Então, teve uma grande área da planície que não recebeu água alguma".
Marcelo explica que no Pantanal mede-se o comportamento da água, chamada de onda de cheia, por metros. "Quando o nível na régua atinge de quatro a cinco metros temos uma cheia pequena. De cinco a seis uma cheia média. E acima de seis metros é considerado uma grande cheia", explica.
"Em 1988, atingiu 6,64 metros e o rio Paraguai expandiu seu leito alcançando 20 km de largura na região de Corumbá. No ano atual, o nível máximo que o rio Paraguai atingiu, chamado pico da cheia, foi apenas 2,06 m na estação de Ladário, que possui aproximadamente 120 anos de registros de dados de nível d'água", afirma.
Não é a primeira vez que o Pantanal sofre com a seca. O bioma passou por algo semelhante na década de 60. Segundo dados do Serviço Geológico do Brasil, depois deste fenômeno, em 1980, o rio Paraguai passou a apresentar níveis de estabilidade novamente. Nos últimos anos este nível voltou a baixar — devido a uma sequência de anos com chuvas abaixo da média combinados a uma seca extrema este ano, segundo o pesquisador ouvido pelo UOL.
Plantas e animais queimados podem saturar água e matar peixes
Embora a chuva seja necessária para apagar o incêndio que aflige o Pantanal, ela também preocupa por causa da matéria orgânica gerada pelo fogo — desde a vegetação a animais queimados que podem ser levados da planície alagada ao Rio Paraguai. "É muita matéria orgânica para decompor. Ela vai tirar o oxigênio da água e matar os peixes. A nossa previsão é que vai haver uma grande mortandade de peixes", afirma Carolina Joana da Silva, professora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e coordenadora do Projeto Ecológico de Longa Duração Dinâmicas Ecológicas na Planície do Alto Rio Paraguai.
Carolina explica que a morte de peixes nas cheias sempre acontece no Pantanal. Para a pesquisadora, o problema deste ano é a dimensão do território destruído pelo fogo. "A quantidade de matéria orgânica será muito grande. Incomum. Ainda no período da piracema. Além da gente ter que recompor a vegetação, o macrohabitat do Pantanal, vamos ter que recompor água também."
"A gente não sabe como essa água vai estar até mesmo para ser consumida", afirma a pesquisadora. E completa: "estamos à mercê do clima. Vamos ter que criar estratégias mais adaptativas. Precisamos de governança para lidar com tudo isso".
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