'Beleza mortal': Corais invasores viram ameaça no mar de Salvador
Pesquisadores brasileiros e estrangeiros publicaram um artigo em que relatam ter descoberto, pela primeira vez no oceano Atlântico, a presença de duas espécies de corais invasores. Comercializadas para ornamentação de aquários, estão em franca expansão na Baía de Todos os Santos, no litoral de Salvador.
Segundo o artigo, publicado no Journal of the Marine Biological Association (Jornal da Associação de Biologia Marinha do Reino Unido, em tradução livre), os corais foram percebidos ainda em 2018, quando começaram a ser estudados. Sete pesquisadores conseguiram quantificar a distribuição e abundância das espécies, consideradas um risco à conservação dos recifes brasileiros.
Um dos corais é do gênero Sarcothelia, da família Xeniiadae —também conhecidos por 'pólipos azuis'. O outro é do gênero Briareum hamrum, da família Briareidae, de cor marrom esverdeada. Ambos são classificados como octocorais, um tipo que não possui esqueleto calcário —por isso é chamado de coral mole— e que tem pólipos com oito ou múltiplos de oito tentáculos.
O Sarcothelia é nativo do Havaí (EUA), arquipélago no oceano Pacífico. "Sua distribuição natural, curiosamente, permanece desconhecida, mas todos os membros da família Xeniidae estão restritos a águas rasas e tropicais dos oceanos Índico e Pacífico. Os únicos registros desta família no oceano Atlântico são as espécies invasoras na Venezuela e sudeste do Brasil, ambos introduzidos por meio do comércio de aquários", diz o artigo.
A espécie, de aparência azul, encanta pela beleza, mas tem um poder de disseminação rápida e pode tomar conta do ecossistema recifal. Usado para ornamentar aquários, cientistas falam que ele tem uma "beleza mortal", pela capacidade de matar outras espécies nativas do litoral brasileiro.
Já a segunda espécie, o Briareum hamrum, é nativa do Mar Vermelho e do oceano Índico ocidental e nunca foi relatada em qualquer lugar do Atlântico. "A única espécie de Briareum conhecido do Oceano Atlântico é B. asbestinum, que se restringe aos recifes do Atlântico Norte", afirmam os autores do artigo.
Para os cientistas, a introdução dessas espécies em um recife raso de Salvador tem relação com o comércio de organismos ornamentais marinhos. "Consideramos que as co-ocorrências de duas espécies até então não relatadas no Atlântico, ambas conhecidas no comércio internacional de aquários, como uma forte evidência de uma introdução recente dessas espécies não nativas para o Brasil", dizem os pesquisadores das universidades federais de Alagoas (Ufal), Bahia (UFBA) e Pernambuco (UFPE); Instituto Meros do Brasil e Harvey Mudd College (EUA).
Avanço rápido preocupa
A descoberta desses dois octocorais invasores preocupa os pesquisadores, que temem não só que reduzam a diversidade local, como que se espalhem pelo país. "Foi observado que esses invasores são rápidos, recobrindo a fauna e flora nativa, incluindo partes de naufrágios históricos", conta o professor e pesquisador da Ufal, Cláudio Sampaio, um dos autores do estudo.
Os pólipos azuis, diz ele, "mudam completamente o ambiente". "Uma das características do recife de coral é a diversidade: são muitas as cores que a gente encontra. Mas com ele, onde chega, fica tudo azul. É uma beleza mortal", afirma.
Devido ao uso deles como organismos ornamentais em aquários, Cláudio diz que é urgente realizar uma campanha de comunicação com pessoas que dependem da atividade ornamental.
Essa ação precisa ser focada nos lojistas e aquaristas, sobre os riscos de eventuais solturas de espécies não nativas. Também é importante falar aos mergulhadores, para que novos registros possam ser mapeados".
Cláudio Sampaio, autor do artigo
Como são muito bonitos, Cláudio teme que a falta de informações leve aquaristas inexperientes a coletar esses corais para venda —o que ajudaria a aumentar o problema. "Um passo importante, agora, é estreitar os laços entre aquaristas, lojistas de organismos ornamentais, mergulhadores e pesquisadores para um manejo dessas espécies, baseado na ciência, seja em aquários domésticos ou nas praias brasileiras", afirma.
Ações para controlar são difíceis
Segundo Cláudio, caso nada seja feito nas praias soteropolitanas, é possível que os corais invasores se disseminem em outros pontos do litoral brasileiro. Isso já existe com outras espécies, por exemplo, como o coral sol. A tarefa, entretanto, é desafiadora.
"Devido à reprodução assexuada por fragmentação dos pólipos, as medidas de manejo como raspagem não são indicadas, pois cada fragmento [esses corais são pequenos, cada pólipo possui menos de 0,5 cm] pode ser facilmente dispersado por correntes marinhas e gerar novas colônias em áreas distantes", explica.
A raspagem citada por Cláudio é uma técnica de mergulho científico em que o pesquisador usa uma espátula. "Esses corais são moles, não produzem esqueleto calcário, o que facilita essa raspagem", completa.
Uma solução para não ter problemas de descartes, diz o pesquisador, é usar uma espécie de aspirador de pó submarino. "Com ele a gente impede que esses pequenos fragmentos arrancados do fundo possam ser transportados pelas marés. Isso pode ser uma alternativa para controlar esses invasores", conclui.
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