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'Beleza mortal': Corais invasores viram ameaça no mar de Salvador

Octocoral Sarcothelia, de cor azul, está tomando a Baía de Todos os Santos - Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal
Octocoral Sarcothelia, de cor azul, está tomando a Baía de Todos os Santos Imagem: Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

08/02/2022 04h00

Pesquisadores brasileiros e estrangeiros publicaram um artigo em que relatam ter descoberto, pela primeira vez no oceano Atlântico, a presença de duas espécies de corais invasores. Comercializadas para ornamentação de aquários, estão em franca expansão na Baía de Todos os Santos, no litoral de Salvador.

Segundo o artigo, publicado no Journal of the Marine Biological Association (Jornal da Associação de Biologia Marinha do Reino Unido, em tradução livre), os corais foram percebidos ainda em 2018, quando começaram a ser estudados. Sete pesquisadores conseguiram quantificar a distribuição e abundância das espécies, consideradas um risco à conservação dos recifes brasileiros.

Um dos corais é do gênero Sarcothelia, da família Xeniiadae —também conhecidos por 'pólipos azuis'. O outro é do gênero Briareum hamrum, da família Briareidae, de cor marrom esverdeada. Ambos são classificados como octocorais, um tipo que não possui esqueleto calcário —por isso é chamado de coral mole— e que tem pólipos com oito ou múltiplos de oito tentáculos.

O Sarcothelia é nativo do Havaí (EUA), arquipélago no oceano Pacífico. "Sua distribuição natural, curiosamente, permanece desconhecida, mas todos os membros da família Xeniidae estão restritos a águas rasas e tropicais dos oceanos Índico e Pacífico. Os únicos registros desta família no oceano Atlântico são as espécies invasoras na Venezuela e sudeste do Brasil, ambos introduzidos por meio do comércio de aquários", diz o artigo.

Coral tem cor azul característica e está se expandido rapidamente  - Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal - Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal
Coral tem cor azul característica e está se expandido rapidamente
Imagem: Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal

A espécie, de aparência azul, encanta pela beleza, mas tem um poder de disseminação rápida e pode tomar conta do ecossistema recifal. Usado para ornamentar aquários, cientistas falam que ele tem uma "beleza mortal", pela capacidade de matar outras espécies nativas do litoral brasileiro.

Já a segunda espécie, o Briareum hamrum, é nativa do Mar Vermelho e do oceano Índico ocidental e nunca foi relatada em qualquer lugar do Atlântico. "A única espécie de Briareum conhecido do Oceano Atlântico é B. asbestinum, que se restringe aos recifes do Atlântico Norte", afirmam os autores do artigo.

Coral da espécie Briareum hamrum - Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal - Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal
Coral invasor da espécie Briareum hamrum
Imagem: Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal

Para os cientistas, a introdução dessas espécies em um recife raso de Salvador tem relação com o comércio de organismos ornamentais marinhos. "Consideramos que as co-ocorrências de duas espécies até então não relatadas no Atlântico, ambas conhecidas no comércio internacional de aquários, como uma forte evidência de uma introdução recente dessas espécies não nativas para o Brasil", dizem os pesquisadores das universidades federais de Alagoas (Ufal), Bahia (UFBA) e Pernambuco (UFPE); Instituto Meros do Brasil e Harvey Mudd College (EUA).

Avanço rápido preocupa

A descoberta desses dois octocorais invasores preocupa os pesquisadores, que temem não só que reduzam a diversidade local, como que se espalhem pelo país. "Foi observado que esses invasores são rápidos, recobrindo a fauna e flora nativa, incluindo partes de naufrágios históricos", conta o professor e pesquisador da Ufal, Cláudio Sampaio, um dos autores do estudo.

Os pólipos azuis, diz ele, "mudam completamente o ambiente". "Uma das características do recife de coral é a diversidade: são muitas as cores que a gente encontra. Mas com ele, onde chega, fica tudo azul. É uma beleza mortal", afirma.

Pólipos azuis são espécie típica do Havaí e estão tomando recifes de Salvador  - Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal - Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal
Pólipos azuis são espécie típica do Havaí e estão tomando recifes de Salvador
Imagem: Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal

Devido ao uso deles como organismos ornamentais em aquários, Cláudio diz que é urgente realizar uma campanha de comunicação com pessoas que dependem da atividade ornamental.

Essa ação precisa ser focada nos lojistas e aquaristas, sobre os riscos de eventuais solturas de espécies não nativas. Também é importante falar aos mergulhadores, para que novos registros possam ser mapeados".
Cláudio Sampaio, autor do artigo

Como são muito bonitos, Cláudio teme que a falta de informações leve aquaristas inexperientes a coletar esses corais para venda —o que ajudaria a aumentar o problema. "Um passo importante, agora, é estreitar os laços entre aquaristas, lojistas de organismos ornamentais, mergulhadores e pesquisadores para um manejo dessas espécies, baseado na ciência, seja em aquários domésticos ou nas praias brasileiras", afirma.

Espécies invasoras podem tomar conta do local e se disseminar pelo liotoral do país - Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal - Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal
Espécies invasoras podem tomar conta do local e se disseminar pelo liotoral do país
Imagem: Cláudio Sampaio/Arquivo pessoal

Ações para controlar são difíceis

Segundo Cláudio, caso nada seja feito nas praias soteropolitanas, é possível que os corais invasores se disseminem em outros pontos do litoral brasileiro. Isso já existe com outras espécies, por exemplo, como o coral sol. A tarefa, entretanto, é desafiadora.

"Devido à reprodução assexuada por fragmentação dos pólipos, as medidas de manejo como raspagem não são indicadas, pois cada fragmento [esses corais são pequenos, cada pólipo possui menos de 0,5 cm] pode ser facilmente dispersado por correntes marinhas e gerar novas colônias em áreas distantes", explica.

A raspagem citada por Cláudio é uma técnica de mergulho científico em que o pesquisador usa uma espátula. "Esses corais são moles, não produzem esqueleto calcário, o que facilita essa raspagem", completa.

Uma solução para não ter problemas de descartes, diz o pesquisador, é usar uma espécie de aspirador de pó submarino. "Com ele a gente impede que esses pequenos fragmentos arrancados do fundo possam ser transportados pelas marés. Isso pode ser uma alternativa para controlar esses invasores", conclui.