TRF-4 manda ao STJ ação de Lula que o deixou inelegível; saiba o que ocorre
Ana Carla Bermúdez
Do UOL, em São Paulo
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Wilton Júnior/Estadão Conteúdo
O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) encaminhou, no começo da tarde desta quinta-feira (6), o processo do tríplex para o STJ (Superior Tribunal de Justiça). A chegada da ação à instância superior pode dar ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) uma chance de suspender sua inelegibilidade, declarada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na última sexta-feira (31), e até mesmo de ser absolvido da condenação imposta a ele na Operação Lava Jato.
Mas com a proximidade das eleições e do prazo de dez dias estabelecido pelo TSE para que o PT indique quem irá substituir Lula no pleito, os advogados do petista devem enfrentar uma verdadeira corrida contra o tempo para que seu nome continue na disputa presidencial deste ano. Especialistas ouvidos pelo UOL acreditam que o julgamento no STJ não ocorrerá em tempo hábil para Lula concorrer ao Planalto.
Com o encerramento de prazos e movimentações processuais no TRF-4, a segunda instância da Lava Jato, a ação foi enviada ao STJ, uma instância superior. O processo "subiu" (jargão jurídico) graças a um recurso apresentado em abril, após a prisão de Lula. Os advogados alegam que, ao manter a condenação de Lula e elevar sua pena, o TRF-4 contrariou uma série de leis, e pedem que o petista seja absolvido ou que seja declarada a nulidade do processo.
A defesa requer ainda a suspensão dos efeitos da condenação do petista até que o processo seja julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
A brecha para que seja discutida a elegibilidade do petista no STJ vem de uma menção feita no recurso ao artigo 26-C, da Lei da Ficha Limpa. O artigo determina que "o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas (...) poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal".
Isto é: caso tenha a inelegibilidade suspensa de forma cautelar (provisória) pelos tribunais superiores, Lula pode ter a candidatura autorizada até que o recurso seja julgado em definitivo --o que não tem prazo estabelecido para acontecer.
O novo presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, afirmou na quarta-feira que, logo que chegasse ao tribunal, o processo de Lula seria julgado "em 30 ou 40 dias". Caso a análise siga realmente este prazo e não haja uma liminar, não haverá tempo para Lula voltar à eleição. Pela lei eleitoral, os partidos têm no máximo até o dia 17 de setembro para trocar seus cabeças de chapa.
Questionada se iria apresentar alguma medida para tentar acelerar o julgamento, a defesa de Lula não se manifestou.
Candidato ou não candidato?
Para especialistas, o TSE deve acatar uma eventual decisão do STJ sobre a situação de inelegibilidade do ex-presidente.
"O que a Justiça Eleitoral faz é uma constatação da situação da pessoa", pontua Daniel Falcão, especialista em direito eleitoral e constitucional e professor do IDP-São Paulo. "Nesse caso, foi constatado, na sexta [31], que ele estava inelegível. Se essa situação for alterada até o fim do processo, eu entendo que a decisão do STJ tem que ser respeitada [pelo TSE]".
Gustavo Badaró, professor de processo penal na USP (Universidade de São Paulo), destaca: "O STJ não vai discutir se ele é elegível ou não. Quem decide isso é o TSE. Mas o STJ pode conceder a suspensão do efeito de inelegibilidade do acórdão do TRF-4".
A professora da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) Roberta Gresta alerta, por outro lado, que pode não haver tempo hábil para que um julgamento no STJ tenha reflexos no TSE.
"Embora tecnicamente [o TSE] tenha que acolher, é saber quanto tempo o STJ vai levar para conseguir examinar esse pedido e se isso virá em tempo hábil, considerando que foram dados 10 dias no caso dele, fora da sistemática usual, dizendo que desde agora deve ser feita a substituição", diz.
Em seu voto na sessão do TSE da última sexta-feira, o ministro relator do caso, Luis Roberto Barroso, mencionou que uma eventual decisão do STJ ou do STF no sentido de suspender a inelegibilidade de Lula "poderia influenciar no julgamento deste processo". Disse, porém, que a análise nos tribunais superiores não poderia adiar o julgamento do registro de candidatura.
Se for absolvido, Lula pode concorrer?
A corrida contra o tempo para que Lula permaneça como candidato nas eleições deste ano também vale para uma eventual absolvição do petista no STJ, segundo os advogados. Nesse cenário, caso o ex-presidente venha a ser absolvido, cabe ainda recurso do MP (Ministério Público).
Badaró pontua que, se a reforma da condenação de Lula for posterior à eleição, ele ficará de fora do pleito. "Não tem como você anular as eleições para ele poder concorrer de novo", afirma. "Pode o STJ suspender a execução da pena, o que permite até que ele fique em liberdade. Não é que ela [a decisão] não vai produzir efeito. Mas se a candidatura dele já tiver sido substituída, tem gente que entende que o efeito eleitoral não pode mais ser revertido."
Já Roberta afirma que a situação é um paradoxo proveniente da própria Lei da Ficha Limpa. "Esse período de inelegibilidade não acontece só para o candidato Lula, é uma situação geral. Várias pessoas ficam em situação de inelegibilidade e podem, depois, ter seus recursos providos pelos tribunais superiores", afirma.
Nesses casos, segundo ela, a oportunidade está "perdida". "Não tem medida no direito eleitoral que assegure a ele qualquer outra coisa depois da eleição, e uma vez excluído, ou mesmo seguindo até o momento onde for indeferido em definitivo, esse é um paradoxo da própria Lei da Ficha Limpa: o risco de você deixar pessoas fora da eleição, antecipando um efeito que não há como antever."
Outros recursos
Em mais uma frente, advogados de Lula informaram nesta terça-feira (4) que apresentaram um recurso ao STF pedindo o afastamento de qualquer impedimento à candidatura do petista. A solicitação tem como base um pedido do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) que, em resposta à defesa de Lula, pediu para que o Brasil não retirasse Lula da disputa eleitoral até que seus recursos fossem julgados por completo em "procedimentos judiciais justos". Essa ação já foi negada, na madrugada desta quinta-feira (6), pelo ministro Edson Fachin.
O pedido do comitê da ONU é de caráter liminar (provisório). Enquanto a defesa do ex-presidente afirma que o pedido tem caráter "vinculante", ou seja, deve ser acatado pelo Brasil, o Itamaraty diz que se trata apenas de "recomendação".
Mais cedo na terça, os advogados de Lula já haviam informado que recorreram novamente ao Comitê de Direitos Humanos da ONU pedindo para que o órgão "profira nova decisão reiterando a obrigação do Estado brasileiro de cumprir suas obrigações internacionais e assegurar a candidatura de Lula à presidência da República."
Advogados eleitorais do petista também protocolaram outros dois recursos no STF --um especificamente contra a decisão do TSE por barrar a candidatura do ex-presidente; o outro, pedindo para que a Corte suspenda a decisão da Justiça Eleitoral até que ocorra o julgamento do primeiro.