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PT prometeu R$ 20 milhões a PTB de Roberto Jefferson em troca de apoio, diz Gurgel

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

03/08/2012 18h05

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse nesta sexta-feira (3), durante julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), que o PT prometeu pagar R$ 20 milhões ao PTB para que a legenda aderisse à base do governo em 2003, primeiro ano do governo Lula.

Segundo Gurgel, que lê a denúncia contra 36 réus do mensalão, as negociações entre PTB e PT foram intermediadas pelo então ministro dos Transportes, Anderson Adauto, à época filiado ao PL. Pelo lado do PTB, quem dava as diretrizes, segundo o procurador-geral, era Roberto Jefferson, presidente da sigla.

“O acordo era de que o PT pagaria R$ 20 milhões ao PTB. Em reunião entre representantes dos dois partido, Jefferson questionou ‘de que forma vai ser feito esse repasse?’. José Genoino [presidente do PT na época] respondeu: ‘vamos fazer através de partido a partido ou ajuda a contribuição’”.

De acordo com Gurgel, o PTB recebeu do PT R$ 4,54 milhões, por meio da empresa do publicitário Marcos Valério. O restante acordado, por algum motivo não explicitado, não foi pago.

Infográfico

  • Arte/UOL

    Relembre o escândalo do mensalão, veja quem são os acusados, como teria sido o esquema e quais as possíveis penas

Saques

Na sua exposição, Gurgel disse que saques vultosos do esquema foram realizadas às vésperas de votações de projetos importantes no Congresso Nacional durante o primeiro mandato do governo Lula. Segundo o procurador, o dinheiro era usado para comprar o voto de parlamentares da base aliada.

"Sempre nos dez dias anteriores ou posteriores a uma votação relevante havia também a movimentação de vultosos valores em espécie. Isso não se provou nos autos aqui, se provou na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito)". O dinheiro, segundo Gurgel, era sacado das contas das agências do publicitário Marcos Valério e repassado a partidos da base aliada.

Gurgel cita também a votação da lei das falências, quando teria havido um saque de R$ 650 mil no Banco Rural, realizado por Simone Vasconcelos, braço-direito de Valério no núcleo financeiro do grupo. "No período precedente à votação da lei de falências, Simone Vasconcelos sacou R$650 mil no Banco Rural, provavelmente aqueles levados no carro forte."

Para Gurgel diz que o fato de as datas dos saques coincidirem com as votações no Congresso é uma das maiores provas de que o mensalão existiu.

Para jurista, núcleo político é o mais difícil de provar

Marcos Valério e José Dirceu

Antes, Gurgel afirmou que Marcos Valério, acusado de ser líder do núcleo operacional e financeiro do mensalão, ofereceu ao PT um esquema de desvio de recursos que já existia em Minas Gerais.

“O Marcos Valério ofereceu ao PT um esquema já existente em Minas Gerais”, disse, em referência ao mensalão mineiro, suposto esquema de arrecadação ilegal de recursos, com participação de Valério, para a campanha de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) a governador do Estado em 1998.

Em 2007, a Procuradoria Geral da República denunciou Azeredo sob acusação de peculato (uso de cargo público em benefício próprio) e lavagem de dinheiro. Na sua sustentação, entretanto, Gurgel não citou nominalmente o mensalão mineiro, nem Azeredo.

O procurador afirmou também que “José Dirceu foi a principal figura, o mentor, o grande protagonista do mensalão. Foi ele quem idealizou o sistema ilícito."

O procurador-geral citou também o depoimento do Marcos Valério, no qual ele teria dito que "Dirceu sabia das operações feitas para financiar os acordos políticos" e que "nada, absolutamente nada, acontecia sem a prévia autorização de Dirceu."

Gurgel também afirma que Marcos Valério teria intermediado encontros entre José Dirceu e dirigentes do Banco Rural. Sobre a suposta falta de provas contra Dirceu, Gurgel alega que, "assim como um chefe de quadrilha", Dirceu não aparece com frequência durante os acordos do esquema. 

OS ACUSADOS

  • O STF julga 38 réus acusados de envolvimento no suposto esquema do mensalão; veja quem são

Para tentar convencer os ministros de que Dirceu centralizou o esquema, Gurgel afirmou que, em seu depoimento, o réu Valdemar Costa Neto, na época líder do PR disse que os encontros para tratar do mensalão ocorreram “sempre na residência de Dirceu”.

Dirceu pediu demissão da Casa Civil em meio ao escândalo e teve o mandato de deputado federal cassado em dezembro de 2005, por quebra de decoro parlamentar. Ele responde por formação de quadrilha e corrupção ativa.

Em sua defesa, o ex-ministro nega ter comprado apoio de parlamentares. Seus advogados dizem ainda que sequer há evidências que comprovem a existência do mensalão. Segundo a defesa de Dirceu, ele afirma que se desligou das atividades do PT após assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil.

"Sofisticada ação criminosa"

O procurador também afirmou que "sem dúvida, [o mensalão] foi o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro público registrado no Brasil". "Era uma sofisticada organização criminosa com o objetivo espúrio de comprar voto de parlamentares", completou.

O segundo dia de julgamento do mensalão foi retomado às 14h25 desta sexta-feira (3) com a acusação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, prevista para durar até cinco horas.

Gurgel, que é o chefe do Ministério Público Federal, já afirmou que vai pedir a condenação de 36 réus --a Procuradoria já pediu a absolvição dos réus Luiz Gushiken, ex-secretário de Comunicação do governo, e Antônio Lamas, ex-assessor da liderança do PL (hoje PR) na Câmara.

Análise

O diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP, Marcelo Figueiredo, que acompanha na redação do UOL Notícias o segundo dia do julgamento do mensalão no STF, afirmou que, durante a primeira parte da apresentação da denúncia, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, se concentrou em mostrar que, "para a acusação, o mensalão não foi uma obra de ficção científica, (que) ele existiu".

Ainda de acordo com o advogado, o núcleo financeiro da organização é o mais bem documentado. Já o núcleo político "é a parte mais difícil de ser comprovada". Sobre Gurgel apontar o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, como líder do esquema, Figueiredo avalia que "testemunhas são indícios fortes, mas é preciso analisar todo o conjunto probatório".

Primeiro dia

Na quinta-feira, o julgamento começou com uma questão de ordem que acabou levando ao atraso do cronograma -- inicialmente, a apresentação de Gurgel estava prevista para ontem. A questão de ordem para que o processo fosse desmembrado foi pedida pelo advogado Márcio Thomaz Bastos --que defende José Roberto Salgado, empresário do Banco Rural. Os advogados Marcelo Leonardo e Sandra Maria Pires, que defendem, respectivamente, Marcos Valério e José Genoino, reiteraram o pedido, que acabou negado por nove votos a dois.

A questão gerou bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa, relator do processo, e Lewandowski, o revisor da matéria. Enquanto Barbosa votou pelo indeferimento do pedido, alegando que a Corte já tratou da questão anteriormente e que é “irresponsável voltar a discutir essa questão”, Lewandowski concordou com os advogados e votou pelo desmembramento do processo. Os votos dos ministros sobre a questão de ordem duraram cerca de três horas.

 

Polêmica na CPI

De perfil discreto, Gurgel teve a sua atuação questionada por não ter acionado o STF após receber as conclusões da Operação Vegas, da Polícia Federal, em 2009, que investigava os negócios do Carlinhos Cachoeira e o envolvimento no esquema do então senador Demóstenes Torres (sem partido, ex-DEM-GO).

A investigação antecedeu a Operação Monte Carlo, que, em fevereiro deste ano, resultou na prisão de Cachoeira, acusado de explorar jogos ilegais e de traficar influência.

Em resposta às críticas, Gurgel alegou que a primeira operação ainda não tinha elementos suficientes para incriminar os envolvidos. A decisão de suspender a Operação Vegas foi da subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio, mulher de Gurgel, que informou a sua decisão ao marido.

A história veio à tona no depoimento de um delegado da Polícia Federal à CPI do Cachoeira em maio deste ano. Parlamentares passaram a defender a convocação de Gurgel e da mulher dele. Eles acabaram não prestando depoimento, mas Gurgel enviou suas respostas à CPI por escrito.

No auge da tensão entre integrantes da CPI e a Procuradoria Geral, Gurgel chegou a atribuir as críticas ao “medo do julgamento do mensalão”.

Quem é o procurador-geral

Gurgel, 57, assumiu a Procuradoria em 2009, quando foi indicado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele havia sido o mais votado de uma lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República. O seu nome teve ainda que passar pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal e foi aprovado pela maioria do plenário daquela instituição.

Nomeado para o biênio 2009-2011, foi indicado novamente pela presidente Dilma Rousseff para continuar no cargo por mais dois anos. É ele quem pode promover ações penais para denunciar autoridades como deputados federais, senadores, ministros de Estado e o presidente e o vice-presidente da República.

Nascido em Fortaleza (CE), Gurgel graduou-se em direito na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ingressou na carreira de procurador em 1982 por meio de concurso público. Antes de ser nomeado procurador-geral, ele exercia o cargo de vice na gestão de Antonio Fernando de Souza.