Topo

Gurgel pede prisão de 36 réus do mensalão, livra Gushiken e se diz vítima de onda de ataques

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

03/08/2012 19h45Atualizada em 03/08/2012 23h21

Após quase cinco horas de exposição, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a condenação e a prisão de 36 dos 38 réus do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), durante o segundo dia do julgamento, nesta sexta-feira (3). 

Gurgel confirmou o pedido de absolvição dos réus Luiz Gushiken, ex-secretário de Comunicação do governo, e Antônio Lamas, ex-assessor da liderança do PL (hoje PR) na Câmara, por falta de provas. No final da exposição, Gurgel disse ter sido alvo de um onda de ataques por conta do julgamento. “Jamais enfrentei nada sequer comparável à onda de ataque a partir do momento que aleguei acusações finais”, disse. 

O desabafo de Gurgel é em resposta às críticas que recebeu por não ter acionado o Supremo após receber as conclusões da Operação Vegas, da Polícia Federal, em 2009, que investigava os negócios do Carlinhos Cachoeira e o envolvimento no esquema do então senador Demóstenes Torres (sem partido, ex-DEM-GO).

Às 19h48, o presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, suspendeu o julgamento, que será retomado na próxima segunda-feira (6) com as alegações das defesas dos réus.

JOSÉ DIRCEU

Em vários momentos de sua sustentação, Gurgel afirmou que o ex-ministro José Dirceu foi o idealizador e protagonista do esquema de corrupção. “José Dirceu foi a principal figura, o mentor, o grande protagonista do mensalão. Foi ele quem idealizou o sistema ilícito”.

Infográfico

  • Arte/UOL

    Relembre o escândalo do mensalão, veja quem são os acusados, como teria sido o esquema e quais as possíveis penas

Sobre a suposta falta de provas contra Dirceu, tese sustentada pela defesa do ex-ministro, Gurgel alega que, "assim como um chefe de quadrilha", Dirceu não aparece com frequência durante os acordos do esquema.

Para tentar convencer os ministros de que Dirceu centralizou o esquema, Gurgel afirmou que, em seu depoimento, o réu Valdemar Costa Neto, na época líder do PR disse que os encontros para tratar do mensalão ocorreram “sempre na residência de Dirceu”.

O procurador-geral citou também o depoimento do Marcos Valério, no qual ele teria dito que "Dirceu sabia das operações feitas para financiar os acordos políticos" e que "nada, absolutamente nada, acontecia sem a prévia autorização de Dirceu."

Dirceu pediu demissão da Casa Civil em meio ao escândalo e teve o mandato de deputado federal cassado em dezembro de 2005, por quebra de decoro parlamentar. Ele responde por formação de quadrilha e corrupção ativa.

Em sua defesa, o ex-ministro nega ter comprado apoio de parlamentares. Seus advogados dizem ainda que sequer há evidências que comprovem a existência do mensalão. Segundo a defesa de Dirceu, ele afirma que se desligou das atividades do PT após assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil.

A defesa diz ainda que Delúbio Soares não agiu sob sua orientação, pois teria autonomia para atuar na legenda. Por fim, os advogados do ex-ministro afirmam que Dirceu não tinha proximidade com Marcos Valério nem interferência sobre as ações do publicitário.

Tese de Gurgel é sofisticada, mas difícil, diz jurista

VALÉRIO E MENSALÃO MINEIRO

O procurador-geral afirmou que o publicitário Marcos Valério --acusado de ser líder do núcleo operacional e financeiro do caso-- ofereceu ao PT um esquema de desvio de recursos que já existia em Minas Gerais.

Para jurista, núcleo político é o mais difícil de provar

“O Marcos Valério ofereceu ao PT um esquema já existente em Minas Gerais”, disse, em referência ao mensalão mineiro, suposto esquema de arrecadação ilegal de recursos, com participação de Valério, para a campanha de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) a governador do Estado em 1998.

Em 2007, a Procuradoria Geral da República denunciou Azeredo sob acusação de peculato (uso de cargo público em benefício próprio) e lavagem de dinheiro. A defesa do tucano alega que a acusação é "vaga". Na sua sustentação, entretanto, Gurgel não citou nominalmente o mensalão mineiro, nem Azeredo. 

Ainda segundo Gurgel, Valério passou “de mero financiador” do mensalão, a “personagem influente, com o poder para negociar com a base aliada do governo”. “Ele tornou-se homem da mais absoluta confiança de José Dirceu”, afirmou.

De acordo com o procurador-geral, o publicitário recebia da direção do PT os nomes dos políticos que receberiam o mensalão e providenciava a entrega do dinheiro em hotéis e agências bancárias. “Ele passou a atuar como interlocutor privilegiado do núcleo político [do mensalão] em vários eventos”, disse. “Também intermediava interesse de empresários junto ao governo federal.”

Valério é acusado de formação de quadrilha, peculato, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Sua defesa alega que os empréstimos de suas duas empresas de publicidade --que tinham contratos com o governo federal-- foram legítimos e que o dinheiro entregue ao PT era destinado ao pagamento de dívidas de campanha. 

USO DE CARRO-FORTE

Segundo Gurgel os supostos envolvidos no esquema contratavam policiais e usavam carros-fortes para transportar os recursos que abasteciam o mensalão, já que, de acordo com ele, alguns saques chegaram a R$ 650 mil. “Ou se contratavam policiais para os saques em dinheiro ou se recorria a contratação de carros-fortes, tamanha era a magnitude dos valores."

OS ACUSADOS

  • O STF julga 38 réus acusados de envolvimento no suposto esquema do mensalão; veja quem são

COMPRA DE DEPUTADOS

A tese que Gurgel procurou sustentar é a de que saques vultosos do mensalão foram realizados às vésperas de votações de projetos importantes no Congresso Nacional durante o primeiro mandato do governo Lula. Segundo o procurador, o dinheiro era usado para comprar o voto de parlamentares da base aliada.

"Sempre nos dez dias anteriores ou posteriores a uma votação relevante havia também a movimentação de vultosos valores em espécie. Isso não se provou nos autos aqui, se provou na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito)". O dinheiro, segundo Gurgel, era sacado das contas das agências do publicitário Marcos Valério e repassado a partidos da base aliada.

A tese de Gurgel é que os recursos desviados no esquema, além de financiarem campanhas eleitorais, serviram para o governo “comprar” parlamentares e, dessa maneira, conseguir aprovar projetos no Congresso, o que a maioria dos réus nega.

O procurador cita a votação das reformas tributária e previdenciária, em 2003, aprovadas pelo Congresso com rapidez, como exemplos de sua acusação. No caso da reforma tributária, Gurgel diz que foram movimentados R$ 2 milhões.

PT E PTB

Gurgel disse ainda que o PT ofereceu, em 2003, R$ 20 milhões ao PTB para que a legenda passasse a compor a base governista. Segundo ele, as negociações entre os partidos foram intermediadas pelo então ministro dos Transportes, Anderson Adauto, à época filiado ao PL. Pelo lado do PTB, quem dava as diretrizes, segundo o procurador-geral, era Roberto Jefferson, presidente da sigla e delator do esquema.

“O acordo era de que o PT pagaria R$ 20 milhões ao PTB. Em reunião entre representantes dos dois partido, Jefferson questionou ‘de que forma vai ser feito esse repasse?’. José Genoino [presidente do PT na época] respondeu: ‘vamos fazer através de partido a partido ou ajuda a contribuição’”.

De acordo com Gurgel, o PTB recebeu do PT R$ 4,54 milhões, por meio da empresa do publicitário Marcos Valério. O restante acordado, por algum motivo não explicitado, não foi pago.

JOÃO PAULO CUNHA

Gurgel afirmou ainda que o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), um dos réus do processo, desviou, em 2004, R$ 252 mil da Câmara dos Deputados, a qual presidia na época.

Segundo Gurgel, o desvio ocorreu em um contrato da Câmara com a SMP&B, empresa do publicitário Marcos Valério. "João Paulo Cunha desviou, em proveito próprio, o valor de R$ 252 mil que pertenciam à Câmara dos Deputados. O crime consumou-se na execução do contrato firmado com a SMP&B Comunicação”, diz a denúncia lida por Gurgel.

A Procuradoria Geral da República questionou a escolha da empresa de Valério em licitação realizada pela Câmara em 2003. Segundo Gurgel, a SMP&B ficou em último lugar em uma licitação dois anos antes. A acusação diz ainda que João Paulo Cunha recebeu R$ 50 mil da empresa logo após a licitação. “O acusado não conseguiu justificar porque recebeu a quantia.”

Roberto Gurgel afirma também que a relação entre Marcos Valério e João Paulo Cunha era tão estreita que o publicitário chegou a pagar passagens aéreas ao Rio de Janeiro, além de hospedagem, à secretária e pessoa de confiança de Cunha, Silvana Paz Japiassú.

MAIOR CASO DE CORRUPÇÃO

O procurador também afirmou que "sem dúvida, [o mensalão] foi o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro público registrado no Brasil".

"Era uma sofisticada organização criminosa com o objetivo espúrio de comprar voto de parlamentares", completou.

ANÁLISE

O jurista Marcelo Figueiredo, diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP, que acompanhou o segundo dia do julgamento do mensalão na redação do UOL, afirmou, ao final da apresentação da denúncia, que a tese do procurador-geral foi "complexa" e "sofisticada". Mas, justamente por isso, difícil de provar. "Não é um processo fácil", disse.

De acordo com Figueiredo, a defesa dos réus deve se apoiar justamente na complexidade dos três núcleos do esquema para desenvolver sua estratégia. "Cada um vai procurar excluir a associação com o outro grupo", opinou. Ainda segundo Figueiredo, o pedido de prisão dos réus em caso de condenação foi uma "formalidade processual", já que todos são primários e, na opinião dele, dificilmente serão presos.

Ainda de acordo com o jurista, o núcleo financeiro da organização é o mais bem documentado. Já o núcleo político "é a parte mais difícil de ser comprovada". Sobre Gurgel apontar o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, como líder do esquema, Figueiredo avalia que "testemunhas são indícios fortes, mas é preciso analisar todo o conjunto probatório".

PRIMEIRO DIA

Na quinta-feira, o julgamento começou com uma questão de ordem que acabou levando ao atraso do cronograma -- inicialmente, a apresentação de Gurgel estava prevista para ontem. A questão de ordem para que o processo fosse desmembrado foi pedida pelo advogado Márcio Thomaz Bastos --que defende José Roberto Salgado, empresário do Banco Rural. Os advogados Marcelo Leonardo e Sandra Maria Pires, que defendem, respectivamente, Marcos Valério e José Genoino, reiteraram o pedido, que acabou negado por nove votos a dois.

A questão gerou bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa, relator do processo, e Lewandowski, o revisor da matéria. Enquanto Barbosa votou pelo indeferimento do pedido, alegando que a Corte já tratou da questão anteriormente e que é “irresponsável voltar a discutir essa questão”, Lewandowski concordou com os advogados e votou pelo desmembramento do processo. Os votos dos ministros sobre a questão de ordem duraram cerca de três horas.

POLÊMICA NA CPI

De perfil discreto, Gurgel teve a sua atuação questionada por não ter acionado o STF após receber as conclusões da Operação Vegas. A investigação antecedeu a Operação Monte Carlo, que, em fevereiro deste ano, resultou na prisão de Cachoeira, acusado de explorar jogos ilegais e de traficar influência.

Em resposta às críticas, Gurgel alegou que a primeira operação ainda não tinha elementos suficientes para incriminar os envolvidos. A decisão de suspender a Operação Vegas foi da subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio, mulher de Gurgel, que informou a sua decisão ao marido.

A história veio à tona no depoimento de um delegado da Polícia Federal à CPI do Cachoeira em maio deste ano. Parlamentares passaram a defender a convocação de Gurgel e da mulher dele. Eles acabaram não prestando depoimento, mas Gurgel enviou suas respostas à CPI por escrito.

No auge da tensão entre integrantes da CPI e a Procuradoria Geral, Gurgel chegou a atribuir as críticas ao “medo do julgamento do mensalão”.

QUEM É O PROCURADOR-GERAL

Gurgel, 57, assumiu a Procuradoria em 2009, quando foi indicado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele havia sido o mais votado de uma lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República. O seu nome teve ainda que passar pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal e foi aprovado pela maioria do plenário daquela instituição.

Nomeado para o biênio 2009-2011, foi indicado novamente pela presidente Dilma Rousseff para continuar no cargo por mais dois anos. É ele quem pode promover ações penais para denunciar autoridades como deputados federais, senadores, ministros de Estado e o presidente e o vice-presidente da República.

Nascido em Fortaleza (CE), Gurgel graduou-se em direito na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ingressou na carreira de procurador em 1982 por meio de concurso público. Antes de ser nomeado procurador-geral, ele exercia o cargo de vice na gestão de Antonio Fernando de Souza.