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Fase de defesas do mensalão termina com mais ataques a procurador-geral

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi alvo de críticas durante a fase de sustentação oral dos advogados dos réus do mensalão - Roberto Jayme/UOL
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi alvo de críticas durante a fase de sustentação oral dos advogados dos réus do mensalão Imagem: Roberto Jayme/UOL

Camila Campanerut*

Do UOL, em Brasília

15/08/2012 16h54Atualizada em 15/08/2012 21h27

A sustentação oral do advogado Antonio de Almeida, o Kakay, defensor dos publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, encerrou a fase de defesas dos 38 réus do julgamento do mensalão. A exemplo de praticamente todos os advogados que o antecederam, Kakay fez críticas duras ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e à peça de denúncia apresentada por ele.

“Eu quero uma acusação precisa. Quero poder enfrentar uma acusação delimitada, sem adjetivar, sem vir com um certo floreio na acusação”, disse.

Em sua sustentação, Kakay gastou boa parte do tempo criticando o procurador, diferentemente do advogado Luciano Feldens, que também defendeu Duda e Zilmar. "É uma vontade de acusar desesperada", criticou. “"Esse processo pegou um viés político.”

O advogado criticou as declarações de Gurgel à "Folha de S. Paulo", que qualificou de “ladainhas” as sustentações orais das defesas. "Vossa Excelência fala sentado, como se estivesse em casa, e o advogado que aqui está pode tropeçar nas palavras, mas nunca é uma ladainha o que o advogado diz", disse Kakay. Depois, fora do tribunal, Kakay disse ainda que o fato do Gurgel estar sentado ao lado do presidente da Corte "ofende a paridade de armas".  "O réu olha e vê o procurador-geral ao lado do juiz [magistrado], dá uma insegurança. O juridicionado acha que o Ministério Público é mais forte que a advocacia", afirmou Kakay. 

Na sequência, Kakay ressaltou o poder que tem o procurador-geral da República. “Só Vossa Excelência pode trazer alguém a julgamento aqui. Olha que poder”, disse. Assim, afirma o advogado, “o primeiro direito do réu é ser bem acusado.”

O defensor afirmou que a sua “visão de profissional é que absolutamente não existiu mensalão” e que o escândalo foi criado por Roberto Jefferson (PTB) em resposta à tentativa do ex-ministro José Dirceu de acabar com uma rede de corrupção criada pelo PTB. “José Dirceu é "homem íntegro, um homem honesto, um homem duro. Ele não deixou o grupo de Jefferson continuar com a corrupção.”

Kakay citou depoimento do petebista à CPI dos Correios, no qual ele diz que Dirceu despertava nele “os instintos mais primitivos”. “Não sei se é um desejo incontido, ódio, vontade de matar”, questionou o advogado.
Sobre a acusação da Duda e Zilmar, Kakay afirma que a Procuradoria não individualizou a conduta de ambos. "A acusação, ao acusar, tratou os dois como sendo um só, como [a antiga dupla sertaneja] Leandro e Leonardo.”

Ele reafirmou que seus clientes não são mensaleiros e que não fizeram proselitismo político, tanto que realizaram trabalhos tanto para Lula, quanto para Paulo Maluf (PP-SP), na época adversários políticos. 

Segundo o advogado Antonio Ruiz Filho, que comenta para o UOL o julgamento do mensalão nesta quarta-feira, a PGR teve um "erro estratégico". "Após a sustentação oral de todos os defensores, um ponto fica claro: o erro estratégico da acusação, qual seja, o de oferecer denúncia contra tantos acusados, formando um único processo, o que dificulta, e muito, o seu andamento e a atuação de todos os envolvidos no julgamento", disse.

Duda Mendonça e Zilmar Fernandes

O advogado Luciano Feldens, que defende os publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes no julgamento do mensalão, afirmou nesta quarta-feira (15) no STF (Supremo Tribunal Federal) que seus clientes não eram mensaleiros. Ele disse também que o dinheiro recebido por eles do PT tem origem lícita e foi fruto do pagamento pela campanha publicitária nas eleições de 2002. A defesa dos publicitários foi dividida entre Feldens, que falou primeiro, e Antonio Carlos Castro, o Kakay, que falou em seguida.

"Todo dinheiro que receberam [Duda e Zilmar] tem origem lícita, e o próprio procurador [geral da República, Roberto Gurgel] reconheceu. Duda Mendonça e Zilmar Fernandes não são 'mensaleiros’”, disse o primeiro defensor.

Na CPI dos Correios, Mendonça assumiu que abriu conta no exterior para receber dinheiro

Duda é acusado de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Segundo a Procuradoria Geral da República, o publicitário teria criado a empresa Dusseldorf com registros no exterior para evitar a obrigatoriedade de declarar ao Banco Central qualquer depósito de sua titularidade. Nesta conta, teria recebido cerca de R$ 10 milhões do PT pela campanha que elegeu Lula presidente em 2002.

A ex-sócia de Mendonça, Zilmar Fernandes Silveira, também é acusada de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Ela teria recebido três parcelas de R$ 300 mil e duas de R$ 250 mil, em espécie, em agências do Banco Rural por meio do resgate de cheques nominais à empresa SMP&B, de Marcos Valério –apontado como operador do mensalão–, sem registro dos reais beneficiários dos valores. Ela seria ainda responsável por movimentar a conta criada por Mendonça no exterior.

O advogado citou os slogans criados por Duda para Lula para a campanha, que, segundo Feldens, foi “longa, custosa e exitosa”. "O ano é 2001. Aproxima-se 2002, ano de eleições. O Partido dos Trabalhadores tinha um sonho: fazer o Presidente da República. O candidato era Lula. Seria um longo caminho. Seria um pesado desafio. Por isso foram contratados os melhores publicitários do país, Duda Mendonça e Zilmar Fernandes.”

Segundo Feldens, Duda e Zilmar fizeram mais de 150 peças publicitárias na campanha de 2012 e eram credores de R$ 11 milhões do PT. “Inadimplentes e preocupados, eles procuram Delúbio [Soares, ex-tesoureiro do partido]. Ele personificava a própria figura do devedor. Ele que assina as prestações de serviços para a empresa de Duda e Zilmar”, afirmou.

De acordo com Feldens, ambos estão no julgamento do mensalão apenas pela maneira como receberam o pagamento: parte veio do Banco Rural e a outra foi recebida em uma conta aberta do Bank Boston, em Miami (EUA), em nome de Duda Mendonça.

Feldens afirma que Zilmar fez cinco saques pessoalmente, o que contraria a acusação, que sustentou que os publicitários usaram intermediários para sacar os valores.“Em tom genérico, eu ouvi que os acusados, com a finalidade de evitar qualquer rastro da participação, mandavam terceiros para os saques. Isso não é verdade."

Segundo Feldens, também falta consistência na acusação de lavagem de dinheiro já que seus clientes tinham como comprovar a origem do dinheiro, que era a prestação de trabalho publicitário.

Sobre os saques feitos no Banco Rural, o advogado afirma que Zilmar Fernandes assinou os três recibos assinados: "Ela tinha crédito lícito para receber. Ela tem os recibos para os saques.”

O primeiro advogado questiona como a denúncia pode apontar como Zilmar poderia ocultar, em fevereiro de 2003, origens de valor de um contrato que seria assinado meses depois entre alguns bancos e as agências de Marcos Valério. “Como ela poderia em fevereiro de 2003 ocultar valores de um contrato que ela assinaria em setembro de 2003 com o objetivo de desviar para Marcos Valério?”.

Feldens diz que a conta aberta por Duda em Miami, nomeada Dusseldorf, foi criada para que o publicitário pudesse receber o recursos lícitos pelo trabalho na campanha de 2002. “Ter conta no exterior não é crime”. Ele diz ainda que os valores recebidos pelo publicitário não foram ocultados. “Quero saber qual depósito não foi declarado? Quem desejando ocultar abre uma conta com todos os documentos?”, questionou.

De acordo com o advogado, a conta de Mendonça no exterior não tinha um valor acima de US$ 100 mil em 31 de dezembro de 2003 e, portanto, ele não precisaria declarar a conta ao Banco Central. Na data citada, diz o defensor, a conta tinha US$ 573. Isso, no entanto, não livrava Duda de declarar os valores à Receita Federal. "Duda errou e pagou. Essa dispensa do Banco Central não livrava de declarar os valores que recebeu", disse Feldens. Segundo ele, posteriormente o publicitário pagou R$ 4 milhões em impostos.

O primeiro advogado citou o ex-presidente Lula, ao afirmar que a Procuradoria Geral da República adotou um “anticritério”, ao denunciar Zilmar e Duda e não incluir o ex-mandatário. "O que eu não entendo é o anticritério [da PGR sobre o Lula] É ilógico a Procuradoria dizer que a quadrilha foi formada no Palácio, e Lula não sabia, mas seus clientes sim”, afirmou Feldens. Kakay foi na mesma linha, negando a participação dos réus no mensalão: "Duda e Zilmar não estão inseridos em nenhuma das circunstâncias que descrevem o mensalão".

O segundo advogado de Duda  e Zilmar também criticou o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Kakay respondeu a uma fala de Gurgel de que as defesas dos réus eram “ladainha”. “Não é ladainha!”, disse, enfático, comparando o trabalho de Gurgel –que, segundo ele, entra junto com os ministros e fala sentado, “como se estivesse em casa”– com o trabalho dos advogados no plenário, que têm que falar em pé. “Respeite a responsabilidade de quem tem que defender um cidadão”, completou.

José Luiz Alves

Antes, o advogado Roberto Pagliuso, que defendeu o réu José Luiz Alves --assessor do ex-ministros dos Transportes Anderson Adauto (PL)-- afirmou que seu cliente apenas cumpriu ordens ao realizar saques para pagar dívidas de campanha.

Segundo a defesa, o réu era chefe de gabinete de Adauto, que solicitou a ele que fosse retirar recursos do PT do Banco Rural para saldar dívidas de campanha. "Ele não viu nada de estranho nesse pedido", afirmou o advogado. De acordo com Pagliuso, Alves, à época, “não tinha percepção de nada que pudesse induzir à prática de crime.”

José Luiz Alves é acusado de lavagem de dinheiro. Segundo a Procuradoria, ele teria recebido dinheiro em espécie, desviado de contratos publicitários, para pagamento de dívidas de diretórios regionais do PT e de outros partidos aliados. Ele teria ainda intermediado o pagamento de R$ 950 mil de Marcos Valério --apontado como operador do mensalão-- para Adauto –que é acusado de corrupção ativa sobre dois ex-deputados federais: Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Romeu Queiroz (PTB-MG).

Segundo a defesa, Alves foi ao banco quatro vezes e fez saques de R$ 100 mil, R$ 50 mil e dois de R$ 25 mil, totalizando R$ 200 mil. De acordo com o advogado, a denúncia atribui 16 saques a Alves, mas, nas alegações finais, esse número foi mudado para seis. No entanto, a defesa de Alves reafirma que foram apenas os quatro mencionados.

Nova fase do julgamento

Como cada advogado teve o tempo máximo de apresentação de uma hora, os ministros darão continuidade à sessão de hoje com o início da leitura do voto do ministro-relator do caso, Joaquim Barbosa. 

A estimativa é a de que o voto de Barbosa, com mais de mil páginas, dure cerca de quatro dias. Nesta semana, haverá sessão também na quinta-feira (16). Depois, o julgamento será retomado apenas na próxima segunda-feira (20).

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Lula. O processo tem 38 réus, incluindo membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo

Entenda o dia a dia do julgamento