Barbosa vota pela condenação de Valério, sócios e ex-diretor do BB e pede absolvição de Gushiken
O relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, votou nesta segunda-feira (20), no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília, pela condenação do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato pelos crimes de peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro em razão dos contratos firmados com as agências de Marcos Valério. Barbosa também pediu a condenação de Valério e seus sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, pelos crimes de peculato e corrupção ativa.
Barbosa ainda votou pela absolvição do ex-secretário de comunicação do governo Lula, Luiz Gushiken, cuja absolvição já havia sido pedida pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele considerou que não havia provas de que Gushiken teria se reunido com Pizzolato e os publicitários.
Peculato
Pizzolato era diretor de marketing do Banco do Brasil na época do suposto esquema, além de sindicalista e petista desde a década de 80. Ele é acusado de participar do esquema que teria desviado dinheiro em benefício do grupo liderado por Marcos Valério --apontado como operador do mensalão-- e do PT.
Ex-diretor do BB omitiu repasses, diz relator do mensalão
A Procuradoria Geral da República acusa Pizzolato de ter recebido R$ 326 mil e de ter autorizado um adiantamento de R$ 73,9 milhões do fundo Visanet para a agência DNA, de Marcos Valério, que fez um contrato com o Banco do Brasil. Ele responde por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Segundo a Procuradoria, a DNA teria se apropriado ilegalmente de R$ 2,9 milhões durante a execução do contrato com o Banco do Brasil, com anuência de Pizzolato. A defesa do ex-diretor diz que os repasses foram legais e argumentou que o montante ficou com a agência por tratar-se de bônus de volume, política de incentivo destinada ao aperfeiçoamento das agências de propaganda, que recebem um desconto da mídia onde a propaganda será veiculada conforme a quantidade de anúncios.
Em seu voto, Barbosa afirmou que, por força contratual, o bônus de volume que ficou com DNA Propaganda deveria ter sido devolvido ao banco. “Era o Banco do Brasil e não a agência [de propaganda] que negociava a compra de mídia. A agência apenas efetuava o pagamento. Portanto, quando um veículo pagava o valor do bônus de volume, os sócios sabiam que os bônus deveriam ser devolvidos à entidade contratante, ou seja, o Banco do Brasil”, afirma o ministro.
Segundo o relator, houve prática criminosa do peculato por Pizzolato e o grupo de Marcos Valério. "Os acusados estavam efetivamente participando de um esquema de desvios públicos", disse.
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"A apropriação violou cláusula expressa do contrato e ainda configurou crime de peculato", completou Barbosa. "A apropriação indevida da DNA foi confirmada por órgãos de fiscalização, de auditoria e por peritos do Instituto de Criminalística", disse o ministro.
Barbosa afirmou que Pizzolato era o responsável pela verba destinada à execução dos serviços de propaganda e pela fiscalização dos serviços contratados e, portanto, tinha o dever de evitar que houvesse apropriação de dinheiro público pela agência. "Com efeito, Pizzolato não exerceu o seu dever funcional (...) e permitiu o desvio dos valores correspondentes ao bônus de volume.”
Barbosa disse ainda que Pizzolato agiu com dolo (intenção) ao manter os contratos e não fiscalizar a execução dos serviços, além de não evitar que a agência ficasse com o bônus de volume. “A omissão de Henrique Pizzolato foi dolosa."
Barbosa argumentou que as defesas dos réus tentaram usar o termo bônus de volume como sendo bonificação, mas, segundo ele, isso foi "puro jogo de palavras", pois são coisas diferentes.
Corrupção
O relator afirmou que o ex-diretor do Banco do Brasil recebeu R$ 326 mil oriundos de um cheque da DNA, assinado por Cristiano Paz (ex-sócio de Valério e um dos réus do processo), no curso da execução contratual. Barbosa destaca que Pizzolato tinha um relacionamento próximo com Marcos Valério, que chegou a admitir que ambos teriam se encontrado de oito a dez vezes.
O relator contestou outro argumento da defesa de Pizzolato, que alegou que o réu não era responsável pelos contratos publicitários feitos pelo Banco do Brasil. “Ele assinou, como única autoridade responsável, o contrato do Banco do Brasil com a DNA Propaganda, de R$ 142 milhões”, afirmou Barbosa.
O magistrado citou ainda relatório da CGU (Controladoria Geral da União), que apontou diversas falhas na prestação do serviço pela DNA ao banco. "Não se sabia se as propagandas eram de fato veiculadas", ressaltou Barbosa ou citar diversos itens da avaliação negativa do trabalho da agência. A conclusão da CGU, ainda segundo o relator, é que houve "prorrogação indevida do contrato", e o responsável por isso foi Pizzolato.
Recursos públicos
Em outro subitem da denúncia, Barbosa analisou a transferência de dinheiro do Banco do Brasil para a DNA Propaganda, envolvendo recursos do fundo Visanet.
A defesa de Pizzolato argumentou que os R$ 74 milhões repassados do fundo, via banco, à DNA, eram privados, e não públicos, como diz a denúncia do Ministério Público Federal. Os advogados de Pizzolato dizem também que o réu não tinha relação com a Visanet.
O fundo é composto por recursos da iniciativa privada, mas o Banco do Brasil possui 32,3%. Para o relator, Pizzolato desviou mais de R$ 73 milhões neste contrato, o que configura crime de peculato, já que os contratos eram entre o banco público e a empresa.
“As empresas do grupo Visanet não tem e nunca tiveram contato direto com a DNA Propaganda”, disse o relator ao citar documento do próprio fundo.
Segundo a Visanet, ela apenas efetuou pagamentos de 2001 a 2005 por “solicitação do banco”, totalizando R$ 91 milhões.“Quem pagou a DNA Propaganda foi Banco do Brasil e não a Visanet, que foi mera repassadora de recursos”, completou o relator.
Barbosa citou um relatório de auditoria interna do Banco do Brasil que apontou que Pizzolato "violou normas internas do Banco do Brasil porque não submeteu as suas ordens aos seus superiores e determinou o adiantamento do dinheiro do fundo Visanet, sem previsão contratual".
O relator afirmou que a decisão de antecipar o dinheiro da Visanet para a DNA Propaganda foi exclusiva do então diretor de marketing do Banco do Brasil. "As normas tantas vezes invocadas pelo réu Henrique Pizzolato foram frontalmente violadas pelo réu", afirmou Barbosa.
Ainda segundo o ministro, a Visanet repassou gratuitamente quase R$ 74 milhões para a DNA Propaganda sem que tivesse prestado qualquer serviço.
Lavagem de dinheiro
Em seu voto, o ministro analisou outras movimentações financeiras milionárias da agência DNA Propaganda. Uma deles foi o empréstimo de R$ 10 milhões do Banco BMG ao advogado Rogério Tolentino, com o aval apenas de Marcos Valério. Segundo Barbosa, o empréstimo coincidiu com uma aplicação da DNA junto ao BMG.
Segundo Barbosa, para encobrir os desvios, Valério e seus sócios usaram notas frias e, posterirormente, simularam empréstimos com o Banco Rural. Com o dinheiro “limpo”, diz Barbosa, Valério repassou os recursos para parlamentares indicados por Delúbio. No entanto, parte dos valores desviados foi embolsada pelos três.
De acordo com o relator, no curso do processo, "comprovou-se que os recursos foram destinados ao pagamento de parlamentares indicados por Delúbio Soares”.
O magistrado disse que a DNA emitiu notas fiscais frias para comprovar os repasses milionários a ela e duas das notas nem foram computadas pela contabilidade da agência. Segundo Barbosa, o registro das transferências só veio à tona após a quebra do sigilo bancário das empresas ligadas a Marcos Valério
O relator afirmou que foram liberadas quatro notas técnicas para o fundo Visanet repassar dinheiro para a agência DNA Propaganda e que Pizzolato só não assinou a segunda nota técnica, no valor de mais de R$ 6 milhões, porque, na ocasião, quem rubricou foi Claudio Vasconcellos, seu subordinado.
A defesa alegou que seria impossível Pizzolato decidir sozinho o repasse de quase R$ 74 milhões do Banco do Brasil para a DNA. Barbosa disse, entretanto, "como demostraram os relatórios de auditoria do Banco do Brasil, através das antecipações de depósito, que Pizzolato evitou que as suas decisões passassem por outras áreas.”
Procurado pela reportagem do UOL, o advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato, que defende Pizzolato, disse que houve uma pré-disposição do ministro relator para condenar seu cliente. "Houve, sim. pela forma como propôs o voto como um todo. Há uma pré-disposição, sim, de manter os fundamentos da denúncia". Para o defensor, Barbosa se baseou mais em documentos da CPI dos Correios, anteriores à fase processual. "Isso altera nosso procedimento de defesa. Isso cerceia o direito à defesa", afirmou. Ele vai esperar os outros ministros se posicionarem antes de adotar qualquer medida.
Voto fatiado
Esta segunda-feira (20) foi o 12º dia do julgamento do mensalão. Hoje, mais de 20 advogados dos réus do mensalão apresentaram uma petição contra o fatiamento do voto. A metodologia fatiada, sugerida por Barbosa para estruturar seu voto, segue a ordem da denúncia que veio do Ministério Público, dividida em oito itens, formados por blocos de crimes. No final da sessão de hoje, presidente da Corte, ministro Ayres Britto, não acolheu os termos da petição e decidiu que os votos serão apresentados de maneira segmentada, como já havia decidido.
Na próxima quarta-feira (22), o julgamento será retomado com o voto do revisor, ministro Ricardo Lewandowski, sobre os réus já analisados por Barbosa.
A forma com que o relator está apresentando seu voto gerou bate-boca entre os ministros e estranheza a advogados, pois difere da ordem que costuma ser utilizada no julgamento.
O formato de praxe consiste na apresentação do voto na íntegra do relator, seguido pelo do ministro revisor, e dos demais ministros. Com a mudança, depois que Joaquim Barbosa ler e der seu voto para determinadas pessoas e grupos, votará o revisor Lewandowski e, em seguida, cada ministro, até esgotar o capítulo.
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo
Entenda o dia a dia do julgamento
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