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Leia a transcrição da entrevista de Márlon Reis à Folha e ao UOL

Do UOL, em Brasília

10/09/2012 07h00

O juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, participou do "Poder e Política", projeto do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 6.set.2012 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

 

Márlon Reis – 6/9/2012

Narração de abertura:Márlon Jacinto Reis tem 42 anos. Nasceu no Tocantins, mas fez carreira no Maranhão, Estado no qual hoje é juiz.

Foi um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados pela Justiça de 2ª instância.

Márlon Reis especializou-se em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidade de Zaragoza, na Espanha. Foi um dos fundadores, em 2002, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, do qual é hoje diretor da Secretaria Executiva.

Defensor da participação popular no processo eleitoral, Reis coordenou, em 2008, parte da “Campanha Eleições Limpas” do Tribunal Superior Eleitoral. Em 2010, viu a Lei da Ficha Limpa ser aprovada pelo Congresso.

Agora, em 2012, o juiz Márlon Reis iniciou um movimento por transparência nas contas eleitorais. Quer que os políticos revelem os nomes de todos seus doadores antes das eleições.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política - Entrevista".

Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. E a gravação é sempre realizada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.

O entrevistado desta edição do Poder e Política é o juiz Márlon Reis, um dos idealizadores e grandes defensores da Lei da Ficha Limpa.

Folha/UOL: Olá, como vai o sr., dr. Márlon Reis? Começo perguntando: muita coisa tem melhorado na legislação e nas práticas da política eleitoral. Mas o eleitor brasileiro, hoje, vai às urnas sabendo tudo que ele precisa saber antes de votar?
Márlon Reis: Fernando, realmente muita coisa tem melhorado. Nós estamos marchando, temos conquistas importantes, como a Lei da Ficha Limpa. A aplicação inicial, neste ano, da Lei de Acesso a Informações. Mas, lamentavelmente, nós estamos ainda longe de poder dizer que os eleitores sabem o que está por trás das candidaturas antes de votar.

Folha/UOL: O que falta para o eleitor no Brasil ir à urna e votar sabendo tudo a respeito dos candidatos em que ele pretende depositar o voto?
Márlon Reis: Só para ter uma ideia, eu costumo dizer que o brasileiro vota às cegas. Eu acho que não é exagero dizer que o brasileiro vota às cegas. Vai às urnas...

Folha/UOL: Ainda vota às cegas?
Márlon Reis: Ainda vota às cegas. Mesmo com as medidas já adotadas.

Folha/UOL: Por quê?
Márlon Reis:
 Por quê? Há dois fatores que sobrevivem que são de uma gravidade impressionante. Uma é que é possível, ainda, a realização de doações ocultas. Pessoas e empresas que querem doar e não aparecer, elas o fazem através de um partido político ou de um comitê financeiro e seu nome não é revelado. Salvo internamente na Justiça Eleitoral, e só em abril do ano seguinte às eleições quando tudo já está resolvido.

Folha/UOL: Ou seja, os eleitores só ficam sabendo quem doou para os candidatos que estão sendo eleitos depois de o candidato já for eleito??
Márlon Reis: E empossado e já estar alguns meses no mandato. Porque embora a Justiça Eleitoral já esteja revelando nomes de doadores, que é uma grande conquista de 2012, grande parte das doações reveladas provém de fontes apresentadas como fontes partidárias.

Ora, o candidato apresenta uma prestação de contas à Justiça Eleitoral dizendo que recebeu do partido político o dinheiro. Mas não diz de quem o partido político recebeu. E aí é uma válvula, é um caminho pelo qual se abre espaço para o que se chama de doação oculta.

Então, lamentavelmente, é um fenômeno forte, especialmente nas grades capitais, mas está espalhado pelo país, de doadores ocultos. Uma democracia não combina com obscuridade.

Folha/UOL: O sr. acha que a democracia brasileira, nesse caso, é frágil, fique em risco por causa disso??
Márlon Reis: Fica. É um requisito, inclusive é um elemento de avaliação da qualidade de uma democracia, a identificação do nível de transparência. E quando se peca na transparência num ponto tão fundamental que é o de conceder ao titular do poder político, que é o cidadão, o volume de informações mínimo para que ele exerça conscientemente a sua opção eleitoral, aí nós estamos diante de um grave problema. Eu considero, inclusive, que se trata de uma violação de direitos humanos.

Folha/UOL: Nesse sentido, além das doações ocultas que chegam aos candidatos que concorrem a cargos públicos por meio dos seus partidos ou comitês eleitorais, há também um outro aspecto: o candidato recebe ele próprio algumas doações diretas. Nesse casos, das doações diretas ao candidato, já há transparência suficiente?
Márlon Reis: Já melhorou bastante.

Folha/UOL: Como funciona hoje??
Márlon Reis: Até as eleições passadas, se aplicava uma regra seguindo a qual... É incrível... É incrível o que eu vou dizer, mas a regra era de que somente após o pleito, somente após a dia da votação e até 30 dias após a votação era que o candidato estava obrigado a revelar o nome dos doadores. Tarde demais.

Neste ano, em maio, eu passei, como juiz eleitoral, a aplicar uma regra diferente. Com  base na Lei de Acesso à Informação, eu disse aos candidatos, eu anunciei aos candidatos da minha Zona Eleitoral que eles também que apresentar os nomes das doadoras. Eu fique feliz com repercussão do gesto porque ele foi seguido por vários juízes eleitorais de outros Estados até chegar ao Tribunal Superior Eleitoral, que no último dia 24 de agosto, por uma decisão da presidente [do TSE] ministra Cármen Lúcia, resolveu adotar isso como padrão. Então, a partir de 24 de agosto nós temos os nomes revelados. Mass ainda não é suficiente.

Folha/UOL: Por que não é suficiente??
Márlon Reis: Porque há apenas dois momentos para prestações de contas preliminares, que são 6 de agosto e 6 de setembro.

Folha/UOL: E são preliminares. O sr. disse essa palavra. Essa palavra é muito importante porque o político pode, com a desculpa de que ele é obrigado a prestar uma conta preliminar, passar apenas algumas despesas e receitas e depois, a posteriori, ou seja, depois da eleição dizer: “Olha, essa despesa eu fiz só agora, ela se refere a um gasto realizado há um ou dois meses passados”. Isso pode acontecer?
Márlon Reis: Pode e é justamente aí que reside a fragilidade. Então, quando eu mencionava que há dois problemas ainda, são o das doações ocultas e o outro é o dessa reserva de tempo...

Folha/UOL: Da frouxidão da regra da doação para o candidato direto.?
Márlon Reis: Como deveria ser? Deveria ser em tempo real. Quem doa, o faz de forma a ser revelado isso imediatamente. E os recursos tecnológicos há muito tempo permite isso de maneira fácil. Bastava que se tratasse de uma transação eletrônica com revelação automática através da internet.

Folha/UOL: Para que isso ocorra, seria necessário uma alteração da lei? Ou não??
Márlon Reis: Eu entendo que não.

Folha/UOL: Por quê?
Márlon Reis: Porque nós já temos uma Constituição da República que estabelece o princípio da publicidade.

Folha/UOL: Alguém poderia arguir, então, a inconstitucionalidade dessa regra da lei eleitoral??
Márlon Reis: Entendo que, como jurista, eu sou autor de livros de direito eleitoral, debruço-me... É a parte do direito que mais me encanta. Eu não tenho dúvida em afirmar que qualquer regra que limite o acesso de eleitores ao conhecimento tempestivo, ou seja, ao conhecimento dessa informação no tempo em que é adequado... Porque não adianta conhecer depois... Qualquer regra que venha a impedir o eleitor de ter acesso a essa informação no tempo mais importante, que é o momento que antecede o voto, essa regra é flagrantemente inconstitucional.

Folha/UOL: Mas eu entendo, então, que seria necessário que uma entidade legalmente constituída e com poderes para tal entrasse no Supremo [Tribunal Federal] com essa arguição de inconstitucionalidade. Quem pode fazer isso são organizações nacionais, partidos políticos, que não vão fazer, evidentemente. Por que nenhuma organização de caráter nacional que tem poder para tanto não fez isso até agora??
Márlon Reis: Olha, eu não duvido que haja, entre os legitimados para a propositura da ação declaratória de inconstitucionalidade, algum que tenha, sim, interesse em ver discutido isso no âmbito do Supremo. Mas eu devo admitir que se trata de uma discussão extremamente recente.

É lamentável que seja assim. Mas, até as eleições passadas, ninguém parecia muito inconformado com o fato de que os nomes dos [doadores aos] candidatos não eram revelados. Então, a sociedade agora que está despertando para a importância desse tema. E é um benefício reflexo da conquista da Lei de Acesso à Informação.

Folha/UOL: As entidades que fazem parte desse movimento, dessa coalizão, chamada Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, não poderiam tomar a frente dessa causa e entrar com uma ação requerendo a inconstitucionalidade da regra na Lei Eleitoral que permite aos políticos esconderem quem doa para eles e divulgar só depois da eleição?
Márlon Reis: Poderia. Poderia, sim. Inclusive, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral pautou esse tema entre as suas maiores preocupações. Foi ele que, inclusive, levou ao conhecimento oficial do Tribunal Superior Eleitoral o ato que nós baixamos lá em João Lisboa, a minha zona eleitoral. E foi esse mesmo movimento que postulou perante, não apenas ao Tribunal Superio Eleitoral como perante todas as presidências de TREs [Tribunais Regionais Eleitorais],  a observância da Lei de Acesso à Informação.

Então, o MCCE pautou esse assunto e eu não duvido que venha a deliberar nesse sentido, de que deve buscar a propositura dessa ação declaratória de inconstitucionalidade.

Folha/UOL: Entendi. O que eu gostaria que fosse esclarecido agora é o seguinte: até a sua decisão, neste ano, nas cidades na qual o sr. tem responsabilidade jurisdicional, no Maranhão, e depois o movimento se espalhou e a ministra Cármen Lúcia, no TSE, resolveu adotar a regra como geral em 24 de agosto, os políticos podiam dizer que tinham uma prestação de conta parcial, divulgavam alguns números, mas não os nomes dos doadores nem daqueles que prestaram serviço. Era assim que funcionava?
Márlon Reis: Exatamente. A Lei...

Folha/UOL: Ele falava só um valor e não dava nomes...
Márlon Reis:
Exatamente. Era uma prestação de contas absolutamente inútil. Inútil. Dizia-se que se arrecadou tanto, tanto, tanto e não se falava de quem...

Folha/UOL: Para quem pagou...
Márlon Reis: Nem como foi gasto. O resultado é que nós demos um passo importante que não é final, está longe de ser final, é apenas um passo inicial do rumo da transparência, ao estabelecer que nessas prestações de contas preliminares os nomes dos doadores sejam revelados.

Folha/UOL: Tem que discriminar os valores dizendo de onde vem o dinheiro e para onde foram os recursos que foram gastos na campanha, para quem prestou o serviço. É isso?
Márlon Reis: Exatamente.

Folha/UOL: O sr. está tendo sucesso nas cidades que estão sob sua responsabilidade?
Márlon Reis:
Eu me orgulho de ter conseguido publicar em 8 de agosto, a primeira declaração, a primeira prestação de contas preliminar na história do nosso direito eleitoral, das nossas instituições democráticas, em que apareciam os nomes de doadores. Eu considero isso um êxito muito grande. Eu particularmente fico muito feliz de ter participado desse processo. Mas eu sei que se trata de algo inicial.

Alguns candidatos poucos não apresentaram nada. Nem mesmo os valores que a lei já exigia antes. Isso é curioso. Outros apresentaram valores que chamam atenção por parecer exageradamente baixos.

Folha/UOL: Esses que se quer apresentam os dados mínimos, os números, podem ter seus registros suspensos?
Márlon Reis: Bom, falando como um estudioso do direito eleitoral, como eu disse, eu tenho dito em minhas palestras que a lei é clara no sentido de que quem não presta contas não pode ser diplomado. Então, pode haver, sim, uma barreira intransponível separando aquele, que mesmo tendo votos, do diploma eleitoral do o autorizaria a exercer o mandato caso ele não haja prMárlon Reis contas. Inclusive as preliminares.

Folha/UOL: Porque aí, o sr. me corrija se eu estiver errado mas, então, haverá uma avalanche de ações entre a eleição e o momento da posse desses vereadores e prefeitos porque, certamente, muitos dos que forem eleitos não vão atender essa determinação. Tanto localmente, como sr. fez, como essa mais geral e que abrange a todos, feita pelo TSE. Ou não?
Márlon Reis: É possível que haja uma avalanche, mas pode haver algo mais interessante ainda. É porque o juiz não precisa de uma ação judicial para negar o diploma nesse caso. Se ele verificar que a prestação de contas preliminar, qualquer delas, não foi apresentada, ele pode indeferir o diploma de ofício. Não precisa de uma ação.

Folha/UOL: E aquele que não apresentou a prestação de contas preliminar, mas, uma vez eleito, apresentou uma outra prestação de contas? Aí ele corrige o erro?
Márlon Reis:
Não. Por quê? Porque a prestação de contas preliminar se presta a quê?

Folha/UOL: A informar o eleitor.
Márlon Reis: A informar o eleitor. Não é possível suprir isso posteriormente. Essa informação deve ser investigada não é para a Justiça Eleitoral. É também para ela, mas secundariamente para ela. A informação prévia é para o eleitor. Para o dono de escolher quem será o mandatário. Não é possível suprir isso, obviamente, após o pleito. Então, digamos que houvesse algum atraso de alguns dias, talvez pudesse pensar em algum tipo de tolerância. Mas sem isso...

Folha/UOL: Atraso de alguns dias ainda antes da eleição.
Márlon Reis: É claro. Antes da eleição. Digamos, se está previsto para 6 de agosto, apresentou-se...

Folha/UOL: Dia 10.
Márlon Reis:
... dia 10. É outra coisa. Agora apresentar após o pleito, ao meu ver, se trata de conta não prestada e sem possibilidade de convalidação.

Folha/UOL: De que forma a Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor neste ano de 2012, ajudou nessa causa da maior transparência no processo eleitoral, de prestação de contas de candidatos?
Márlon Reis: Ela foi a base de todo esse movimento jurídico que começou a acontecer quando eu baixei o provimento. Inclusive há uma curiosidade. É que eu baixei o provimento alguns dias antes dela entrar em vigor, o que ocorreu no dia 16 de maio. No dia 8 de maio, eu publiquei o provimento já anunciando que ela interferiria porque ela já estaria em vigor no período eleitoral. Ela passou a ser exigível, em todas as suas normas, a partir daquele momento de maio.

E a Lei de Acesso á Informação, mais do que normas jurídicas, ela trouxe todo um bojo de reflexões sobre o assunto da informação pública. E ela, sem dúvida, foi a responsável por nós estarmos vivendo esse momento. Eu usei como uma base, a própria ministra Carmen Lúcia, no site Tribunal Superior Eleitoral, revela que ela foi a base dessa revelação estabelecida nacionalmente e eu acho que o Brasil respira novos ares em 2012, em matéria eleitoral também, por conta da Lei de Acesso à Informação.

Folha/UOL: Eu queria retomar um tema logo do início, quando sr. fala que o brasileiro vai às cegas votar. Nessa prestação de contas preliminar, embora o volume total divulgado das contas dos candidatos no país seja alta, dezenas, centenas de milhões de reais, quando a gente olha algumas disputas muito importantes como, por exemplo, a da prefeitura de São Paulo, os principais candidatos declararam previsão de gastos muito altas, na faixa de dezenas de milhões de reais. Mas a primeira prestação de contas apareceu com valores muito pequenos. Isso é um exemplo disso que o sr. disse, que o eleitor vai às cegas às urnas? Porque se eles vão gastar dezenas de milhões, mas ainda declaram R$1 milhão, menos de R$1 milhão, um pouquinho acima mas a previsão é de dezenas de milhões, eles estão escondendo algo? É possível dizer isso?
Márlon Reis: Bom, é possível que isso esteja acontecendo em qualquer lugar. O certo é que, sabendo que nessa segunda prestação de contas já seriam divulgados os nomes dos doadores, algo que eles tiveram ciência previamente, pode ser que, se essa tese for plausível, nós vamos ver que nessa segunda prestação podem acontecer duas coisas.

Folha/UOL: Que é agora [dia 6 de setembro], a segunda prestação.
Márlon Reis: Exatamente. Ou pode haver uma redução, ou uma manutenção desse valor, que seria ainda mais grave porque nós já estamos perto da votação.

Folha/UOL: Falta um mês para a eleição.
Márlon Reis: Há um mês da eleição não se pode dizer que está se gastando pouco. Ou pode haver algo ainda mais grave. Que é o aumento do volume de doações ocultas para evitar que transpareçam os nomes dos doadores.

Folha/UOL: Que dia que é agora em setembro? É dia 6, dia 7?
Márlon Reis: Dia 6 de setembro.

Folha/UOL: É a data, né? Porque 6 de agosto, 6 de setembro.
Márlon Reis:
Exatamente.

Folha/UOL: E daí, enfim, se eles declararem menos, muito menos, do que a previsão de gastos, então há um problema aí.
Márlon Reis: Não, se isso acontecer, fica revelado um problema.

Folha/UOL: Agora, o juiz, numa determinada cidade mesmo, vamos pensar sempre em São Paulo, que é a maior cidade do país, lá são dezenas de milhões que estão previstos de gastos. Se o valor ficar, digamos, muito pequeno, perto de só 10%, menos de 20% do que, em tese, será gasto, a menos de um mês da eleição, há um indício de fraude aí, na declaração?
Márlon Reis: Sim. E se trata de algo que deve ser investigado pelo Ministério Público.

Folha/UOL: Mas com base em quê? O candidato não pode dizer: “Não... é que vou gastar realmente na última semana, eu concentro meus gastos nos últimos 10 dias, então eu não tenho nada para declarar”. Ele não pode argumentar isso?
Márlon Reis:
Pode argumentar. Mas também pode haver... Ele vai ter que demonstrar que, pelas suas contas, não transitaram valores que não vieram a ser declarados. Então, há algo a ser identificado. Mas o maior problema reside, realmente, no sistema, como nós mencionamos há pouco. É preciso que essas doações sejam feitas e anunciadas, publicizadas em tempo real. Isso evitaria isso.

Folha/UOL: Como poderia ser feito esse modelo de divulgação em tempo real, diário, das contas de campanha?
Márlon Reis: Com doações eletrônicas. Uma empresa através do uso de algum cartão de débito ou crédito na rede mundial de computadores e online, sem a necessidade da intermediação de quem quer que fosse. Essa transação era explicitada por um site na internet. Seria de fácil operação, o dinheiro transferido para a conta de campanha e o nome revelado online.

Folha/UOL: Quais países no mundo adotam um modelo parecido a esse que o sr. menciona?
Márlon Reis: No Estados Unidos já há essa prática da doação pela internet e com revelação em tempo real.

Folha/UOL: Qual outro país que o sr. conheça? Tem algum país latino-americano que adota tal tipo de transparência?
Márlon Reis:
Não. Mas a Argentina tem um modelo bastante interessante, que não seja a ser o ideal, mas que é melhor do que o nosso.

Folha/UOL: Ah, é? Qual é?
Márlon Reis: Todo valor arrecadado tem que ser revelado cinco dias antes do pleito. E aí é colocado na internet. De tal forma que não se pode dizer que arrecadou-se, nesses cinco dias antes da eleição. Não é tão bom quanto...

Folha/UOL: Fica proibido, oficialmente, arrecadar?
Márlon Reis: Exato, declara-se tudo que foi arrecadado cinco dias antes da eleição. Então, já é melhor do que o nosso.

Folha/UOL: Com o nome dos doadores?
Márlon Reis: Com o nome dos doadores, com tudo. Então já é melhor do que o nosso. Mas eu ainda prefiro a arrecadação com publicidade em tempo real e com norma clara estabelecendo sanções graves para aquele que movimentar recursos fora desse sistema eletrônico.

Folha/UOL: Deixa eu fazer um pouco a apresentação dos argumentos daqueles que são contra essas regras mais claras. Os doadores e os políticos dizem o seguinte: “Ah, mas seu disse quer eu doei para o candidato x ou y, meu nome vai para todas as manchetes dos jornais, eu serei perseguido por conta dessa doação que fiz”, diz o doador. E o político diz: “Se eu divulgar que a empresa x, y ou z fez doação para mim, vou ser atacado na campanha e vão dizer que eu sou subserviente a essas empresas quando, na verdade, é a democracia, eles estão dando para mim”. Então é natural que eles queiram um pouco de reserva. O que o sr. acha desses argumentos?
Márlon Reis:
Bom, são argumentos extremamente frágeis que não resistem a confrontação com a ideia de que o eleitor tem direito a toda as informações para votar. Ora, se a empresa quer esconder que deu a doação para preservar a imagem, se o político quer esconder isso, então tem alguma coisa errada, tanto na reflexão da empresa, quanto na reflexão do candidato. Porque o razoável é que essas informações possam ser públicas e não causar danos nem para um, nem para outro. E faz parte do processo educativo e da valorização da própria política que eles sejam capazes de justificar as suas relações econômicas de apoio que buscam com a iniciativa privada. Eu, particularmente, não acredito nesse argumento e não vejo como constitucionalmente se negar ao eleitor o direito de ter todas as informações sobre o que se passa realmente dentro de uma campanha.

Folha/UOL: Tem outro aspecto intrigante também nas doações de campanha no Brasil. O Brasil tem perto de 200 milhões de habitantes, mais de 130 milhões de eleitores, mas nenhum, absolutamente nenhum político de influência nacional se interessou, até hoje, de desenvolver um modelo de receber doações individuais pequenas dos eleitores. Por que o sr. acha que os políticos não tem interesse nisso?
Márlon Reis: Há uma cultura de que o político é um patrono, um padrinho, e que concede benesses aos eleitores. Então, o eleitor espera receber algo do político e não doar algo para ele.

Folha/UOL: Mas aí é mais da cabeça do eleitor, ou da cabeça do político, ou dos dois?
Márlon Reis: Dos dois. É algo cultural.

Folha/UOL: Tem como romper isso daí?
Márlon Reis: Tem. É possível romper, por quê? O que faz isso acontecer é uma quebra da confiança. Nós precisamos de um pacote de confiança político. O Plano Real foi um pacote de confiança econômica porque sem que todos apostassem nas regras, não ia adiantar as normas que foram estabelecidas. Nós precisamos de um Plano Real para a política brasileira. Que estabeleça parâmetros novos, que restabeleçam regras de confiança. E eu acredito nisso.

O Brasil, aliás, já deu, historicamente, mais de um sinal de que isso é possível. E o maior deles, do qual eu gosto de me lembrar, é o Plano Real. Nós podemos uma cultura inflacionária de décadas, uma cultura absolutamente arreigada, com um passe de mágica, entre aspas. Que passe de mágica é esse? É um concerto de intenções de ideias de que as coisas devem passar a ser assim para que o mercado, no caso, confiasse nas novas regras. Nós podemos fazer isso também com as eleições.

Folha/UOL: Agora, a fragilidade da democracia brasileiro é relativa. O sr. fala que há fragilidades, de fato, há. Mas é inegável também que houve muitos avanços com a adoção, por exemplo, das urnas eletrônicas. E hoje há um número mínimo de contestações a respeito do resultado da votação em si. Isso o sr. acha que é positivo?
Márlon Reis:
Muito positivo. Eu estive esse ano já no México, ministrando um curso a convite do Tribunal Eleitoral da Federação [Mexicana], e acabei levando uma urna eletrônica brasileira a pedido deles. Era uma grande curiosidade conhecer o sistema que realmente impressiona outras democracias, é um grande avanço. Há um grande avanço também em vários outros pontos.

Folha/UOL: O sr. acha que tem que ter voto em papel impresso pela urna eletrônica, como defendem alguns, ou sr. acha que isso é quase uma superstição daqueles que não acreditam na tecnologia?
Márlon Reis: Eu acho que não é preciso o voto em papel. Acho que nós poderíamos, e aí eu aconselharia até a Justiça Eleitoral fazer isso, abrir mais o debate sobre o voto eletrônico. Abrir ainda mais a discussão para mostrar o grau de segurança.

Mas eu acho que nós estamos num caminho muito bom. Talvez seja hora de começarmos a pensar em mais tecnologia agregada a esse processo, mas o papel se revelou um grande problema em eleições em que se tentou, inclusive gerando defeitos nas urnas. É bom lembrar que se trata de uma ação mecânica que é muito mais fácil de fraudar e dar problema.

Folha/UOL: Ficha Limpa. O sr. está satisfeito com a aplicação que vem sendo dada à Lei da Ficha Limpa ou há defeitos ainda na implantação dessa nova regra?
Márlon Reis: Há defeitos muito localizados e que estão sendo superados pela lógica do sistema recursal e eu citaria, até lamentando, o meu estado do Maranhão onde o Tribunal Regional Eleitoral deixou de aplicar a Lei, recentemente, a um candidato que comprou votos em 2008, foi condenado por isso, sob o argumento de que a Lei não podia alcançar fatos passados. Mas isso havia ficado claro na decisão do Supremo Tribunal Federal. A boa notícia é que o Supremo Tribunal Federal, em grau de reclamação, reparou esse erro e determinou a ilegibilidade desse candidato que menciono.

Mas, fora casos absolutamente isolados de alguns tribunais...

Folha/UOL: A Lei pegou.
Márlon Reis: A Lei pegou e está sendo aplicada. E o número só não será maior de pessoas atingidas porque foi muito grande também o número de candidatos que sequer tentaram candidaturas. Eu cito porque eu viajo o país proferindo palestras e ouço as comunidades locais apontando os nomes dos líderes que já haviam se anunciando candidatos e que depois de fevereiro, quando o Supremo declarou a constitucionalidade da Lei [da Ficha Limpa, voltaram atrás no seu propósito eleitoral.

Folha/UOL: Ainda sobre eleições. O sr. é a favor ou contra que se modifique o sistema de doações para candidatos e partidos durante o processo eleitoral? Ou seja, é a favor talvez de aumentar o financiamento público, que hoje já é muito grande, ou manter como está?
Márlon Reis:
Eu entendo que é preciso envolver o cidadão no processo de doação. Nós precisamos quebrar de imobilismo, inverter a lógica de que o eleitor recebe dádivas do candidato. Nós precisamos fazer com que o candidato dependa dos cidadãos. Então que eu quero pensar num sistema que propicie isso. Qual exatamente o modelo, eu ainda não tenho definido. Mas eu gosto de pensar numa situação em que o eleitor vai até a internet e faz uma doação e pode, posteriormente, ver deduzido do seu imposto de renda aquela doação como estímulo do estado para que ele tenha essa participação política.

Eu, de qualquer forma, acho que no centro da história deve estar o cidadão. Eu gosto muito da ideia de que o cidadão adote o hábito de dizer: “Olha, eu confio nas ideias desse candidato, estou disposto a transferir qualquer valor que seja”.

Vi agora, numa passada recente pelos Estados Unidos, no mês de julho, se não me engano, a candidatura de Barack Obama arrecadou US$ 64 milhões só no mês de julho, sendo que, desse montante, 95% foram de doações que foram de até US$250. Então, isso pode servir de elemento para uma reflexão.

Folha/UOL: Mas lá o cidadão não tem isenção fiscal ou benefício fiscal ao doar US$50, US$100, US$200. O sr. não acha que oferecer... O sr. está dizendo que talvez o Brasil devesse oferecer essa possibilidade de benefício fiscal. [O sr. não acha] que isso acabe tornando uma relação não tão desejável como seria aquela do eleitor que dá o dinheiro porque acredita na proposta para depois cobrá-la, não apenas, muitos poderia fazer, dar o dinheiro porque sabe que vai ter o benefício fiscal?
Márlon Reis: Eu falo um benefício, mas que benefício? Eu não acho que deva ser devolução integral do dinheiro. Mas que ele possa, por exemplo, restituir uma pequena parte ou reduzir uma pequena parte. Por quê? Não por conta da necessidade de restituir. Essa restituição pode ser simbólica. Porque, na verdade, o objetivo que eu tenho com essa ideia é envolver a Receita Federal oficialmente no processo. Que é uma instituição que está capacitada para verificar renda do eleitor. Para verificar se ele realmente poderia ter feito aquela doação. Então, a minha finalidade é, com isso, envolver a Receita Federal no processo de fiscalização do processo.

Folha/UOL: É menos criar mais uma relação entre cidadão e Estado, no sentido do paternalismo ou clientelismo, e mais uma relação que permita fiscalizar o que está acontecendo, é isso?
Márlon Reis: Exatamente. Essa declaração dele no imposto é justamente para que ele possa se submeter ao controle, que é muito bem exercido no Brasil, sobre renda através das declarações do posto de renda.

Folha/UOL: Campanhas no Brasil são muito curiosas, esquisitas até. A Lei determina que certas ações só podem ser feitas em determinadas épocas muito específicas. O sr. acha que esse aspecto da Lei no Brasil eleitoral que determina muito rigidamente o período da campanha, é bom?
Márlon Reis: Não, eu não acho. E muitas vezes, quem me conhece bastante, conhece minhas reflexões, por me ver ativamente em torno de algumas ideias, que são ideias de controle, se surpreende ao descobrir que, quando se trata de discussão, de debate político, eu penso exatamente o oposto. Por exemplo, eu fiquei extremamente perplexo com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral no começo do ano de impedir o uso das redes sociais e do Twitter para o candidato falar o que quer que seja. Eu acho que isso não tem que haver limite algum. O que deve haver limite é apenas a práticas abusivas.

Folha/UOL: Há uma ação no Supremo Tribunal Federal mencionando isso e arguindo a inconstitucionalidade desse trecho da Lei Eleitoral. O sr. acha que tem chance de prosperar essa ação?
Márlon Reis:
Torço por isso. Eu considero que qualquer regra que limite a liberdade plena de se falar sobre a política sem que isso envolva recursos financeiros ou uso da administração pública, como é o que acontece quando alguém posta algo numa rede social, isso não é passível de controle pelo estado. Não acho que o estado tenha nada a ver com isso. Isso é uma prerrogativa do cidadão que tem o direito de falar abertamente, livremente. Por que alguém não pode dizer agora que gostaria...

Folha/UOL: De ser candidato a presidente.
Márlon Reis: ... que vai se qualificar nos próximos oito anos para exercer o mandato presidencial? Qual o crime que há nisso?

Folha/UOL: Possivelmente, isso seria até inconstitucional proibir a pessoa de dizer isso, né?
Márlon Reis: Sim, mas alguém...

Folha/UOL: Porque é liberdade de expressão.
Márlon Reis: ... alguém se apressaria, pela sistemática atual, a impor uma pesada multa a essa pessoa e mandar retirar do seu Twitter essa postagem [risos]. O que é absolutamente antidemocrático.

Folha/UOL: Aí temos que aguardar o Supremo Tribunal Federal se manifestar a respeito disso.
Márlon Reis:
É. Quero que o Supremo... O próprio Tribunal Superior Eleitoral, pode evoluir nisso. Se trata de uma interpretação simples, não acho que há necessidade de mudança de normas. É fácil declarar inconstitucionalidade de uma regra que impeça qualquer cidadão de dizer o que quer que seja sobre a política. Sem que utilize o aparato público, por exemplo, sem estar desequilibrando eleições. Chegando e-mails. Quem impede alguém de ir numa praça pública dizer isso para amigos, ou no Twitter, ou no Facebook ou qualquer rede social.

Folha/UOL: Já que estamos falando do Supremo Tribunal Federal, tem um julgamento muito rumoroso no momento que está aí na mídia, que é o julgamento do chamado mensalão. Um dos ministros que está no Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli, que teve por alguns partidos políticos, pelo menos na mídia, não formalmente, questionada a sua participação por ele ter sido muito ligado ao Partido dos Trabalhadores, ao ex-presidente Lula. Mas ele não se declarou impedido e está julgando o mensalão. E, em breve, Dias Toffoli será presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O sr. enxerga aí algum incômodo para o exercício da função de presidente de Tribunal Superior Eleitoral para o ministro Dias Toffoli?
Márlon Reis: Olha, eu devo falar como... Eu sou presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais, tenho reflexão sobre o assunto e, sendo bastante franco, eu vejo incômodo sim.

Folha/UOL: De que ordem?
Márlon Reis: É um fato notório a imensa ligação do ministro Dias Toffoli com um partido político e num nível que, ao meu ver, incomoda que ele possa presidir um processo eleitoral nacional inclusive em nível presidencial. Eu gostaria que nós pudéssemos...

Folha/UOL: Mas o quê fazer?
Márlon Reis: Bom, eu acho que nós podemos pensar no futuro. Eu acho que nós poderíamos pensar melhor para evoluir nos critérios para a escolha dos membros da Suprema Corte brasileira. Eu acho que nós precisamos avançar, evoluir e democratizar mais esse processo porque é preciso que a sociedade confie plenamente na Suprema Corte.

Folha/UOL: Como o sr. acha que deveria ser o processo?
Márlon Reis:
Eu acho que nós temos que agregar mais transparência e mais participação da sociedade. Ouvir mais a sociedade nesse processo. Não creio que  deva ser um processo burocratizado, por exemplo, de se escolher por promoção automática porque não é isso. A função dos ministros da Suprema Corte é mais ampla.

Folha/UOL: O sr. acha que a presidenta da República ter o poder de indicar e depois nomear?
Márlon Reis: Eu acho que ela poderia indicar. Mas entre a indicação e a efetiva nomeação deveria haver um processo muito mais amplo de consulta.

Folha/UOL: Mas isso pode ser feito pelo Senado da República que tem poderes para tal e não exerce esse poder.
Márlon Reis: Não exerce. Isso é lamentável.

Folha/UOL: Porque o Senado tem o poder de ficar sabatinando durante seis meses, se quiser, um candidato para o Supremo.
Márlon Reis: Isso é lamentável. O que nós precisamos é justamente...

Folha/UOL: Daí, chegamos à conclusão de que a culpa tem sido mais do Senado, então.
Márlon Reis:
Temos que evoluir no processo de... Talvez, quem sabe, agregar ainda outras instâncias de debate. Na Argentina, recentemente, houve a indicação do nome da presidência para uma vaga na Suprema Corte argentina e foi rechaçada pela sociedade argentina. Foi submetida a uma dura sabatina no Senado da República e, após isso, a presidente Cristina Kirchner resolveu voltar atrás na indicação. Então, o que significa isso? Significa que a sociedade está madura democraticamente. E as instituições estão maduras também, a ponto de ouvir essa sociedade que está mais madura. Então eu acho que nós temos que evoluir nas duas coisas. Na voz da sociedade e nos espaços que permitem que essa voz seja ouvida. Uma matéria absolutamente importante que é a escolha para membros de um tão importante órgão.

Folha/UOL: Estamos falando do Senado. O senador Pedro Taques é um senador que tem sido muito ativo nessas causas da transparência e, é possivelmente, como candidato de oposição, deve, é o que se diz no Senado da República hoje, concorrer, com chances pequenas, claro, à presidência do Senado. O que sr. acha da candidatura dele à presidência do Senado se ela de fato vier a ocorrer?
Márlon Reis: Eu entendo que... Bom, como magistrado, para mim fica um pouco difícil falar sobre um processo absolutamente interno de outro poder, mas eu quero dizer um depoimento de que o senador Pedro Taques é um aliado de primeira hora nos movimentos sociais na luta pela transparência no país. Particularmente, é uma pessoa pela qual eu tenho o maior respeito e eu espero que mais pessoas como ele tenham cada vez mais espaço na institucionalidade democrática brasileira.

Folha/UOL: O sr. tem visto diferenças no Brasil nos diversos mandatos presidenciais? Nos mais recentes: Fernando Henrique, Lula e, agora, a presidente Dilma Rousseff?
Márlon Reis: Nesse aspecto eu fico feliz ao constatar a existência de um crescimento gradual de alguns aspectos importantes das nossas instituições que realmente começa desde a época do presidente Fernando Henrique Cardoso e vem evoluído gradualmente em aspectos que eu considero muito importantes.

Do ponto de vista do judiciário, por exemplo, tem havido reflexões que já levaram a evoluções concretas. Eu simbolizaria, eu exemplificaria com a criação do Conselho Nacional de Justiça, que também faz parte de uma evolução reflexiva que vem de um crescendo que perpassa todos esses momentos da Presidência da República. Mas eu poderia citar muitos outros exemplos. Já que nós estamos falando da Presidência da República, das ações desses presidentes eu sou um otimista e vejo com muito bons olhos, talvez pelo local em que eu esteja, já que eu moro no interior do estado que é apontado por alguns como o mais pobre da Federação. A mim, interessa esses programas de apoio, como bolsas, Bolsa Família. Eu vejo na realidade das comunidades uma interferência positiva, benéfica, desses pequenos valores que são distribuídos por conta até mesmo da qualidade de vida de pessoas que estavam, muitas vezes, condenadas. Em Alto Parnaíba...

Folha/UOL: São bons os programas?
Márlon Reis: São bons programas. Eles precisam ser pensados cada vez melhor, mas eles são bons programas, eles dão bons resultados. Eu poderia citar três exemplos que eu observo de maneira local e que eu vejo que isso transmite para outras regiões do país.

Folha/UOL: Quais são eles, rapidamente?
Márlon Reis:
Primeiro: o nível de nutrição das pessoas. Isso é possível perceber nas comunidades. Eu falo isso porque eu vivia numa cidade em que eu tinha que mandar separar as mangas que eram produzidas por duas árvores para uma fila de pessoas que se concentravam na porta da minha casa para receber mangas para comer na hora do almoço. Essas coisas não são mais vistas.

Hoje também há a questão da evolução dos padrões de trabalho. Porque as pessoas agora tem uma opção de não aceitar o subemprego, que eu cansei de ver pessoas trabalhando como empregadas domésticas para ganhar R$ 40 por mês. E, hoje, essas pessoas não estão mais submetidas a isso.

Folha/UOL: E o terceiro ponto?
Márlon Reis: O terceiro ponto tem a ver com a independência das pessoas, porque as pessoas que...

Folha/UOL: Um aumento da cidadania.
Márlon Reis: Aumento da cidadania. Essa mínima porção ajuda as pessoas a quebrar, um mínimo que seja, a extrema dependência do clientelismo. Porque vem por via política, vem de um programa nacional, que é fácil ser percebido como algo que não é um donativo do prefeito, e tal. As pessoas percebem isso e isso começa a trabalhar no sentido do rompimento do clientelismo.

Folha/UOL: O sr. diria que dos três presidentes citados, Fernando Henrique, Lula e Dilma, tem algum dos três que mais trabalhou para melhorar esse tipo de situação?
Márlon Reis: Esse tipo de situação, essa última situação, eu tenho que admitir que foi o presidente Lula que mais investiu. Embora o governo Fernando Henrique tenha iniciado esse processo.

Folha/UOL: E no caso da presidente Dilma, o sr. vê algum avanço em relação ao que foi feito nas outras administrações federais? Eu digo em termos de institucionalização, de políticas e consolidação da democracia?
Márlon Reis:
Eu estou feliz, como cidadão, em relação a vários aspectos do governo da presidente Dilma Rousseff, especialmente no que toca ao controle social das instituições. Ao controle institucional e social.

Eu, como sou interligado a várias redes de mobilização social, posso afirmar que nesse governo se dá um espaço muito grande de interlocução para ouvir a sociedade civil em relação a formação de políticas na área de transparência. Isso me agrada.

Folha/UOL: O sr. é juiz mas vou perguntar: o Sr. poderia revelar para quem o sr. votou para presidente nas últimas eleições?
Márlon Reis: Eu prefiro não revelar. Mas posso dizer que eu votei, voto, participo ativamente, gosto de saber que eu posso ajudar a indicar pessoas para ocupar cargos eletivos. Eu acho isso absolutamente importante na vida das pessoas.

Folha/UOL: Juiz Márlon Reis, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.
Márlon Reis: Muito obrigado.