Relator condena mais nove réus por lavagem de dinheiro e absolve ex-dirigente do Banco Rural
O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, votou pela condenação de nove réus pelo crime de lavagem de dinheiro. O voto de Barbosa foi apresentado nesta segunda-feira (10), em sessão do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
Os condenados pelo relator foram o publicitário Marcos Valério; seus ex-sócios, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino; Geiza Dias, gerente financeira da agência SMP&B, de Valério; e Simone Vasconcellos, diretora financeira da SMP&B.
Barbosa também votou pela condenação dos réus do núcleo financeiro do Banco Rural: Kátia Rabello, ex-presidente; José Roberto Salgado, ex-vice-presidente operacional; e Vinícius Samarane, ex-diretor e atual vice-presidente da instituição. Já Ayanna Tenório, ex-vice-presidente do banco, foi absolvida por Barbosa.
De acordo com a Procuradoria Geral da República, os dirigentes do Banco Rural viabilizaram com Marcos Valério e seus ex-sócios “mecanismos e estratagemas” para omitir os registros no Banco Central dos verdadeiros beneficiários e sacadores dos recursos movimentados. O dinheiro alimentava o "valerioduto", esquema pelo qual contas bancárias das empresas de Valério (acusado de ser o operador do mensalão) eram usadas para a distribuição do dinheiro que teria sido usado para comprar o apoio de parlamentares no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
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"O acervo probatório, tanto as testemunhas quanto os documentos juntados, confirma a tese da acusação [de que houve lavagem de dinheiro]” disse o ministro-relator, que citou vários laudos periciais para demonstrar sua tese, de que o banco cometeu uma série de irregularidades em “ações orquestradas”.
Dos nove réus julgados agora, seis já haviam sido condenados pelo Supremo: Valério, Hollerbach e Paz, por corrupção ativa e peculato; e Rabello, Salgado e Samarane por gestão fraudulenta.
Ao absolver Ayanna Tenório --contrariando voto anterior, quando analisou o crime de gestão fraudulenta--, Barbosa levou em conta a decisão da Corte, que, na semana passada, a considerou inocente da acusação de gestão fraudulenta. Para haver condenação por lavagem de dinheiro, é necessário a ocorrência de um crime anterior.
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De acordo com Barbosa, Marcos Valério e seus ex-sócios indicavam aos dirigentes do Banco Rural quem seriam os beneficiários dos saques. Estes, por sua vez, usavam terceiros para ocultar o recebimento dos recursos.
O ministro-relator citou o caso do vendedor de peixe, que, em depoimento à Polícia Federal, disse que uma senhora ruiva, aparentando 50 anos, pediu-lhe para que assinasse papéis e fizesse um saque na agência Assembleia do Banco Rural, em Belo Horizonte, em troca de R$ 150.
Barbosa disse também ser "bastante revelador" que a ex-presidente do Rural Kátia Rabello tenha participado de duas reuniões com o ex-ministro José Dirceu, intermediadas por Marcos Valério. Para o relator, Rabello sabia que os saques tinham como destinatários reais os indicados por Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT.
Grupo de Marcos Valério
Segundo Barbosa, "Marcos Valério mentiu em seu interrogatório” quando se defendeu da acusação de lavagem de dinheiro. “É interessante observar que ele muda de versão conforme as circunstâncias", disse o ministro. Barbosa disse que o publicitário intermediou todas as operações com o Banco Rural e teve ajuda dos ex-sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach e das funcionárias da agência SMP&B, Geiza Dias e Simone Vasconcellos.
O ministro disse que Marcos Valério acionava integrantes da sua equipe para organizar a operação assim que recebia os nomes do Delúbio.
O relator detalhou como eram feitos os pagamentos por Simone Vasconcellos. A entrega de dinheiro chegou a ser feita a políticos em quartos de hotéis.
Segundo o ministro, ao contrário do que alega a defesa dos réus, o Banco Rural tinha conhecimento sobre os reais destinatários dos empréstimos, que eram informados por Geiza Dias e Simone Vasconcellos.
"A atuação dolosa do núcleo financeiro fica mais evidente quando se atenta que o Banco Rural tinha conhecimento dos reais destinatários", afirmou o ministro.
Barbosa citou laudos que apontam que foram emitidas 80 mil notas fiscais falsas: 25 mil pela agência publicitária SMP&B e 55 mil pela agência DNA, ambas de Valério. Segundo o ministro, entre as notas fiscais falsas emitidas por uma das agências havia uma cujo valor era "superior ao faturamento anual da empresa".
Ainda de acordo com Barbosa, Valério atuou diretamente em todas as etapas da lavagem de dinheiro. Para embasar o seu argumento, o ministro cita que Marcos Valério foi fiador de empréstimo de R$ 19 milhões à SMP&B e de outro de R$ 10 milhões à Grafitti, ambas empresas de sua propriedade.
Rogério Tolentino
O ministro-relator citou um empréstimo de R$ 10 milhões que o Banco BMG concedeu ao advogado Rogério Tolentino, a pedido de Valério. Segundo ele, Tolentino assinou três cheques em branco, mas não soube dizer que destino tiveram esses recursos.
De acordo com o ministro, dos R$ 10 milhões emprestados para Rogério Tolentino, R$ 6 milhões foram para 2S Participações, outra empresa de Marcos Valério.
Segundo o ministro, para ocultar que a aplicação da agência DNA tinha dinheiro de origem pública, vindo do Fundo Visanet, controlado pelo Banco do Brasil, o advogado Rogério Tolentino emprestou a sua empresa para pegar o empréstimo e esconder a origem do dinheiro. Pelo favor, recebeu R$ 410 mil.
Banco Rural
No sistema de controle do Banco Central, o Banco Rural indicava que os saques eram efetuados pela SMP&B para o pagamento de serviços prestados por terceiros. Porém, essas informações, segundo o ministro, eram falsas, porque o banco permitia que outras pessoas sacassem o dinheiro, o que dissimularia os reais destinatários dos recursos.
Segundo o ministro, foram feitas 46 operações seguindo esse modus operandi, que omitiu do Banco Central e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) a identificação dos reais beneficiários.
Barbosa detalhou a participação de José Roberto Salgado nas renovações dos empréstimos, que, segundo o ministro, eram falsos. De acordo com ele, por conta dos altos riscos dos empréstimos, que eram concedidos sem garantias, as renovações tinham de ser aprovadas por Salgado, alto dirigente do banco.
A defesa argumenta que Salgado não participou da concessão dos empréstimos, mas apenas das renovações. Barbosa rejeitou essa tese e acrescentou que um contrato de empréstimo à agência Grafitti foi aprovado por Salgado e não se tratava de renovação.
O ministro disse que Samarane e Ayanna Tenório eram responsáveis por comunicar ao Banco Central sobre qualquer transação financeira suspeita, mas não o fizeram. Barbosa refutou a tese da defesa de que, na época, não era preciso comunicar ao Banco Central e ao Coaf o nome da pessoa física que fazia o saque e diz que havia a exigência para informar o real recebedor.
O magistrado citou relatório do Banco Central que afirma que, a despeito dos alertas da instituição, o Banco Rural agiu "sistematicamente e de forma negligente" omitindo-se sobre as irregularidades, que devem ser consideradas infrações graves.
Segundo Barbosa, o Banco Rural foi alertado sobre a existência de diversas situações suspeitas que mereciam ser comunicadas ao Banco Central. Para o relator, Tenório tinha conhecimento das infrações cometidas pelo banco.
Outro lado
Em nota divulgada nesta segunda-feira (10), o Banco Rural negou ter tentado omitir os registros no Banco Central dos beneficiários e sacadores dos recursos movimentados pelas agências de Marcos Valério na época do mensalão.
Segundo o comunicado divulgado pela instituição, todos os saques efetuados pela SMP&B e DNA Propaganda “obedeceram à legislação e às normas então vigentes” da época e foram informados às autoridades por meio do formulário eletrônico do Banco Central.
O advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, afirmou que não viu com surpresa a condenação de seu cliente. "Eu vejo sem nenhuma novidade, já que ele votou até pela condenação de Ayanna Tenório [no crime de gestão fraudulenta]", afirmou.
Primeira fatia
O STF está julgando o processo do mensalão de forma "fatiada", analisando crimes e réus de acordo com itens especificados pela Procuradoria, autora da denúncia.
O primeiro item julgado pelos ministros, o de número 3 da denúncia da PGR, tratava dos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva e peculato (uso de cargo público para desvios de recursos) e estavam relacionadas aos contratos das empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados.
Na conclusão deste item, o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) foi condenado pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato.
Além dele, também foram condenados os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz por corrupção ativa e peculato; e o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A única absolvição nesta fatia foi a do ex-secretário de Comunicação do primeiro governo Lula, Luiz Gushiken, por falta de provas.
Por dentro do mensalão
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Crimes cometidos | O julgamento |
Segunda e terceira fatias
Encerrada na última quinta-feira (6), a segunda fatia do julgamento abordou o crime de gestão fraudulenta no Banco Rural.
A acusação da Procuradoria, aceita pela maioria dos ministros, é a de que a instituição financeira abastecia o "valerioduto" por meio de supostos empréstimos fictícios nos valores de cerca de R$ 3 milhões para o PT e R$ 29 milhões para agências de Marcos Valério.
Por maioria de votos, foram condenados Vinícius Samarane, Kátia Rabello e José Roberto Salgado. A quarta acusada, Ayanna Tenório, foi absolvida pela Corte por falta de provas.
A terceira fatia, o item 4 (sobre lavagem de dinheiro), começou a ser votado nesta segunda (10). Na sequência, virão os itens 6 (referente à corrupção envolvendo partidos da base aliada do governo Lula), 7 (lavagem de dinheiro por parte do PT), 8 (evasão de divisas) e 2 (formação de quadrilha).
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Lula. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil).
No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo federal. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal analisa acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo
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