Esquema em Blumenau (SC) fraudou até conserto em mecânica; candidato comprou voto por R$ 20
Investigações do Ministério Público de Santa Catarina apontam que o esquema instalado em Blumenau (139 km de Florianópolis) para desviar recursos públicos além de fraudar licitações milionárias alcançou também serviços menores, como consertos de carros.
As fraudes nas contratações ocorriam com a participação de servidores da URB (Companhia Urbanizadora de Blumenau), apontada pelo MP como pivô no esquema, que pode ter desviado mais de R$ 100 milhões, para beneficiar empreiteiras e candidatos a vereador ligados ao esquema.
Uma das interceptações telefônicas do MP mostra a servidora Maria Helena Pereira Gastaldi, responsável pelo setor de compras da URB, conversando com uma representante de uma oficina mecânica chamada Letícia. No diálogo, a interlocutora diz que o conserto de uma picape Saveiro ficou orçado em R$ 2.771, porque seria necessário “fazer o motor todo”.
Conversa na qual Maria Elena, funcionária do setor de compras da URB, pede para uma interlocutora que trabalha em uma mecânica ajudá-la a fraudar um contrato para o conserto de um veículo, segundo o MP
Em resposta, Gastaldi pede à Letícia que consiga mais dois orçamentos em outras mecânicas porque a “lei manda fazer três orçamentos”. A interlocutora responde que até segunda-feira enviaria os outros orçamentos, conforme pedido.
As investigações apontam que, além das fraudes, os servidores, em troca de propina e outras vantagens, viabilizavam o desvio de material da URB para empreiteiras, autorizavam a contratação de funcionários fantasmas e adulteravam medições de obras.
Na conversa acima, Maria Elena e o empreiteiro Moisés Rodrigues, o Tchê, brincam sobre a possibilidade de os telefones estarem grampeados. Depois, segundo a Promotoria, Tchê combina o pagamento de propina à funcionária da URB
Segundo o MP, o esquema de fraudes em licitações para desviar dinheiro público teve a participação ativa de vários servidores subordinados a Eduardo Jacomel, então diretor-presidente da URB, como Victor Silveira Faria, diretor técnico da URB e coordenador da campanha do vereador Robinsom Soares, o Robinho, além da própria Maria Helena.
As transcrições mostram que Victor, aproveitando-se das prerrogativas de seu cargo, fez favores a eleitores para angariar votos a Robinho, como direcionar o asfaltamento de vias, fazer religações de energia, entre outros. O investigado, sustenta o MP, utilizou telefone funcional e veículo da prefeitura em atos de campanha.
Conversas entre Victor e Maria Helena com o empreiteiro Moisés Rodrigues, o Tchê, indicam que os dois servidores receberam propina pelos atos ilícitos.
Em outra conversa, o empreiteiro Moisés Rodrigues, o Tchê, fala do pagamento de propina a Victor, que se cala, segundo o MP, por desconfiar que estava sendo monitorado.
Voto por R$ 20
Um dos candidatos beneficiados pelo esquema em Santa Catarina foi Bráz Roncáglio (PR), que não se elegeu vereador no ano passado, mas hoje ocupa o cargo de segundo suplente do PR na Câmara de Blumenau.
Roncáglio era diretor de gerência na Secretaria de Articulação Política de Blumenau, mas se afastou do cargo para a disputa eleitoral. As investigações mostram que ele usou os contatos e as facilidades que tinha por ter trabalhado na administração municipal para obter favores eleitorais.
A exemplo de outros candidatos, a principal “tática” de Roncáglio era direcionar o asfaltamento de vias que poderiam beneficiá-lo eleitoralmente, conforme demonstram várias interceptações feitas pelo Ministério Público.
Na transcrição acima, Braz entrega R$ 20 a um transeunte em troca de votos, de acordo com a investigação do MP
Em uma das ligações, com data de 3 de julho de 2012, Braz se esqueceu de desligar o celular após encerrar a conversa e foi flagrado comprando um voto por R$ 20. Segundo o MP, um transeunte o reconheceu no carro e se aproximou. Em seguida, o candidato afirmou que ele costuma ajudar as pessoas pobres.
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O interlocutor, então, pede ajuda para comprar um “arrozinho” porque se acidentou e está na “pior”. Braz, então, lhe dá R$ 20 para “comprar comidinha” e diz que é “filho do povo” e gosta de ajudar quem trabalha, de acordo com a transcrição.
Célio Dias
Outro candidato que teria se beneficiado com o esquema é Célio Dias (PR), que se elegeu vereador no município com a maior votação de seu partido, com 2.606 votos.
De acordo com o Ministério Público, Dias, enquanto candidato, se aproveitou da influência que tinha por ter sido diretor administrativo e financeiro da Secretaria de Articulação Política e ex-diretor-presidente da URB para conquistar votos.
Ele teria liberado alvarás a comerciantes em troca de apoio político e se beneficiado da relação com o empreiteiro Israel de Souza, cujas empresas mantinham dezenas de contratos com a administração municipal.
Na conversa, um cabo eleitoral de Célio Dias (PR), chamado Marcelo, diz que irá conseguir a liberação de um alvará para o dono da pizzaria, em troca de apoio eleitoral a Dias, então candidato a vereador
As transcrições mostram Dias pedindo material de pavimentação para Israel e demonstram que a campanha do vereador utilizou caminhões e kombis das empresas do empreiteiro para a instalação de placas e outros serviços –o que é considerado crime eleitoral.
Segundo o MP, o esquema criminoso instalado na URB permaneceu atuando durante a presidência de Dias na URB.
Outro lado
Roncáglio conversou por telefone com a reportagem e disse que só irá se pronunciar, respondendo às acusações, depois da decisão do TRE. “Muita coisa que se fala não se faz. E muita coisa que não se fala, se faz”, disse. “Não há nada que me desabone nas minhas escutas telefônicas. Não cometi roubo, nada dessas coisas”, afirmou.
A reportagem ligou para o gabinete de Célio Dias, mas foi informada por uma assessora de que ele não irá falar sobre o assunto até a decisão do TRE sobre sua candidatura.
O UOL ligou para o celular de Maria Elena, mas não a localizou. Victor também foi procurado no telefone pessoal, mas não atendeu a ligação. Uma mensagem eletrônica foi deixada na caixa postal dele, porém até o fechamento da reportagem não houve retorno por parte do investigado.
Ambos foram procurados na URB, mas uma mulher disse que eles não trabalham mais no órgão.
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