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Itália pode levar 2 anos para decidir sobre extradição de Pizzolato

Interpol divulgou em seu site uma imagem do passaporte encontrado com Henrique Pizzolato, na Itália - Divulgaçãi/Interpol
Interpol divulgou em seu site uma imagem do passaporte encontrado com Henrique Pizzolato, na Itália Imagem: Divulgaçãi/Interpol

Patrícia Araújo

Do UOL, em Roma

10/03/2014 06h00

A Justiça italiana só deverá dar uma resposta ao governo brasileiro sobre o pedido de extradição de Henrique Pizzolato após a conclusão do processo de falsidade ideológica que o ex-dirigente do Banco do Brasil responderá na Itália. A avaliação é de especialistas em direito penal italiano ouvidos pela reportagem do UOL. Como a pena para este tipo de crime no país é de até dois anos, caso Pizzolato seja condenado, este pode ser o tempo que o Brasil deverá esperar para que o Ministério da Justiça italiano comece a avaliar sua extradição.

Pizzolato foi preso na cidade de Maranello, na região da Emília-Romanha, norte da Itália, no início de fevereiro. Ele usava um passaporte falso, com a identidade de seu irmão morto em 1978. Alguns dias após sua prisão, a polícia informou que o indiciou por falsidade ideológica e falso testemunho a um oficial público. Atualmente, ele está preso na penitenciária de Modena. A Justiça italiana negou o pedido de liberdade feito por seu advogado por avaliar que havia “risco de fuga” do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil.

Fuga de Pizzolato do Brasil

  • Arte/UOL

    Pizzolato saiu do Brasil por Santa Catarina (1), atravessou a fronteira até Bernardo De Irigoyen, na Argentina (2); foi até Buenos Aires (3), de onde pegou um voo até Barcelona (4). A polícia ainda não sabe como ele entrou na Itália, mas ele foi preso em Maranello (5)

De acordo com Claudio Zanghì, professor de direito internacional da Universidade Sapienza (em Roma), a legislação italiana prevê que o réu em um processo deve permanecer no país até que seja “necessário à Justiça”. “Qualquer problema de extradição se coloca só quando for completado o processo [de falsidade ideológica na Itália]. Se ele for condenado, por ora, responde aos anos de pena e depois se fala em extradição. Esse é um princípio geral”, afirma.

A mesma avaliação é feita por Angela Del Vecchio, professora de direito penal internacional da Universidade Luiss Guido Carli, também em Roma. “Num primeiro momento, não falamos realmente em extradição porque ele está sob um procedimento na Itália que se refere a um crime cometido na Itália. Admitamos que se supere tudo, que se feche todo o procedimento, aí sim, retorna a possibilidade do pedido de extradição da parte do Brasil.”

De acordo com o artigo 483 do Código Penal italiano, a pena pelo crime de falsidade ideológica pode chegar a dois anos de reclusão. Mas segundo o advogado Elio Taiani, especialista em direito criminal na Itália, esse tempo pode variar “para mais ou para menos de acordo com a existência de agravantes ou atenuantes”.

Cidadania, caso Batistti e Telecom

Angela Del Vecchio, porém, afirma que, mesmo quando a extradição do ex-dirigente do BB começar a ser analisada, “existem muitas armas a favor de Pizzolato para que ele não reentre no Brasil.” A primeira delas seria a dupla cidadania italiana. “Existe esse tratado bilateral entre Itália e Brasil, no qual o artigo 6º fala da possibilidade de refuto facultativo de extraditar o cidadão que é brasileiro, mas também italiano, porque para a Itália é preeminente a cidadania italiana.”

Já Zanghì fala de uma “grafia constante de procedimento” para justificar a provável negativa que, segundo ele, será dada pela Itália ao governo do Brasil. “Sendo um cidadão italiano, é verdade que não existe um absoluto, poderia também ser concedida [a extradição], mas existe um padrão constante [da Justiça] pelo qual os cidadãos italianos não são extraditados.”

Além da dupla cidadania, os dois concordam que Pizzolato servirá como figura de retaliação à negativa de extradição do italiano Cesare Batistti, feita pelo governo brasileiro em 2011. “Eu penso que usarão o motivo de que se trata de um cidadão italiano para não dar a extradição. Mas isso tendo em mente o plano político. Como recebemos uma negativa por parte do Brasil de um caso clamoroso como o de Batistti, não creio que politicamente o ministro [da Justiça da Itália, Andrea Orlando] queira fazer uma grande cortesia ao Brasil. Não vejo nenhum motivo para isso” , afirma Zanghì.

Segundo Del Vecchio, o caso Batistti pode inclusive ter motivado Pizzolato a vir para a Itália. “Ele [Pizzolato] joga muito no campo da política porque sabe que o caso Batistti é ainda muito pesado para a Itália [...] Não é que a Itália tenha esquecido desse caso assim. E ele deve ter pensado nisso também, que não encontra a autoridade italiana muito benevolente para conceder a sua extradição.”

Para o advogado Alessandro Maria Tirelli, especializado em casos de extradição envolvendo a Itália, os conhecimentos de Pizzolato sobre a venda superfaturada da Companhia Riograndense de Telefonia (CRT), em 2000, também podem justificar a provável negativa de sua extradição ao governo do Brasil. Naquele ano, a Telecom Itália conduziu a venda da CRT por um valor US$ 250 milhões maior que a sua avaliação no mercado.

“Nesse escândalo da Telecom estão envolvidos personagens importantes vizinhos ao governo italiano. Ou seja, como o processo de extradição tem duas faces, a política e a jurídica, e como a validação política será feita por um membro do governo, eu meto a minha mão no fogo que o ministro da Justiça não decidirá pelo envio de Pizzolato [ao Brasil].”

Tramitação do processo

Na segunda-feira passada (3), a Embaixada do Brasil em Roma entregou o pedido de extradição de Pizzolato ao Ministério das Relações Exteriores da Itália que, até o final da semana, não havia protocolado oficialmente o documento junto ao Ministério da Justiça do país, responsável por analisar e decidir sobre o caso. Segundo a assessoria da Justiça, o ministro das Relações Exteriores já teria entrado em contato com Andrea Orlando, ministro da Justiça italiano, para falar sobre o caso, mas o documento ainda não foi oficialmente protocolado no judiciário. O envio deve ser feito nos próximos dias.

Ainda de acordo com a assessoria da Justiça, assim que o pedido chegar ao ministério será encaminhado à Corte de Apelação de Bolonha. O professor Claudio Zanghi explica que a Corte, então, instaura um procedimento de extradição no qual valida as provas que foram mandadas pelas autoridades brasileiras a Itália. Se a Corte entende que as provas contra Pizzolato são válidas, pode conceder a extradição. No entanto, a autoridade judiciária pode não considerar as provas suficientes e pedir um suplemento, ou então pode dizer simplesmente que as provas mandadas não são suficientes para entender que Pizzolato é culpado e concluir o processo.

Contra a decisão da Corte cabe recurso. Mas, após o recurso, saída a decisão definitiva, cabe ao ministro da Justiça da Itália conceder ou negar a extradição. O ministro, porém, não pode autorizar a extradição sem que a decisão da Corte de Apelo tenha sido favorável ao envio de Pizzolato ao Brasil.

Ao longo da semana, a reportagem do UOL tentou entrar em contato várias vezes com o advogado do ex-dirigente do BB, Lorenzo Bergami, mas até a conclusão deste texto não obteve resposta.