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Bater panela para protestar pode ajudar a mudar um país? Veja quatro opiniões

Quatro personalidades conversaram com o UOL sobre uso de panelas para protestar - Arte/UOL
Quatro personalidades conversaram com o UOL sobre uso de panelas para protestar Imagem: Arte/UOL

André Carvalho

Do UOL, em São Paulo

06/05/2015 06h00

Uma criação chilena, que ganhou fama na Argentina e, adaptada à atual realidade brasileira, virou um símbolo da insatisfação com o governo federal. O panelaço voltou a dar as caras nesta terça-feira (5), durante o programa partidário do PT, exibido pela TV em rede nacional. 

O Chile é apontado como o primeiro país da região a ter uma manifestação deste tipo, em 1971, na ocasião da "Marcha das Panelas Vazias", realizada contra o governo de Salvador Allende. Nas décadas que se seguiram, manifestantes de outros países da América do Sul repetiram este tipo de protesto inúmeras vezes, com destaque para os argentinos, que fizeram dos cacerolazos (como são chamados os panelaços nos países hispânicos da América Latina) quase que uma marca nacional.

Em terras brasileiras, os panelaços ganharam força há pouco tempo. No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o pronunciamento da presidente em rede nacional mal pôde ser ouvido pelos manifestantes, que, de suas janelas e varandas, bateram panelas vazias e gritaram palavrões e slogans como "Fora, Dilma!". Desde então, outros panelaços contribuíram para acirrar os ânimos e o debate sobre a situação política do país.

Diante deste cenário, qual o impacto deste tipo de manifestação? Como bater panela para protestar pode ajudar a mudar um país? Veja abaixo a opinião de quatro personalidades de diferentes áreas que conversaram com o UOL sobre o assunto.

 

 

José Júnior: “A panela está esvaziando”
José Júnior - Divulgação - Divulgação
O coordenador do AfroReggae apoia as recentes manifestações contra Dilma Rousseff
Imagem: Divulgação

Depois de ter votado no PT em seis eleições presidenciais seguidas, de 1989 a 2010, o fundador e coordenador executivo do Grupo Cultural AfroReggae José Júnior optou pela mudança no último pleito, dando seu voto para o tucano Aécio Neves. Mais: insatisfeito com a atual gestão do governo federal, participou das convocações organizadas pelo movimento Vem Pra Rua para os protestos realizados nos dias 15 de março e 12 de abril, ainda que, a princípio, diga ser contra o impeachment de Dilma.

 

Para ele, o panelaço, assim como todas as formas de manifestações pacíficas que têm uma causa, é válido. "É uma manifestação individual que acaba contagiando, uma ação que acaba reverberando bastante", afirma.

 

O ativista critica o que vê como uma tentativa de deslegitimar os protestos recentes realizados no país. "Estão querendo descaracterizar o movimento, classificando-o de elitista. Mesmo que fosse, a elite do Brasil vota e paga imposto", frisa o líder do AfroReggae. "Por acaso, você vê algum integrante das classes populares no primeiro escalão do governo?"

 

A insatisfação da sociedade brasileira com o governo federal, para José Júnior, não vem de hoje: "As pessoas estavam insatisfeitas antes das eleições, na época das manifestações que aconteceram em 2013. Demonstraram esta insatisfação nas eleições e demonstram agora, no pós-eleições".

 

O coordenador do AfroReggae também refuta a associação histórica de panelaços com manifestantes de classes populares, que frequentemente têm suas panelas vazias. "Elas podem não estar vazias, mas estão esvaziando", afirma, em uma crítica à atual situação econômica do país. Voltar ao topo

 

Juca Kfouri: “Não se faz política com ódio”
Juca Kfouri - Divulgação - Divulgação
O jornalista critica o caráter intransigente dos panelaços em protesto à presidente Dilma
Imagem: Divulgação

No mesmo dia em que foram registrados os primeiros panelaços contra a presidente Dilma Rousseff em algumas cidades do país, o jornalista Juca Kfouri escreveu em seu blog um texto intitulado "O panelaço da barriga cheia e do ódio", criticando o que chamou de "ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um presidente".

 

Kfouri vê as manifestações realizadas recentemente no país como "uma espécie de um vomitório de quem não conseguiu engolir a derrota eleitoral", mas avalia que elas devem ser levadas em conta e que o governo "tem que saber responder à insatisfação desta gente".

 

Sua maior crítica, no entanto, se dá pela maneira como os protestos são realizados. "Não se faz política com ódio", afirma o jornalista. "E o que eu vi naquele dia foram manifestações de ódio", completa, ressaltando o caráter elitista que diz ver nos recentes panelaços.

 

O fato de os primeiros protestos terem ocorrido durante pronunciamentos de Dilma e de ministros de Estado, indica, para Kfouri, a recusa de participar de um diálogo por parte do setor da sociedade que organiza as manifestações. "Quando você odeia, você não quer ouvir seu inimigo", diz o jornalista.

 

"Este clima não se justifica. O Brasil não está passando fome. Esta gente não está com razão de estar com desespero. Talvez esteja incomodada porque o dólar subiu e ficou mais caro ir para Miami. Mas isso não é vital", completa Juca Kfouri. Voltar ao topo

 

Ivo Meirelles: “Panelaço nunca esteve tão em moda"
Ivo Meirelles - Manuela Scarpa/Photo Rio News - Manuela Scarpa/Photo Rio News
O percussionista vê a atual situação econômica do país como motivadora dos panelaços
Imagem: Manuela Scarpa/Photo Rio News

O cantor, compositor e percussionista Ivo Meirelles sabe bem o que é bater lata. Fundador e integrante do grupo Funk ‘n' Lata, onde permaneceu de 1995 a 2001, e presidente da Mangueira entre os anos de 2009 e 2013, o músico dá seu pitaco sobre os panelaços, abordando um aspecto mais curioso: seu lado musical.

 

Meirelles lembra que as frigideiras já foram muito usadas em baterias de escolas de samba, mas que elas "emitem um som muito agudo e estridente". Qual seria, então, o melhor tipo de panela para ser usada como instrumento de percussão? "Som bom a gente tira de panelas grandes... aquelas que as tias usam pra fazerem feijoadas", afirma o percussionista.

 

Sobre os panelaços, Meirelles se mostra a favor das manifestações, já que, para ele, os baixos índices econômicos do Brasil nos últimos anos motivam estes protestos: "O panelaço nunca esteve tão em moda. Ou o governo resolve a economia do Brasil, ou a sinfonia das panelas vai assombrar o Planalto". Voltar ao topo

 

Ariel Palácios: “Na Argentina, não tem oba-oba”
Ariel Palácios - Reprodução/Youtube - Reprodução/Youtube
O correspondente internacional presenciou panelaços na Argentina desde 1996
Imagem: Reprodução/Youtube

O jornalista brasileiro Ariel Palácios vive desde 1995 na Argentina, onde atuou como correspondente internacional em veículos como "O Estado de S. Paulo" e "GloboNews", além das rádios "CBN" e "Eldorado". Em duas décadas, Palácios pôde ver de perto todos os cacerolazos (como são chamados os panelaços nos países hispânicos da América Latina) que ocorreram por lá a partir de 1996.

 

Palácios conta que se surpreendeu com o atual nível de polarização na sociedade brasileira, apesar de ressaltar que o antagonismo entre parcelas da sociedade argentina é ainda mais profundo. "O antagonismo na Argentina é um clássico desde a independência do país", afirma, antes de comentar que atualmente a divisão se dá entre kirchneristas e anti-kirchneristas.

 

Na Argentina, Palácios diz que também existe a modalidade "panelaço de varanda", mas o jornalista aponta uma maior politização e um comportamento mais educado nas manifestações argentinas. "As pessoas sabem exatamente por que estão protestando. Não tem oba-oba. E o país ficou muito menos machista nos últimos 20 anos", diz o jornalista. Como exemplo, ele destaca que não se veem xingamentos misóginos contra Cristina Kirchner nos protestos.

 

Para ele, há apenas uma regra: sempre que a economia vai mal, há protestos na Argentina. "Contra todo tipo de governo, de qualquer tipo ideológico, todas as classes sociais, em algum momento, participaram de panelaços. Então não é que os panelaços na Argentina sejam de direita ou de esquerda, todo mundo leva um panelaço em algum momento", finaliza. Voltar ao topo