Bater panela para protestar pode ajudar a mudar um país? Veja quatro opiniões
Uma criação chilena, que ganhou fama na Argentina e, adaptada à atual realidade brasileira, virou um símbolo da insatisfação com o governo federal. O panelaço voltou a dar as caras nesta terça-feira (5), durante o programa partidário do PT, exibido pela TV em rede nacional.
Em terras brasileiras, os panelaços ganharam força há pouco tempo. No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o pronunciamento da presidente em rede nacional mal pôde ser ouvido pelos manifestantes, que, de suas janelas e varandas, bateram panelas vazias e gritaram palavrões e slogans como "Fora, Dilma!". Desde então, outros panelaços contribuíram para acirrar os ânimos e o debate sobre a situação política do país.
Diante deste cenário, qual o impacto deste tipo de manifestação? Como bater panela para protestar pode ajudar a mudar um país? Veja abaixo a opinião de quatro personalidades de diferentes áreas que conversaram com o UOL sobre o assunto.
- José Júnior, líder do AfroReggae
- Juca Kfouri, jornalista
- Ivo Meirelles, músico
- Ariel Palácios, jornalista
José Júnior: “A panela está esvaziando”
Depois de ter votado no PT em seis eleições presidenciais seguidas, de 1989 a 2010, o fundador e coordenador executivo do Grupo Cultural AfroReggae José Júnior optou pela mudança no último pleito, dando seu voto para o tucano Aécio Neves. Mais: insatisfeito com a atual gestão do governo federal, participou das convocações organizadas pelo movimento Vem Pra Rua para os protestos realizados nos dias 15 de março e 12 de abril, ainda que, a princípio, diga ser contra o impeachment de Dilma.
Para ele, o panelaço, assim como todas as formas de manifestações pacíficas que têm uma causa, é válido. "É uma manifestação individual que acaba contagiando, uma ação que acaba reverberando bastante", afirma.
O ativista critica o que vê como uma tentativa de deslegitimar os protestos recentes realizados no país. "Estão querendo descaracterizar o movimento, classificando-o de elitista. Mesmo que fosse, a elite do Brasil vota e paga imposto", frisa o líder do AfroReggae. "Por acaso, você vê algum integrante das classes populares no primeiro escalão do governo?"
A insatisfação da sociedade brasileira com o governo federal, para José Júnior, não vem de hoje: "As pessoas estavam insatisfeitas antes das eleições, na época das manifestações que aconteceram em 2013. Demonstraram esta insatisfação nas eleições e demonstram agora, no pós-eleições".
O coordenador do AfroReggae também refuta a associação histórica de panelaços com manifestantes de classes populares, que frequentemente têm suas panelas vazias. "Elas podem não estar vazias, mas estão esvaziando", afirma, em uma crítica à atual situação econômica do país. Voltar ao topo
Juca Kfouri: “Não se faz política com ódio”
No mesmo dia em que foram registrados os primeiros panelaços contra a presidente Dilma Rousseff em algumas cidades do país, o jornalista Juca Kfouri escreveu em seu blog um texto intitulado "O panelaço da barriga cheia e do ódio", criticando o que chamou de "ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um presidente".
Kfouri vê as manifestações realizadas recentemente no país como "uma espécie de um vomitório de quem não conseguiu engolir a derrota eleitoral", mas avalia que elas devem ser levadas em conta e que o governo "tem que saber responder à insatisfação desta gente".
Sua maior crítica, no entanto, se dá pela maneira como os protestos são realizados. "Não se faz política com ódio", afirma o jornalista. "E o que eu vi naquele dia foram manifestações de ódio", completa, ressaltando o caráter elitista que diz ver nos recentes panelaços.
O fato de os primeiros protestos terem ocorrido durante pronunciamentos de Dilma e de ministros de Estado, indica, para Kfouri, a recusa de participar de um diálogo por parte do setor da sociedade que organiza as manifestações. "Quando você odeia, você não quer ouvir seu inimigo", diz o jornalista.
"Este clima não se justifica. O Brasil não está passando fome. Esta gente não está com razão de estar com desespero. Talvez esteja incomodada porque o dólar subiu e ficou mais caro ir para Miami. Mas isso não é vital", completa Juca Kfouri. Voltar ao topo
Ivo Meirelles: “Panelaço nunca esteve tão em moda"
O cantor, compositor e percussionista Ivo Meirelles sabe bem o que é bater lata. Fundador e integrante do grupo Funk ‘n' Lata, onde permaneceu de 1995 a 2001, e presidente da Mangueira entre os anos de 2009 e 2013, o músico dá seu pitaco sobre os panelaços, abordando um aspecto mais curioso: seu lado musical.
Meirelles lembra que as frigideiras já foram muito usadas em baterias de escolas de samba, mas que elas "emitem um som muito agudo e estridente". Qual seria, então, o melhor tipo de panela para ser usada como instrumento de percussão? "Som bom a gente tira de panelas grandes... aquelas que as tias usam pra fazerem feijoadas", afirma o percussionista.
Sobre os panelaços, Meirelles se mostra a favor das manifestações, já que, para ele, os baixos índices econômicos do Brasil nos últimos anos motivam estes protestos: "O panelaço nunca esteve tão em moda. Ou o governo resolve a economia do Brasil, ou a sinfonia das panelas vai assombrar o Planalto". Voltar ao topo
Ariel Palácios: “Na Argentina, não tem oba-oba”
O jornalista brasileiro Ariel Palácios vive desde 1995 na Argentina, onde atuou como correspondente internacional em veículos como "O Estado de S. Paulo" e "GloboNews", além das rádios "CBN" e "Eldorado". Em duas décadas, Palácios pôde ver de perto todos os cacerolazos (como são chamados os panelaços nos países hispânicos da América Latina) que ocorreram por lá a partir de 1996.
Palácios conta que se surpreendeu com o atual nível de polarização na sociedade brasileira, apesar de ressaltar que o antagonismo entre parcelas da sociedade argentina é ainda mais profundo. "O antagonismo na Argentina é um clássico desde a independência do país", afirma, antes de comentar que atualmente a divisão se dá entre kirchneristas e anti-kirchneristas.
Na Argentina, Palácios diz que também existe a modalidade "panelaço de varanda", mas o jornalista aponta uma maior politização e um comportamento mais educado nas manifestações argentinas. "As pessoas sabem exatamente por que estão protestando. Não tem oba-oba. E o país ficou muito menos machista nos últimos 20 anos", diz o jornalista. Como exemplo, ele destaca que não se veem xingamentos misóginos contra Cristina Kirchner nos protestos.
Para ele, há apenas uma regra: sempre que a economia vai mal, há protestos na Argentina. "Contra todo tipo de governo, de qualquer tipo ideológico, todas as classes sociais, em algum momento, participaram de panelaços. Então não é que os panelaços na Argentina sejam de direita ou de esquerda, todo mundo leva um panelaço em algum momento", finaliza. Voltar ao topo
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