Como um amigo de Temer agrava a crise do governo e o coloca no foco da Lava Jato
O depoimento à PGR (Procuradoria-Geral da República) do advogado José Yunes, amigo e ex-assessor do presidente Michel Temer, colocou o Palácio do Planalto no foco dos próximos passos da Operação Lava Jato.
Uma investigação deve ser aberta nas próximas semanas contra o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, um dos maiores aliados de Temer no governo, segundo informou a "Folha de S.Paulo".
"Se você atinge o chefe da Casa Civil, uma figura tão central em todas as articulações políticas do governo, e, ainda mais, atinge por meio do depoimento de uma figura tão próxima do presidente, um amigo pessoal, você tem um impacto político brutal", afirma Cláudio Couto, professor de Ciência Política na FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo.
“A tendência quando tem uma situação desse tipo realmente é de agravamento da crise e enfraquecimento do governo”, diz o professor.
O professor emérito de Ciência Política da UNB (Universidade de Brasília) David Fleischer diz que o depoimento de Yunes aproxima a crise política, e as investigações, de Temer.
“Yunes é amigo do peito [de Temer] há mais de 50 anos em São Paulo, então pela afinidade e amizade, qualquer coisa que Yunes tenha feito respinga em cima do presidente”, diz. “Por isso que ele era assessor do Planalto e caiu”, afirma Fleischer.
Reformas
Para Couto, da FGV-SP, a crise política agravada com o depoimento de Yunes pode dificultar a tramitação das reformas defendidas pelo governo no Congresso.
“Tudo que enfraquece o governo dificulta o encaminhamento das reformas. Atingindo um homem central na articulação [Padilha], mais ainda. Mas é difícil mensurar agora o alcance disso”, diz Couto.
Padilha está de licença médica para realizar uma cirurgia de próstata em Porto Alegre. A assessoria do ministro informou que ele deve retornar no dia 6 de março.
“Para Temer é difícil porque Padilha é um dos principais articuladores [políticos] dele. Então ficar uma ou duas semanas sem Padilha pode ter consequências negativas para a reforma da Previdência no Congresso”, diz Fleischer, da UNB.
“Isso é uma prévia do que vai ser com todos os depoimentos dos 77 [delatores] da Odebrecht. Por isso que em Brasília é chamado de fim do mundo [a divulgação da delação]”, afirma o professor.
O governo Temer tenta aprovar no Congresso a reforma da Previdência e das leis trabalhistas, temas que provocam resistência mesmo entre parlamentares da base do governo.
Mas, afinal, quais fatos ligam Yunes, a Lava Jato e o governo Temer?
Yunes foi apontado como emissário de pagamentos da Odebrecht ao PMDB no depoimento do ex-executivo da empreiteira Cláudio Melo Filho em acordo de colaboração premiada.
Melo Filho disse ter levado ao escritório de Yunes, a pedido de Padilha, parte do dinheiro ao PMDB que foi acertado em jantar no Palácio do Jaburu, residência oficial do então vice-presidente Michel Temer.
Participaram do encontro no Jaburu, além de Melo Filho e do próprio Temer, o então presidente da empreiteira, Marcelo Odebrecht, e Eliseu Padilha.
O jantar ocorreu em maio de 2014 e, segundo o delator, Temer fez um pedido direto a Marcelo Odebrecht por dinheiro para as campanhas do partido.
Ficou acertado que a Odebrecht daria R$ 10 milhões, dos quais R$ 4 milhões ficariam sob a responsabilidade de Padilha, ainda segundo o depoimento de Melo Filho.
De acordo com o delator, o papel de Padilha era coordenar a distribuição dos repasses feitos pela empreiteira ao grupo mais próximo a Temer no partido. Um dos destinatários teria sido o então deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que teve o mandato cassado no ano passado.
O executivo contou também que parte dos R$ 4 milhões foi entregue, a pedido de Padilha, no escritório de Yunes, em São Paulo.
A divulgação pela imprensa da delação de Melo Filho, em dezembro do ano passado, levou Yunes a pedir demissão do cargo de assessor especial da Presidência.
Na ocasião, ele divulgou uma carta em que negava o relatado pelo executivo e exaltava a amizade “de décadas” com o presidente Temer. Ambos foram deputados constituintes em 1988.
A demissão foi oficializada após vir a público a confirmação por Marcelo Odebrecht do encontro no Jaburu, em reportagem da “Folha de S.Paulo”.
A versão de Yunes mudou na semana passada, quando ele voluntariamente prestou depoimento à PGR.
Ao Ministério Público, Yunes contou ter sido procurado por Padilha, que lhe pediu o favor de receber alguns “documentos” em seu escritório, que seriam em seguida buscados por um emissário.
Quem foi ao escritório entregar os “documentos”, diz Yunes, foi o doleiro Lucio Funaro, apontado como operador de Eduardo Cunha, ou seja, responsável por viabilizar a entrega de propina ao deputado do PMDB. Cunha sempre negou ter participado em irregularidades investigadas pela Lava Jato.
Yunes disse que não procurou verificar o que havia dentro do pacote que lhe foi entregue e negou ter operado dinheiro de campanha para o PMDB.
Outro lado
Em nota oficial divulgada nesta sexta, o Planalto informa que na campanha eleitoral de 2014, Michel Temer "não autorizou nem solicitou que nada fosse feito sem amparo nas regras da Lei Eleitoral".
Segundo o comunicado, o então vice-presidente, candidato à reeleição na chapa com a presidente Dilma Roussef, pediu auxílio formal à Odebrecht, e todas as doações foram declaradas à Justiça Eleitoral.
"A Odebrecht doou R$ 11,3 milhões ao PMDB em 2014. Tudo declarado na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral. É essa a única e exclusiva participação do presidente no episódio".
A reportagem do UOL não conseguiu entrar em contato com o ministro Eliseu Padilha ou sua assessoria de imprensa.
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